Janeiro sangrento
Em guerra de gangues sobra bala até para PM na Capital
Polícia acredita que tráfico seja culpado por execuções e tiroteios nas vilas Laranjeiras e Chácara da Fumaça 1
Para moradores de duas vilas de Porto Alegre, foi o janeiro de 2013 - e o dezembro de 2012 -, que trouxe o clima de fim do mundo. Pessoas vivem o pânico de tiroteios à luz do dia: foram seis mortes em 42 horas (média de uma a cada sete horas). A guerra entre traficantes não poupou nem a Brigada Militar, recebida à bala ontem à noite: um PM levou um tiro.
Tudo começou com um duplo homicídio, na terça-feira. Outras quatro mortes, como revide do revide, ocorreram entre a Vila das Laranjeiras (Morro Santana) e a Vila Chácara da Fumaça 1 (Bairro Mario Quintana).
Quinta-feira, 14h: execução na rua
A revanche que os moradores da Vila Chácara da Fumaça 1 tanto falavam e temiam que ocorreria a noite chegou mais cedo. É isso que acreditam os policiais da
3ª DHPP que, na tarde de ontem, iniciaram as investigações de mais um assassinato no Bairro Mario Quintana.
- Foi um cenário cruel
Foi por volta das 14h que um carro chegou na Rua Manoel Marques, na Vila Chácara da Fumaça I. André Luis Flores Jesuíno, 34 anos, estava no local. As poucas testemunhas que deram alguma informação aos policiais conseguiram descrever uma cena brutal. Com dois tiros nas pernas, André tombou. Já caído na via, foi baleado outras três vezes na cabeça.
Depois, os ocupantes do carro teriam arrastado a vítima do meio da rua para a calçada oposta. E lá, atirado outras quatro vezes na cabeça dela.
- Ficaram a poça de sangue e os cartuchos de .380 - contou o delegado Leônidas Cavalcante.
- Avenida divide os "frontes"
Depois de mais esse crime, o delegado admitiu ser evidente a relação entre as mortes do Mario Quintana e as do Morro Santana, limite das zonas Norte e Leste, divididas pela Avenida Protásio Alves.
- Vamos investigar essa relação.
PM é baleado por criminoso
Na tentativa de impedir uma nova troca de tiros na Vila das Laranjeiras, a Brigada Militar tomou o local no início da noite de ontem. Porém, poucos minutos depois da chegada do ônibus da BM, um PM foi baleado em ação de patrulhamento na vila, por volta das 19h.
O disparo atravessou a coxa esquerda do PM, que não corre risco de morte, segundo o comando do 20º BPM.
- Polícia divide-se em duas versões
O policial foi atingido quando abordava três homens. O PM reagiu. Conforme o batalhão, ele não soube dizer se acertou alguém.
Segundo PMs, a guerra entre traficantes da Laranjeiras e da Chácara da Fumaça 1 seria pela posse na Nova Chocolatão, que fica entre as duas e que estaria sem um chefe do tráfico.
Já o titular da 1ª DHPP, Wagner Dalcin, afirma que um traficante da Chácara da Fumaça 1 estaria querendo tomar o ponto na Vila das Laranjeiras.
A previsão da BM era passar a noite nas Laranjeiras. Do outro lado da Avenida Protásio Alves, a Polícia Civil ocuparia a Chácara da Fumaça 1.
Toque de recolher apavora
Pelas ruas e vielas da Vila das Laranjeiras, impera a lei do silêncio. Ao avistar o carro da reportagem, moradores preferem se esconder ou não falar sobre os crimes mais recentes. Porém, há quem confirme que a guerra pela disputa por pontos de tráfico está ocorrendo desde o Natal, quando traficantes do Mario Quintana foram liberados pelo indulto e não voltaram à prisão.
Ontem pela manhã, surgiu o boato de que as famílias não deveriam sair de casa a partir das 19h.
- Passaram avisando nos mercados e nas ruas. Está para ocorrer uma invasão dos traficantes da Mario Quintana. Não dormimos há duas noites esperando o pior - disse uma moradora.
No Mario Quintana, o boato do toque de recolher também chegou. Segundo um morador, o aviso teria sido emitido só para ontem.
Quarta, 20h: pintor assassinado
O quinto personagem trágico desta disputa sangrenta na Capital foi o pintor Juarez da Silva, 45 anos. Ele foi atingido por três tiros na cabeça quando saía de um minimercado na Rua Três, às 20h de quarta-feira, exatamente 24 horas depois de dois homens serem mortos e outro baleado a duas quadras de distância do crime. Assim como o homicídio da noite anterior, a vítima não tinha antecedentes criminais.
- Os três mortos não eram parentes, não eram usuários, não se conheciam e não tinham antecedentes - revelou o titular da 1ª Delegacia de Homicídio de Proteção à Pessoa (1ª DHPP), delegado Wagner Dalcin.
- Medo é que inocentes paguem
Depois deste fato, a Polícia Civil ainda relutava em admitir que as mortes tinham relação entre si e tinha o tráfico como pano de fundo. Porém, quem vive na Vila das Laranjeiras tinha certeza: as mortes tinham conexão. Segundo um morador, pelo menos duas das vítimas conheciam pessoas envolvidas com o tráfico. Daniel Leal Machado, 31 anos, teria sido o único assassinado porque estava no lugar errado e na hora errada.
- Todos sabem que há uma disputa entre traficantes. Mas quem vai falar? Nosso medo é que mais inocentes acabem pagando pelos bandidos - desabafou uma moradora das Laranjeiras.