Polícia



Adolescência bandida

Armas põem um jovem por dia na Fase

Até junho, 220 responderam a atos infracionais por delitos relacionados a armas

20/07/2012 - 06h21min

Atualizada em: 20/07/2012 - 06h21min


Pelo menos oito casos envolvem menores de idade no último mês

A cada dia, pelo menos um adolescente é autuado na Região Metropolitana por delitos relacionados a armas, como disparos, porte e homicídios. Até junho, 220 adolescentes responderam a atos infracionais por esses delitos - uma média de 1,20 por dia nos seis primeiros meses de 2012. Desde o final de junho, a apreensão de adolescentes matadores e os casos de crianças mortas quando amigos da mesma idade manuseavam armas trouxeram à tona uma triste realidade: cada vez mais menores andam armados nas ruas. São casos como os relatados nestas duas páginas. Seja para se defenderem de rivais, seja para cumprirem ordens de traficantes ou simplesmente para posarem de poderosos, brincarem com armas dos pais, os menores vêm fazendo cada vez mais vítimas.

Percentual é alto

Dos 959 adolescentes internados nas unidades da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) do Estado, 25,9% estão lá por crimes de homicídio e latrocínio (tentados e consumados). Outros 34,9% por roubo, crime praticado na maioria das vezes com o uso de arma de fogo. Já por porte ilegal, são 24 adolescentes (ou 2,5% do total).

- Armado, o adolescente tem status, poder, mulheres. É isso que faz um guri andar com um revólver - explica o delegado Alencar Carraro, da 3ª DP de São Leopoldo.

Para a polícia, os motivos podem estar também na falta de limites ou até mesmo na sensação de impunidade que o Estatuto da Criança e do Adolescente dá, acredita o delegado Leandro Cantarelli Lisardo, da 1ª Delegacia para o Adolescente Infrator, do Deca.

Conforme dados da Polícia Civil, até junho deste ano, 220 adolescentes foram indiciados em procedimentos por atos infracionais com armas. O dado mais preocupante é o que revela o fácil acesso a armas. Cento e 17 deles respondem por porte.

Uma nova geração

Há quase cinco anos à frente da Delegacia de Roubos, o delegado Juliano Ferreira vê com preocupação a presença de adolescentes em meio a quadrilhas gaúchas. Os jovens armados começam nos bandos como mulas, carregando as drogas e as armas dos chefes. Aos poucos, deixam os papeis de coadjuvantes e assumem posições de chefias.

No ano passado, na Operação Senhor das Armas, que desarticulou um dos principais bandos que armava e municiava quadrilhas da Zona Norte da Capital, foram apreendidos quatro adolescentes. Todos com importantes funções no bando. Este ano, a Operação Estrépito capturou um adolescente que agia junto com um bando que explodia caixas eletrônicos na Serra.

Para o delegado Juliano, o modo banal como o porte de armas por menores é tratado dentro do crime e também o fácil acesso às armas preocupam:

- Se eles são criados assim, achando que é comum andar armado, o que vai se esperar desses adolescentes no futuro?

Violência mais visível

Para a coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância, Juventude, Educação, Família e Sucessões, a procuradora de Justiça Maria Regina Fay de Azambuja, a violência hoje tem uma visibilidade muito maior.

- Há 20 anos, a gente não veria um aluno com uma arma dentro da mochila na escola. Hoje se vê. Evidente que os problemas hoje são maiores. Agora, normal não é - alerta a procuradora.

Medidas são de, no máximo, três anos

Conforme Maria Regina, o Centro já tratou de inúmeros casos de crianças que matam os irmãos dentro de casa, brincando com a arma do pai, que ele julgava estar guardada em um local seguro e de difícil acesso aos filhos.

Quanto à afirmação "não dá nada" muito repetida pelos menores para justificar a atuação no crime, Maria Regina acha que essa é uma frase que só dizem aqueles menores que nunca estiveram privados da liberdade.

- Os que passam por lá (Fase) sabem que não é fácil. Que é uma tortura ficar privado da liberdade por esse período - diz a procuradora, falando sobre os três anos, período máximo em que um adolescente pode permanecer internado na Fase para cumprir medida socioeducativa por um crime praticado.

Humaitá: disparo tira a vida de garoto

Na tarde da quarta-feira passada, a brincadeira de dois adolescentes com um revólver niquelado terminou de maneira trágica. Um garoto de 14 anos mostrava a arma ao amigo quando ela disparou. Vinícius de Campos Miranda, 12 anos, morreu ao chegar ao hospital.

O pai de Vinícius, Leopoldo Miranda, 62 anos, estava em choque. Chorava sem parar no plantão da DPPA do Deca. Horas antes, quando estava em casa, no Bairro Humaitá, ouviu o tiro e correu para rua. Encontrou o filho, que havia saído para brincar. Conseguiu ajuda da Brigada Militar para levá-lo ao HPS. Mas Vinícius chegou morto.

O garoto de 14 anos contou ao Diário Gaúcho que a arma era dele. Disse ter pago "cem conto" por ela, que seria um revólver. Afirmou ter comprado apenas porque queria ter um. Bombeiros fizeram buscas em um valão próximo a praça, onde a arma teria sido jogada, mas nada acharam.

