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20 anos da rebelião no Central

Hoje faria diferente, diz juiz sobre motim de 1994 no Presídio Central

Scapini era o titular do 2º Juizado da Vara de Execuções Criminais (VEC) da Capital e sua presença no cenário da rebelião foi uma exigência dos presos

07/07/2014 - 12h55min

Atualizada em: 07/07/2014 - 12h55min


Dulce Helfer / Agencia RBS
O desembargador aposentado integrou uma comissão para gestão da crise, formada às pressas na ocasião por todos os poderes

O desembargador aposentado Marco Antônio Bandeira Scapini, 60 anos, lembra bem da noite de 7 de julho de 1994, há exatos 20 anos. Ao lado do então presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa Marcos Rolim e do assaltante Dilonei Melara, ele caminhou pelo corredor que dava acesso ao Hospital Penitenciário do Presídio Central de Porto Alegre e parou diante de uma grade. Do outro lado estavam detentos armados, que horas antes eclodiram o maior motim já registrado no sistema penitenciário gaúcho.

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Scapini era o titular do 2º Juizado da Vara de Execuções Criminais (VEC) da Capital e sua presença no cenário da rebelião foi uma reivindicação dos presos. Eles queriam entregar uma lista de exigências, entre elas que fosse permitido sua fuga em três carros com reféns e armas para defesa em uma perseguição policial.

Liderados por Melara e Celestino Linn, que foram removidos da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) e levados para o Central, dez detentos mantiveram 24 pessoas reféns no antigo hospital do Central. O motim só terminou mais de 30 horas depois em uma cena cinematográfica: um táxi com apenados e reféns invadiu o saguão do hotel Plaza São Rafael.

O desembargador aposentado integrou uma comissão para gestão da crise, formada às pressas na ocasião por todos os poderes, e diz que hoje tomaria uma atitude diferente e não negociaria diretamente com os apenados. Ele ressalta, porém, que é totalmente favorável ao diálogo, desde que feito por profissionais treinados para essa finalidade. Leia, a seguir, trechos de uma entrevista concedida a Zero Hora:

Veja o documentário sobre os 20 anos do motim:

A decisão de liberar os presos para a fuga foi sua?
Claro que não. Mesmo sendo juiz, eu não tinha poder para isso. Foi uma decisão tomada pela comissão, formada por iniciativa do ex-governador Alceu Collares, e ninguém se opôs. (Estavam presentes representantes da Assembleia Legislativa, Polícia Civil, Brigada Militar, Justiça e Ministério Público). O delegado (Alexandre Vieira, designado para representar a Polícia Civil) não falou nada o tempo inteiro. Foi um consenso. Nós queríamos trazê-los da Pasc para deixá-los perto dos demais, era uma das exigências dos amotinados, que ameaçavam mater reféns.

Você temeu ser morto ou feito refém?
Foi uma situação muito difícil, como se pode imaginar. Os presos estavam com toda a vantagem, havia urgência, pois alguns detentos, que não eram amotinados, foram submetidos a cirurgia e precisavam de tratamento. Os rebelados tinham reféns, armas, comida, drogas e água, não adiantava esperar muito, só aumentaria o risco. Segundo avaliação da Brigada Militar na época, se houvesse uma invasão do hospital, provavelmente todos amotinados e reféns morreriam, não teria como distinguir quem era quem.

O temor era que se repetisse um massacre como o do Carandiru?
Se a rebelião espalhasse por todo o presídio, poderia haver até 200 mortos, conforme avaliação da Brigada Militar. E havia também o risco de o movimento se propagar para todos os estabelecimentos penais, que estavam desguarnecidos. Poderia haver uma fuga em massa dos presos de Charqueadas, pois eles estavam escutando tudo que acontecia e eram solidários ao movimento de Melara.

Veja fotos históricas do Presídio Central:

Qual foi o plano acordado pela comissão?
Deixar os presos saírem e, primeiro, libertar as mulheres reféns. Segundo, dar os carros que eles pediam para a fuga e acompanhar até a saída da zona urbana para, então, cercar os veículos e esperar. Eles não teriam água, comida e grande número de reféns. Mas o delegado Alexandre Vieira saiu e disparou. Ele tomou uma atitude contrária ao que tinha sido combinado. As decisões foram corretas, houve erro na execução por precipitação de um policial. Apesar de tudo, foi menos grave do que poderia ter sido. (O delegado diz que não participou de acordo para que não houvesse perseguição aos detentos em fuga).

Você se arrepende de algo?
Hoje não negociaria com os presos no início da operação, já teria deixado para a Brigada Militar. O problema é que eles exigiam falar comigo e não podia me omitir. Se matassem alguém, eu ficaria numa situação difícil. Imagina negociar com pessoas armadas e transtornadas, é muito complicado.

Qual é o legado desse motim para a segurança pública?
Ele redundou em algumas medidas, como o ingresso da Brigada Militar nos estabelecimentos penais e um cuidado maior em situações tensas. Mas não melhorou nada significativamente, pelo contrário, piorou a situação de superlotação.


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