Polícia



Escritório no Central

Detento comandava golpe do falso aluguel de dentro do Presídio Central

Detento enriqueceu com esquema que vitimou mais de 100 pessoas nos últimos meses com os golpes do falso aluguel e do falso emprego

27/05/2014 - 09h31min

Atualizada em: 27/05/2014 - 09h31min


Reprodução / Polícia Civil
Fernando Martins Marques, o Fernandinho, líder do esquema

Quando duas pessoas procuraram a 17ª DP para denunciar que haviam sido enganadas por pessoas que anunciaram um apartamento para alugar no Centro de Porto Alegre, no final de março, a polícia acreditou estar diante de mais uma tradicional vigarice. Mas foi só a investigação começar que os agentes perceberam que o golpe do falso aluguel era, na verdade, uma das pontas lucrativas de um complexo esquema manipulado a partir de uma cela do Presídio Central.

Fernando Martins Marques, o Fernandinho, 36 anos, com penas a cumprir até 2070, virou "empresário" atrás das grades. Com direito a uma central telefônica com 13 números de telefone ativos, dentro da cadeia. Na rua, a companheira dele, Shaiana Teresinha Centeno Alves, 31 anos, atuava como gerente da firma. Ela foi detida e liberada pela polícia, mas será indiciada por estelionato.

Eles enganaram agências de emprego, imobiliárias, pessoas interessadas em trabalhar e em alugar imóveis para morar na Capital. A polícia ainda faz o levantamento do dinheiro arrecadado com o esquema, que funcionava há pelo menos seis meses, mas estima em pelo menos cem vítimas.

- Não acredito que ele comandasse o único esquema de falso aluguel em Porto Alegre, mas sabemos que agiam em diversas regiões da cidade. Foi uma forma que ele encontrou para garantir uma renda, mesmo preso - afirma a delegada Carmem Regio.

Na segunda-feira, a delegada oficiou a Susepe sobre a situação do preso e o funcionamento das linhas telefônicas, que foram monitoradas em escutas da polícia desde abril. Eram estes números que constavam nos anúncios de jornais com apartamentos para alugar, que pareciam barbadas.

- As pessoas também acabavam se arriscando, ao evitar uma negociação intermediada por imobiliária e sem burocracias - conta a delegada.

Vítimas davam com a cara na porta

A exigência do falso proprietário dos imóveis era sempre o pagamento antecipado de valores entre R$ 2,7 mil e R$ 3 mil de caução. Depois de pagar, e já com um contrato de aluguel em mãos - nos quais Fernandinho usava nomes e documentações de pessoas reais - os interessados recebiam as chaves do imóvel das mãos de Shaiana. Mas, ao chegarem com a mudança, a chave já não servia naquela porta. Só então a vítima percebia que havia caído em um golpe.

Na quinta passada, Shaiana foi pega pelos policiais enquanto fazia cópias de uma chave de um apartamento no Centro. De acordo com a delegada, não foi consumado o flagrante do estelionato.

Ainda na última semana, pelo menos outras duas vítimas apareceram na delegacia. E há registros em outras DPs da cidade. A expectativa da polícia é de que, agora, mais vítimas apareçam. Nos próximos dias, pessoas que tiveram seus nomes usados como proprietários dos imóveis anunciados para alugar serão ouvidas.

Vítimas em busca de casa e emprego

As primeiras vítimas da "firma" de Fernandinho eram agências de empregos. Apresentando-se como empresário da Serra gaúcha, do ramo de importações e exportações, ele ligava para essas empresas solicitando a seleção de funcionárias para trabalhar em uma futura filial, no Centro da Capital. O mesmo anúncio também era feito em jornais.

As moças se apresentavam, mas nunca chegavam a receber o salário. Nem tinham contato direto com Fernandinho ou Shaiana. Tudo era feito por telefone. Elas se tornavam vítimas também.

