Polícia



Lei Maria da Penha

Porto Alegre ganha rede de atendimento especializado para mulheres que sofrem violência doméstica

Serviço funcionará no Centro Integrado de Comando e Controle e irá atender a Capital e Região Metropolitana

07/08/2014 - 07h07min

Atualizada em: 07/08/2014 - 07h07min


Cristiane Bazilio
Cristiane Bazilio
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No ano em que a Lei Maria da Penha completa oito anos, data celebrada hoje, Porto Alegre dá um passo à frente no combate à violência contra mulheres. Na Capital e Região Metropolitana, uma experiência pioneira no país oferece a quem passa por este drama um atendimento ainda mais especializado. O serviço funciona no Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), e integra a Rede de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar, juntamente com a Patrulha Maria da Penha e outras iniciativas. Para ter acesso a ele, em caso de ameaças e agressões, basta ligar para o 190.

- Além do boletim de ocorrência e do despacho de uma viatura, uma equipe especial faz um acolhimento da mulher via telefone. Profissionais preparadas conversam com ela para tentar acalmá-la e orientá-la, tanto emocionalmente quanto nas questões práticas - explica Maria José Diniz, assessora de direitos humanos da Susepe.

Atendimento humanizado conforta

O serviço é um dos legados da Copa do Mundo, quando a Rede entrou em operação no CICC. São 11 mulheres, entre servidoras da Brigada Militar, Policia Civil, Susepe e IGP, capacitadas para este atendimento.

- Tem sido uma experiência muito bem-sucedida. Temos notado que a aceitação é muito grande. Elas se sentem ouvidas, compreendidas... É um trabalho de certa forma psicológico - explica a delegada Luciane Bertoletti.

O atendimento não acaba ao fim da ligação. Diariamente, as equipes da Rede repassam os relatórios dos atendimentos para a Delegacia da Mulher e para o Centro de Referência da Mulher. Lá, é feita uma triagem das ocorrências. Quando necessário, as vítimas recebem um acompanhamento maior, que pode ir de atendimento psicológico a jurídico.
 
- Estabelecemos um marco com esta iniciativa. Outros estados já têm o Rio Grande do Sul como referência para a implantação deste atendimento. Nosso próximo passo é qualificar as 223 pessoas que trabalham no CICC para que todas tenham condições de fazer este procedimento - comemora o diretor do centro, coronel Antônio Scussel.

Mais coragem para denunciar

O CICC recebe, em média, 20 ligações por dia de casos envolvendo violência doméstica. Um dos desafios da equipe da Rede de Acolhimento é tentar transformar estas denúncias em registros de ocorrência na polícia, para que os responsáveis respondam na Justiça pelos crimes cometidos. Ao que tudo indica, tem dado certo.

Segundo a delegada adjunta da Delegacia da Mulher, Laura Rodrigues Lopes, o número de registros têm aumentado ano a ano. Hoje, são, em média, 30 ocorrências por dia, conforme a delegada. O que não significa, segundo ela, um aumento da violência, mas uma mudança de atitude das vítimas. Prova disso é que as estatísticas da Secretaria de Segurança Pública, com base nos anos de 2012/2013, revelam uma queda no número de mulheres vítimas de violência no Estado (ver quadro).

- As mulheres estão criando coragem de falar e de registrar. Antigamente, a violência era velada, ficava entre quatro paredes - comenta Laura.

A lei

Sancionada em 7 de agosto de 2006, a lei 11.340/2006, conhecida popularmente como Lei Maria da Penha, busca prevenir, reprimir e punir a violência doméstica e familiar contra a mulher. O nome é uma homenagem a Maria da Penha Maia, que foi agredida pelo marido durante seis anos. O homem só foi punido depois de 19 anos de julgamento e ficou apenas dois anos em regime fechado. A lei possibilita que agressores de mulheres no âmbito doméstico ou familiar sejam presos em flagrante ou tenham prisão preventiva decretada.

