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Caso Bernardo

"Não estávamos tratando com um pai 'infrator'", diz promotora sobre Leandro Boldrini

Dinamárcia Maciel de Oliveira atuou no procedimento aberto pelo Ministério Público para apurar a situação de risco a que o menino estava submetido

27/09/2014 - 13h04min

Atualizada em: 27/09/2014 - 13h04min


A promotora Dinamárcia Maciel de Oliveira atuou no procedimento aberto pelo Ministério Público para apurar a situação de risco a que Bernardo Uglione Boldrini estava submetido na família. Ingressou com ação pedindo a troca da guarda do menino, e trabalhou no caso depois dele ser morto, sendo autora da denúncia contra os suspeitos do crime.

A promotora aceitou responder as perguntas de Zero Hora por escrito:

Um relatório do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), datado de 3 de dezembro, informa que órgãos da rede de proteção começaram a apurar o caso de Bernardo em julho de 2013. Mas o MP só recebeu informações em meados de novembro. A senhora sabe o que ocorreu nesse espaço de tempo?
Até 30 de julho de 2013 eu me encontrava trabalhando na Promotoria de Justiça de Esteio, como titular da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude. Após, estive em "período de trânsito", para assumir, então, em meados de agosto, as atribuições em Três Passos. Desconheço, por isso, qualquer providência ou encaminhamento adotado em momento anterior à minha chegada à referida Comarca. Reafirmo que tomei ciência de problema de abandono (negligência), envolvendo o pré-adolescente Bernardo Uglione Boldrini, ao final de uma reunião com integrantes da Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente de Três Passos, em meados de novembro de 2013, e de modo verbal.

As falhas na rede de proteção que não salvou Bernardo Boldrini

Que apurações a senhora determinou, e para quem, quando foi informada em reunião, em novembro de 2013, de que Bernardo estava com problemas? Quem deveria apurar o quê?
Manifestei à assistente social do Creas e ao conselheiro tutelar que o Ministério Público iria intervir no caso, para assegurar os direitos de Bernardo, e solicitei que me encaminhassem os relatórios das informações recolhidas anteriormente, assim como atualizassem as mesmas, em novo contato com os professores do Colégio Ipiranga, e pessoas amigas, além da avaliação deste por psicólogo da equipe. E, finalmente, para que, também, localizassem algum parente do ramo materno do menino (avós ou tios, por exemplo), capaz de assumir a guarda dele, caso isso fosse necessário.

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O Conselho Tutelar e o advogado Marlon Taborda, representante da avó materna de Bernardo, enviaram ao MP informação da tentativa de asfixia do menino. Por que essa informação não foi investigada por meio de depoimentos dos supostos envolvidos, como a ex-babá, a madrasta e o próprio Bernardo?
Não há, nos autos aludidos, qualquer informação oriunda do Conselho Tutelar de Três Passos informando qualquer ato de violência física contra Bernardo Uglione Boldrini, muito menos a aludida notícia de "tentativa de asfixia". Esta notícia somente foi apresentada pelo (hoje identificado perfeitamente como tal) advogado de Jussara Uglione, em um texto de e-mail remetido ao Ministério Público. A razão da babá não ter sido ouvida foi porque a Sra. Elaine não era uma testemunha presencial, não trabalhava mais na casa da família havia vários anos. A opção foi por ouvir Bernardo, suposta vítima do fato, o qual foi avaliado por psicóloga e ouvido, ao total, em razão dos fatos sob apuração, quatro vezes (Nota da Redação: não existe nenhum registro em relatórios de órgãos de proteção de que Bernardo tenha sido questionado especificamente sobre a suspeita de asfixia. Depois que surgiu essa notícia, Bernardo conversou informalmente com o juiz e com a promotora, e esteve em audiência com o pai, mas o assunto não foi tratado). A madrasta, por sua vez, caso a avaliação do pré-adolescente revelasse ter sido ele vítima de violência física (o que não ocorreu), seria a última pessoa a ser ouvida (evidentemente, como melhor técnica investigativa), e tal somente ocorreria após Bernardo estar devidamente protegido, afastado provisoriamente do núcleo familiar.

Quando o MP ingressou com ação protetiva, em 31 de janeiro, além da troca da guarda do Bernardo, fez uma série de outros pedidos, como: o menino e o núcleo familiar serem submetidos à avaliação psicológica, que fosse feito estudo social do caso e feita a produção de outras provas. O que ocorreu com os pedidos?
Como é possível perceber no exame dos autos, os pedidos em referência não foram analisados pelo Juízo, nem no despacho inicial, nem na audiência, nem em momento posterior.

Por que o MP não recorreu?
Porque na própria audiência de fevereiro de 2014 foi marcada uma nova, em 90 dias, para avaliar a situação definida no primeiro encontro.

