Polícia



De volta às ruas

Menos de um dia após operação na Vila Cruzeiro, seis presos são soltos

Diretor de investigações da Polícia Civil questiona decisão tomada por juiz plantonista

24/07/2014 - 21h51min

Atualizada em: 24/07/2014 - 21h51min


Eduardo Torres / Diário Gaúcho

Eles nem esquentaram a cela. Das 11 pessoas que foram presas na Vila Cruzeiro, na manhã de quarta-feira, durante uma operação da 4ª DHPP, seis já estavam livres na manhã desta quinta-feira. Haviam sido liberadas por decisão do juiz plantonista no Fórum ainda durante a madrugada.

Por volta das 10h15min, três presos em flagrante por porte ilegal de arma - incluindo armamentos de uso restrito - e três flagrados por tráfico receberam no Central a notificação de que estavam em liberdade provisória.

- Foram decisões que contrariam completamente o teor dos inquéritos. Neles, a Justiça concedeu os mandados de buscas e de prisões. Agora, pela decisão de um juiz plantonista, criminosos perigosos voltaram às ruas quase imediatamente - desabafa o diretor de investigações do Departamento de Homicídios, delegado Cristiano Reschke.

Os suspeitos haviam sido capturados na Cruzeiro durante a manhã de quarta, mas os procedimentos na Área Judiciária só foram concluídos próximo da meia-noite. O que significa que os suspeitos sequer dormiram na cadeia.

- Se, da forma como foi feito não estava certo, vamos esperar que o Judiciário nos diga como fazer segurança pública - dispara o diretor.

De acordo com a Coordenadoria de Plantões do Fórum Central, casos de urgência que chegam à noite são julgados por um juiz plantonista, que tem independência para interpretar a legislação e decidir sobre cada situação. Não há condutas padronizadas nem limitação de crimes a serem julgados neste período. Em geral, casos de prisões em flagrante são homologados ou não. Em caso de contestação da defesas, o juiz plantonista também pode decidir.

Os relaxamentos de prisão não significam que o suspeito deixará de responder pelo crime. Mas o fará em liberdade.

Preso de novo, no Fórum
A soltura mais grave, que pode envolver uma falha das autoridades de segurança, ao menos foi remendada. No começo da tarde, quando foi ao Fórum Central buscar o alvará de soltura, François Antônio Charão de Oliveira, 20 anos, foi novamente preso. Durante a operação, ele foi flagrado com um fuzil .30 e, por isso, autuado em flagrante. Mas contra si, também havia um mandado de prisão preventiva.

França, como é conhecido, foi indiciado pelo assassinato de Bruno da Cunha Machado, em abril. Ele é apontado pela polícia como um dos principais matadores da quadrilha ligada ao traficante conhecido como Felipinho, que está de um dos lados da guerra entre as travessas da Rua Dona Otília, na Vila Cruzeiro.

- Com a prisão preventiva, ele jamais poderia ter sido liberado do presídio. A volta dele às ruas representaria, nesse momento, alto risco de vida para testemunhas - aponta o delegado Rodrigo Pohlmann, que comandou as investigações pela 4ª DHPP.

De acordo com a assessoria da Susepe, o mandado de prisão preventiva do França não foi cadastrado pelo Tribunal de Justiça no sistema Infopen, que registra todo o histórico dos detentos do Estado. Constava apenas a prisão em flagrante e a consequente soltura, que foi cumprida no presídio.

No ano passado, França já havia sido condenado por tráfico. Ele recorre em liberdade. Ouvido hoje na delegacia, não tinha muito a dizer:

- Eu estava na cela e me entregaram o papel dizendo para sair. Levantei e fui embora.

No começo da noite, a reportagem tentou contato com a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça, sem sucesso.

Um dos Cabral voltou para a rua
Logo após a operação policial nas ruas da Vila Cruzeiro, os telefones da Polícia Civil receberam diversas ligações de moradores agradecendo. Diziam que a tranquilidade poderia voltar à comunidade, principalmente com a captura dos irmãos Cabral - considerados os principais criminosos por trás do toque de recolher imposto na Cruzeiro em abril. Mas, provavelmente, desanimaram ao acordar. Um dos liberados pela Justiça foi Rodrigo Cabral dos Santos, 19 anos, o mais novo da gangue familiar.