- Ele dizia que ainda não estava em Porto Alegre, mas precisava que elas já fizessem algumas atividades, supostamente, para a empresa. Elas eram dispensadas antes de receber e o detento contratava novas moças - conta a delegada.

Algumas recebiam a função de buscar as chaves de imóveis em imobiliárias - também vítimas do golpe. Outras, sem saber, recebiam de um motoboy as chaves e precisavam mostrar apartamentos para possíveis interessados em alugar. Estes acreditavam estar sendo acompanhados por uma representante do proprietário.

Na hora de fechar o contrato e pegar as chaves do apartamento, os possíveis clientes tratavam pessoalmente com Shaiana. Sempre em lugares públicos do Centro.

Mais crimes podem ser descobertos

Na casa de Shaiana, no Bairro Mario Quintana, os policiais apreenderam, na última semana, uma mala carregada com uniformes e distintivos militares - inclusive com os brasões de missões internacionais das Forças Armadas -, roupas operacionais, distintivos da Polícia Federal e uma pistola 9mm.

A suspeita da polícia é de que o material esteja relacionado com o passado de Fernandinho. Desde 2002, ele tem 69 anos de condenações por roubos, latrocínio, tentativa de homicídio contra policiais militares e falsificação de documento.

Em 2011, ele e dois comparsas roubaram joias em um condomínio da Zona Norte da Capital, usando uniformes da Polícia Federal. Eles teriam passado pela portaria argumentando que cumpririam um mandado no local.

Ontem, representantes do Exército recolheram o material para avaliar se houve desvio ou se os uniformes foram obtidos antes mesmo de serem entregues à corporação.

Como funciona o esquema
- Apresentando-se como um empresário do ramo de importações e exportações da Serra, Fernandinho procurava, por telefone, empresas de recursos humanos para que selecionassem moças interessadas em trabalhar na sua filial, no Centro de Porto Alegre. Ele usava os nomes de duas empresas falsas.
- As meninas selecionadas nunca chegavam a fechar um contrato formal com a tal empresa. Por telefone, Fernandinho alegava que ainda não estava na Capital, mas pedia que elas adiantassem o serviço para a instalação da firma na cidade. Prometia pagamento depois de um período, mas elas não recebiam.
- Uma das falsas funcionárias era encarregada de buscar a chave de algum imóvel, supostamente, em nome da empresa. A chave era sempre entregue a um motoboy, que a levava até Shaiana. Ela copiava a chave e enviava a original de volta à moça, que devolvia à imobiliária.
- O apartamento era anunciado em jornais da Capital para alugar tratando direto com o proprietário. O número que constava nos anúncios era sempre de algum dos telefones usados pelo detento no Presídio Central. Era ele quem fazia a primeira negociação e marcava a data para o interessado conhecer o imóvel.
- Outra falsa funcionária era mandada ao local, onde recebia de um motoboy as chaves falsas, que ainda funcionavam. Apresentado o imóvel e convencido o locatário, era marcada uma nova data para que ele fechasse o contrato e depositasse um valor de caução para garantir a reserva.
- Em lugares públicos do Centro, Shaiana era quem fechava os acordos como representante do proprietário.
- O locatário recebia as chaves falsas e, quando fazia a mudança, em geral o problema já havia sido percebido pela imobiliária, que trocava as fechaduras. Aí, a chave falsa já não servia.

Não seja uma vítima
- Prefira negociar com imobiliárias reconhecidas, mas, se tratar diretamente com o proprietário, é preciso ter atenção a todos os detalhes.
- Exija a matrícula de propriedade do imóvel atualizada.
- Peça a documentação pessoal de quem está alugando e compare com a da matrícula.
- Na hora de assinar o contrato, exija reconhecimento de firma do proprietário. Se a negociação for com um representante deste, exija uma procuração, também com a firma reconhecida.
- Sempre tenha uma cópia do contrato.

Se você foi vítima
- Procure a 17ª DP pelo telefone 3225-2778 ou na Avenida Voluntários da Pátria, 1358, Centro.


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