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Tanto a promotora como o juiz temiam que o menino sofresse alguma pressão antes da realização da audiência de conciliação. Por conta disso, o pai só foi notificado no próprio dia da audiência. Depois da audiência, não houve a preocupação com o que o menino poderia sofrer em casa? É comum uma criança, que está com problemas sérios em casa, sair de audiência sob os cuidados do suposto infrator (o pai) e não ter nehum acompanhamento posterior?
Primeiramente, não vamos tratar aqui do que é "comum", porque o "Caso Bernardo" não tem precedentes conhecidos - daí uma das principais fontes da grande repercussão e da indignação popular. A crueldade, a premeditação e os ardis empregados no cometimento desse homicídio hediondo contra um menino de 11 anos, e por parte de seu núcleo familiar, pessoas instruídas e com perfeito entendimento da realidade, não têm comparativo com outras situações antes atendidas, por mim, em 15 anos de serviços à Instituição. Outro ponto que merece ser destacado a propósito da pergunta, é que o enfoque da indagação esta construído, aparentemente, a partir do que se sabe hoje, depois do homicídio ocorrido, sobre o perfil de Leandro Boldrini. Na audiência, é importante destacar isso, mais uma vez: não estávamos tratando (até onde se sabia e nos era possível saber), com um pai "infrator"; longe disso. O pai que ali estava, em audiência, era um cidadão sem maus antecedentes, com atividade conhecida na cidade (e elogiada, em depoimento ao Ministério Público, até por Jussara Uglione) e sob o qual pesava, "apenas" (não acho que isso seja pouco, tanto que ajuizei a ação), a notícia de ser negligente com o filho, isto é, não havia notícia de violência contra Bernardo, já que a única menção (da babá), não se confirmou nas entrevistas do menino. O receio sobre o momento anterior à audiência, por parte desta Promotora de Justiça, não dizia com atos de violência física contra Bernardo, mas com repreensões verbais ou apelos emocionais que pudessem comprometer a postura de Bernardo, no momento da audiência, fazendo-o negar o todo antes afirmado ao Juiz e à Promotora, sobre a situação de abandono em que se encontrava. Ao final da audiência, o pai foi advertido pelo Juiz de Direito, para que não repreendesse Bernardo por haver procurado seus direitos, e ao menino foi dito que, tal como já o fizera antes, se algo lhe parecesse ruim após a audiência, que procurasse a Promotoria de Justiça ou o Juiz de Direito, nos locais já conhecidos ou mesmo na rua, se assim os encontrasse, para noticiar - e, assim, o estágio de convivência acordado seria prontamente interrompido. Derradeiramente, os pedidos de acompanhamento, todos esses feitos expressamente pelo Ministério Público, pendentes de deliberação, conforme se esperava, seriam analisados após - em gabinete, como tantas vezes ocorre.

Por que não há depoimento escrito de Bernardo? Isso é comum?
Haveria um depoimento gravado de Bernardo se o menino não estivesse concorde, de pronto, com o pedido de oportunidade de restabelecimento do vínculo, apresentado pelo pai, em conciliação. Depoimento escrito, no caso, não haveria - as avaliações, pareceres ou laudos vêm por escrito; Os depoimentos, atualmente, são colhidos no Poder Judiciário mediante gravação de imagem e áudio.

O fato inusitado de uma criança procurar o fórum sozinha não seria por si só um indicativo do quão grave era o caso, de que a situação merecia investigação mais aprofundada? Por quê?
A postura de Bernardo, ao procurar, sozinho, atendimento no Fórum local, foi determinante para que esta Promotora de Justiça deliberasse pela necessidade de ajuizar, de pronto, uma Ação Protetiva em favor do menino, para fazer cessar a situação de vulnerabilidade à qual estava exposto. Afinal: havia uma criança, órfã de mãe, que buscava, solitária, outra família, noticiando-nos atos de abandono e exclusão por parte do pai e da madrasta, e estava comprovadamente sem acompanhamento psicológico há algum tempo; havia um pai que não recebera bem a intervenção da Rede de Proteção, apesar de ser notoriamente omisso no atendimento às necessidades mais básicas do filho (vestuário, alimentação e cuidados pessoais de higiene), com uma postura que o excluía da (nova) família, numa incompreendida negligência afetiva; havia uma madrasta intolerante (até então, como tantas outras já vistas em atendimentos a conflitos intrafamiliares), que ofendia Bernardo, com palavras, constantemente, aumentando a tensão no núcleo familiar. O caso recomendava pronta intervenção, e perante o Poder Judiciário, único órgão do Sistema de Justiça com poder para autorizar a colocação da criança em família extensa ou substituta, provisoriamente, até que as razões desses comportamentos fossem efetivamente esclarecidas.

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Promotora Dinamárcia Maciel de Oliveira

Como teria ocorrido o crime:


* Zero Hora


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