Fiscalização aumenta sensação se segurança

O projeto Patrulha Maria da Penha completará dois anos em outubro. Opera através da Brigada Militar, com viaturas identificadas e PMs capacitados, fiscalizando o cumprimento de medidas protetivas. As patrulhas fazem visitas regulares às casas das vítimas e prestam o atendimento necessário.
Para cada um dos seis batalhões da BM na Capital, existe uma patrulha Maria da Penha. Elas atuam em áreas específicas com maior índice de violência, como Lomba do Pinheiro, Restinga e Rubem Berta.

- Neste primeiro momento, é preciso estar nas áreas abrangidas para que sejam atendidas (as vítimas). Estamos aumentando as patrulhas gradativamente. A ideia é solidificar o que já tem para estender a todos os bairros possíveis - afirma a tenente-coronel Nádia Rodrigues Silveira Gerhard, responsável pelas Patrulhas Maria da Penha.

Cada patrulha presta, no mínimo, entre 10 e 15 atendimentos por dia.

- A gente bate de porta em porta, pergunta se está tudo bem, se o agressor tem se mantido longe. Se o cara estiver lá, vai preso na hora. Mas, se estiver com o consentimento dela e se for desejo da vítima, ela desfaz a medida protetiva - explica a soldado Bruna Aguiar, patrulheira da BM.
 
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Como proceder em caso de ameaças e agressões

O primeiro passo é ligar para o 190. A Brigada Militar fará o boletim de ocorrência e despachará uma viatura para o local da agressão. Ao mesmo tempo, a ligação será transferida para a Rede de Atendimento Especializado, que fará o acolhimento desta vítima.

A próxima etapa é procurar uma Delegacia da Mulher e registrar ocorrência. É a partir dela que será instaurado um inquérito policial. A vítima poderá pedir medida protetiva. É nesta etapa, ainda, que a vítima decide se quer que o autor das agressões responda criminalmente. No entanto, conforme decisão do STJ, nos casos em que há provas de lesão corporal, o autor será responsabilizado mesmo sem queixa da vítima.

Após a conclusão do inquérito policial, a delegacia encaminha o caso para o Judiciário, que dará andamento ao processo.


Elisandra foi vítima de violência doméstica
Foto: Mateus Bruxel, Agência RBS

Coragem para enfrentar o medo

Uma mulher de 34 anos, faz parte das estatísticas. Não só das negativas, por já ter sido vítima de violência doméstica. Mas também das que confirmam a impressão da delegada Laura sobre o aumento do número de registros. Agredida inúmeras vezes pelo ex-marido, ao longo de 15 anos de casamento, ela teve coragem de pedir a separação e denunciá-lo à polícia. Isto, depois que ele tentou matá-la a facadas.

- Tentei tirá-lo de casa, e ele me agrediu na frente dos meus filhos. Depois que consegui, parecia que finalmente ele tinha aceitado. Mas, um dia, apareceu e me esfaqueou várias vezes na barriga, no rosto e no pescoço - conta Elisandra, que carrega as cicatrizes no corpo e, especialmente, na alma.

O ex-marido está preso, mas os seus seis filhos, levados para um abrigo no dia da tentativa de homicídio, não voltaram para ela. Tudo porque, para deixar as lembranças para trás - e a família do ex que vive na vizinhança -, vendeu a casa onde morava e mudou-se para outro bairro. Os cortes de faca na mão direita a deixaram praticamente inutilizada. Com isso, o trabalho de doméstica ficou comprometido. Desempregada, não tem condições de mobiliar a casa onde mora. Faltam camas e colchões para as crianças. O fogão não funciona, e a geladeira, precariamente. Ou seja, não pode atender as exigências do serviço social para que as crianças voltem a viver com ela.

Elisandra não se arrepende de ter sido corajosa e enfrentado seu agressor.

- Ele bebia e usava drogas. Me prendia em casa, me batia, não me deixava conversar com ninguém. Não era amor, era obsessão. Eu estava protegendo não só a mim, mas aos meus filhos. Foi a coisa certa a fazer. Agora, só quero ter meus filhos de volta para recomeçar minha vida - ressalta.


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