Tramandaí: menores ajudam em execução

Dois adolescentes de 13 e 14 anos apreendidos por tráfico de drogas na tarde de 15 de julho, no Bairro Agual, teriam participado de uma execução no final da manhã do domingo. No entanto, o autor dos disparos que atingiram Guilherme Boppesin Domingos, 16 anos, seria um adulto.

Conforme o delegado Paulo Perez, da DP de Tramandaí, os jovens contaram que um deles entrou com o atirador na casa da Travessa Veneza. O outro ficou na esquina para alertar caso a BM se aproximasse. Guilherme foi atingido por um tiro na cabeça e morreu no local.

Por volta das 17h, os dois adolescentes foram detidos com 31 pedras de crack e uma balança. A arma não foi localizada. Ela estaria com o adulto, que ainda é procurado.

Bom Jesus: tiro mata menina de três anos

As circunstâncias em que uma menina de três anos foi baleada na cabeça, na manhã do dia 13 de julho, devem começar a ser esclarecidas ainda esta semana quando o procedimento chegar à 2ª Delegacia para o Adolescente Infrator, do Deca.

Os relatos, ainda confusos, indicam que um revólver calibre 38 teria disparado acidentalmente nas mãos de um menino de 16 anos, primo da menina. No entanto, a possibilidade de que a bala tenha vindo de fora da casa não foi descartada.

Bento Gonçalves: brincadeira com revólver do pai

Um tiro acidental disparado com um revólver calibre 38 do pai de um menino de 11 anos matou um amigo do garoto da mesma idade. Dionathan Kritti Diniz foi baleado na cabeça, por volta das 16h30min de 13 de julho. A tragédia ocorreu na casa de um colega do garoto, na Rua Francisco De Carli, em Bento Gonçalves, na Serra.

As duas crianças estariam sozinhas. Dionathan teria ido até o sótão e achado o revólver do pai do amigo. Ele teria jogado a arma para o garoto, que estava na base da escada. Foi quando o revólver teria disparado.

O amigo correu para pedir ajuda, mas quando o Samu chegou, Dionathan estava morto. Os meninos eram colegas na quinta série e teriam se encontrado para fazer um trabalho de aula.

Alvorada: comprada em sociedade

Madrugada do dia 7 de julho, sábado. Dois meninos de 12 e 13 anos estavam em uma casa da Rua Venezuela, no Bairro Maria Regina, em Alvorada. Por volta das 2h30min, os vizinhos ouviram o estampido. Era o fim de uma brincadeira perigosa entre os guris.

Conforme o delegado Maurício Barcellos, o menino de 13 anos compareceu na tarde de quarta-feira na 1ª DP de Alvorada para contar o que aconteceu naquela madrugada. Acompanhado do pai, ele disse que havia comprado a arma junto com Diego Estigarribia, 12 anos, e outro adolescente. Pelo revólver calibre 38 haviam pago R$ 1 mil.

Naquela madrugada, ele e Diego brincavam com a arma. Teriam comprado o 38 para ficarem "grandões" na vila. Ao manusear o revólver, ele teria disparado. O tiro atingiu o rosto de Diego, que morreu na hora.

Porto Alegre: era para se defender

Entre uma partida e outra no videogame, na tarde do dia 10, na sala de uma casa do Núcleo Esperança, na Restinga, o manuseio de uma arma era a diversão de três meninos: um adolescente de 16 anos, o irmão dele, e Tales Henrique Ramos Lemos, 17 anos. Num dos quartos da casa estavam os pais dos dois irmãos, que não sabiam que o guri andava armado.

Por volta das 17h30min, a brincadeira foi interrompida por um tiro que atingiu o peito de Tales. Socorrido, ele não resistiu. No Plantão do Deca, o adolescente de 16 anos, contou que havia comprado a arma para se defender, depois da sua última internação na Fase.

De filho da classe média a chefe de boca de fumo

Um dos alvos mais procurados pela Operação Tanatos, deflagrada pelas DPs de São Leopoldo em 9 de julho, era um adolescente de 17 anos. Considerado um dos assassinos mais frios e perigosos do Vale do Sinos, ele foi apreendido na noite do dia 10, na Vila São Geraldo. Conforme o delegado Alencar Carraro, o rapaz, filho de uma comerciária, reside numa boa casa, usa roupas de marcas e cursa o ensino médio. No entanto, foi seduzido pelo poder do tráfico e de uma pistola 9mm.

O garoto teria assumido o cargo de gerente de uma boca após a prisão do chefe do local. Recebia as ordens de dentro da Penitenciária Estadual do Jacuí. Entre elas, duas execuções. Segundo Alencar, o garoto ainda é investigado por outros crimes. Em depoimento, ele negou os assassinatos.

O matador cruel

Promovido de segurança de boca a chefe operacional da quadrilha em outubro passado, a carreira criminosa de um rapaz de 17 anos foi interrompida no final de junho. Apreendido pela 2ª DP de Viamão, o guri é apontado como autor de dois homicídios e investigado em outros oitos casos. Mas as suspeitas são de que ele possa estar envolvido em outras 20 mortes. Na manhã em que foi detido, o adolescente tentou reagir, apontando uma arma para os agentes. O delegado Carlos Wendt se disse impressionado com tantas testemunhas contra o menor:

- É um sujeito destemido, que vinha ganhando mais poder na facção. Precisava ser parado.


MAIS SOBRE

Últimas Notícias