Uma liberação considerada simbólica pelo delegado Cristiano Reschke:

- São situações como essa que deixam a polícia em descrédito com a comunidade. E agora, vamos colocar na conta de quem as próximas mortes na Cruzeiro? O Judiciário não levou em consideração que esta é uma zona conflagrada, onde um criminoso, quando volta para a rua, aumenta em muito o seu poder de amedrontamento sobre a vizinhança.

No caso do Rodrigo, a sensação de impunidade com o prende-solta é escancarada. Foi a terceira vez em três meses que ele foi preso e voltou às ruas pelo mesmo crime.

No dia 5 de abril, ele havia sido preso com uma espingarda calibre 12 na própria Vila Cruzeiro. No dia seguinte, estava na rua. Com o aperto do policiamento na região, se refugiou com os irmãos em Viamão. E, lá, foi novamente preso no dia 30 de abril com um revólver calibre 32, de numeração raspada.

Dessa vez, ficou mais tempo preso. Voltou para a rua só no dia 1º de julho. Até ser flagrado na manhã de quarta, durante a operação, tentando se livrar da pistola .380 no casarão que é o quartel-general dos Cabral.

De acordo com o delegado Rodrigo Pohlmann, com a presença de um dos Cabral na rua e com o seu rival, Felipinho, dando ordens no Presídio Central, aumenta o risco de que recomecem os tiroteios nas proximidades da Rua Dona Otília.

- É como uma sociedade entre irmãos. Os outros dois estão presos. Quem está na rua, terá de traficar em dobro para sustentar quem está na cadeia - avalia.

Presos tinham certeza da impunidade
Enquanto os agentes da Polícia Civil prendiam um dos suspeitos de tráfico na Vila 27, com drogas e um revólver calibre 38, uma mulher que estava no local antevia o resultado da ação no Território de Paz do Santa Tereza. E dizia para um deles:

- Não te preocupa. Amanhã tu já volta para casa.

Assim como este suspeito, foram liberados três dos indiciados por tráfico de drogas na vila que é um dos pontos mais conflagrados da Cruzeiro.

De acordo com o delegado Cristiano Reschke, pela postura do Judiciário nos últimos anos, não há surpresa nas liberações por tráfico de pequenas quantidades de drogas. E não haveria tanta surpresa nas solturas de presos por porte ilegal de armas consideradas mais leves, mas foram soltos suspeitos que estavam com um fuzil e uma pistola - ambas de uso restrito e com numerações raspadas.

- São todos crimes com penas pesadas e acompanhados de exaustiva investigação. Nada disso foi levado em conta - diz.

Ele reforça que o contrário raramente acontece. Não é prática do Judiciário conceder mandados de prisão nos horários de plantão.

Como foi o prende e solta
- Eram 6h de quarta quando 11 pessoas foram presas com armas e drogas em operação da 4ª DHPP na Vila Cruzeiro, Bairro Santa Tereza. Três deles tinham mandados de prisão preventiva decorrentes de investigações de homicídios na região. Os demais, foram presos em flagrante.
- Eram 23h30min, quando os últimos procedimentos burocráticos para autuação dos suspeitos em flagrante por tráfico de drogas e porte ilegal de armas foram encerrados no Palácio da Polícia. Só então, o grupo foi levado ao Presídio Central.
- Assim que os flagrantes foram homologados pela Justiça, os advogados solicitaram as liberações dos presos. E foram concedidas a seis deles ainda durante a madrugada, no plantão do Fórum Central.
- Às 10h15min de quinta-feira, as ordens de soltura foram cumpridas no Presídio Central.
- Entre os liberados estava François Antônio Charão de Oliveira, o França, 20 anos, que tinha contra si um mandado de prisão preventiva, não observado no Presídio Central.
- Às 14h, quando França foi ao Fórum Central retirar seu alvará de soltura, acabou preso novamente pelos agentes da 4ª DHPP. 


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