Investigação policial
Surdos passam por horror em Xangri-lá, no Litoral Norte
Adolescentes teriam sido abusados pelo motorista da van que os levava para a escola
Desde o ano passado, um pedreiro de 42 anos, morador de Xangri-Lá, estranhava o comportamento da filha, hoje com 18 anos. A jovem, que é surda, chegava da escola e mal cumprimentava a família. Refugiava-se em seu quarto, embaixo das cobertas, e lá ficava por horas.
Os pais notaram também que ela tinha marcas roxas nas pernas e o olhar cada vez mais desencantado. A dificuldade de aprendizado da garota, que cursa a sétima série de uma escola de Osório, se agravou.
Amigo também estava sofrendo
Na casa do amigo de infância dela, de 15 anos, também surdo e que frequenta a mesma escola, a mãe, pedagoga de 35 anos, notou que algo estava errado. Ele estava mais agressivo, repetindo gestos obscenos. Teve chamada a atenção na escola por estar com um vídeo pornográfico no celular.
- Até achei que poderia ser coisa da idade, não imaginava nada pior - lamenta a mãe.
Na quinta-feira, dia 4, a menina venceu o medo e revelou o horror que estaria passando há cerca de um ano nas mãos do motorista da van escolar da prefeitura de Xangri-Lá. Contou em detalhes a série de abusos sexuais a que pelo menos ela e o amigo teriam sido submetidos.
Os pais denunciaram o motorista, de 50 anos, à DP de Xangri-Lá. No começo desta semana, o caso veio à tona e revoltou as comunidades. Ontem, a adolescente foi encaminhada ao exame de corpo de delito. O menino também teve o encaminhamento feito pela delegacia.
Famílias das vítimas estão com medo
- Pelo menos por enquanto eu não deixo mais ela sair de dentro de casa, porque a gente denunciou e parece que estão levando a coisa na brincadeira. Esse homem continua por aí - diz o pai da jovem.
Não bastasse o trauma do abuso, os adolescentes também enfrentam o afastamento dos estudos. Desde a denúncia, deixaram de frequentar a escola. Os pais exigem que uma monitora acompanhe a van para estudantes especiais de Xangri-Lá. Mas até agora não há garantia da prefeitura nesse sentido.
- Era um homem que nós confiávamos. Faz uns sete anos que ele levava as nossas crianças para a escola. Como fica agora? - critica a mãe do menino, que cursa o quinto ano.
"Eu acredito na justiça divina"
Conforme a denúncia das duas vítimas, depois de apanhar os adolescentes em casa, o motorista fazia uma parada na casa dele. Na maior parte das vezes, deixava o menino na sala, lhe entregava refrigerante e deixava rodando um filme pornô enquanto se trancava no quarto com a jovem.
- Fiquei sem rumo quando soube disso, cheguei a pensar em vingança, mas não adianta. Eu me agarro na fé e acredito na justiça divina. Mas quero ver ele preso, isso sim - desabafa o pai do menino.
A garota relata que foi forçada a ter relações com o homem. A denúncia também dá conta de que ele a teria filmado e fotografado em algumas oportunidades.
Por vezes, a aula era abreviada por vontade do motorista. Alegando que era um pedido dos pais, ele os buscava às 10h30min. O abuso também aconteceria na volta da escola. Em pelo menos duas oportunidades, em vez de chegar até às 13h, como seria o normal, os adolescentes foram entregues às 14h30min.
- Não me perdoo por ter acreditado naquele homem. Ele disse que a van tinha estragado no caminho - conta a mãe do menino.
Investigação ainda está no começo
O delegado João Henrique Gomes trata o caso com cautela. Segundo ele, para não prejudicar a investigação.
Na sexta passada - um dia depois da denúncia -, agentes da DP de Xangri-Lá cumpriram um mandado de busca na casa do motorista. Encontraram munições. Por esse motivo, o homem foi autuado em flagrante. Pagou fiança e foi liberado.
A polícia não confirma se outros materiais foram apreendidos no local. No depoimento, prestado com o auxílio de uma tradutora de libras (língua brasileira de sinais), a adolescente teria descrito em detalhes o interior da casa do suposto abusador.
- Há um inquérito aberto e o suspeito ainda não foi ouvido. Ainda queremos ouvir mais testemunhas e acumular mais dados. É cedo para dizer se houve ou não o crime - diz o delegado.
Informalmente, no entanto, o motorista teria afirmado que levava os estudantes até a sua casa para lhes dar refrigerante. O DG procurou o motorista, ontem, mas não conseguiu encontrá-lo.
Motorista já foi afastado
De acordo com a assessoria da prefeitura de Xangri-Lá, o prefeito Cilon Rodrigues da Silveira, ao ser informado da ocorrência policial, determinou o afastamento do servidor da função de motorista do município. Uma sindicância também foi aberta para apurar a sua conduta.
O homem é concursado há 18 anos como motorista do município. Atualmente, dirigia uma van escolar da prefeitura, própria para o transporte de crianças portadoras
de necessidades especiais.
O Diário Gaúcho não publica os nomes dos dois jovens que seriam vítimas do abuso para preservá-los, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Também não publica o nome do acusado porque, até esse momento, ele não foi indiciado pela Polícia Civil, que investiga o caso. Assim, ele é tratado como suspeito, e não como um acusado formal.