O drama se repete
Família acorrenta jovem para livrá-lo do crack em Porto Alegre
Desesperada, família da Capital prendeu a uma grade o jovem de 25 anos viciado em crack. Desde 2003, o Diário contou pelo menos oito dramas como este
Ele já levou tudo o que podia de dentro de casa. Xinga, bate e ameaça de morte a própria mãe. Pela vida do filho, a mulher de 62 anos chegou a vender a casa e entregar todo o dinheiro a traficantes. Depois que o jovem de 25 anos, usuário de crack, perdeu o controle e passou a roubar na rua, a família decidiu acorrentá-lo.
- Agora ele é um perigo para a população. Não rouba só de nós, está roubando dos outros - desolou-se a irmã, 26 anos.
A família pediu para ter os nomes preservados. Teme os traficantes, mas quer contar seu drama, porque não sabe mais o que fazer. Depois de passar dois meses no Presídio Central, preso por assalto, o jovem voltou para casa no último dia 25. O tempo recluso não resolveu o problema. A cada nova fissura pela droga vem o desespero.
- Antes do vício, rapaz era gari
- Eu estou me sentindo humilhado. Não quero ficar acorrentado. O que custa me dar R$ 10 para eu fumar um baseado e ficar tranquilo? É só me dar um baseado que passa - protestou o jovem, debilitado, de fala embaralhada e mãos trêmulas.
Ameaçada de morte, a família não viu alternativa a não ser acorrentá-lo. Desde sábado, ele está com a perna esquerda presa a uma corrente cadeada à grade de uma janela, em uma peça nos fundos da casa. Descontrolado, ele bate com a cabeça na parede. Já quebrou a vidraça e tentou cortar os pulsos. Nem ele suporta mais viver assim.
- Eu nunca fiz nada para ninguém. Estou me sentindo acabado, sem recurso algum - desabafou o jovem, que trabalhava como gari nas ruas da Capital.
Ele já passou duas vezes por períodos de desintoxicações. Por alguns meses, ficou longe das drogas, mas recaiu. O filho carinhoso, o irmão prestativo, o guri trabalhador já não existe mais.
- Mãe quer prisão com tratamento
- O que adianta ele ir preso e sair pior? Tem de fazer esse presídio novo de uma vez, todos nós estamos correndo perigo - implorou a mãe.
O presídio a que ela se refere é o anunciado na semana passada: uma casa prisional na qual dependentes seriam tratados.
Casa foi vendida para pagar dívida
A casa de dois pisos, três quartos, mobiliada na Zona Sul da Capital valia cerca de R$ 30 mil. Mas a urgência para pagar traficantes fez a mãe do jovem se desfazer dela por R$ 6 mil.
Hoje, a família vive em uma casa alugada, no Bairro Lomba do Pinheiro, que já não tem mais móveis. Nada para em casa. Nem as roupas da sobrinha de cinco anos ele conseguiu manter intactas.
- Chega a encostar um carro aqui para vir buscar as coisas que ele troca por droga - contou a mãe.
- Leito tem, mas ele não quer
Na semana passada, havia vaga no Hospital Parque Belém, mas o rapaz entrou por uma porta e saiu pela outra.
- Já pensamos em ir embora, abandoná-lo, mas não conseguimos. E ainda querem liberar as drogas, né? - ironizou a irmã.
Novo presídio seria alívio
O Estado planeja ter, ainda em 2013, a primeira prisão destinada a detentos dependentes de drogas. O projeto foi apresentado na semana passada com a intenção de dar mais eficácia à recuperação de presos viciados, combinando segurança com tratamento.
- Não é producente que usuários de drogas fiquem presos sem receber tratamento - definiu o secretário da Segurança Pública, Airton Michels.
O Centro de Referência para Privados de Liberdade Usuários de Álcool e Outras Drogas (como a unidade foi batizada) seria destinado para usuários presos em regime fechado.