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Mil mortes

Trágico recorde: Região Metropolitana chega aos mil homicídios

Marca chegou quase dois meses antes dos anos anteriores

30/09/2014 - 07h26min

Atualizada em: 30/09/2014 - 07h26min


Omar Freitas / Agencia RBS

Este é o mais violento dos últimos quatro anos na Região Metropolitana. No domingo, mais um dado corroborou a essa triste constatação. Desde o começo de 2014, conforme o levantamento do Diário Gaúcho, mil pessoas já foram assassinadas na região. Desde que o levantamento foi iniciado, em 2011, jamais a marca havia sido atingida antes de novembro. Em relação ao mesmo período de 2013, houve um aumento de 18,4% nos assassinatos neste mesmo período do ano.

As autoridades atribuem a maior parte dos crimes a confrontos do tráfico. Porém, há um "efeito colateral" nessa estatística. Pelo menos um terço das vítimas, não tinham antecedentes criminais. O DG conta histórias de antigos moradores que viram a comunidade ser tomada pelo crime e, tentando contrariar essa rotina, acabaram mortos.

Morto por fazer o que é certo

Voltar a morar no Bairro Passo das Pedras, na Zona Norte da Capital, era como reencontrar a infância para o policial militar aposentado Luis Carlos Gregório. Aos 58 anos, em julho ele saiu de Guaíba e foi morar sozinho em uma casa no fundo de um terreno da Avenida 10 de Maio. Um mês depois, apareceu morto e enterrado no Parque Chico Mendes, Bairro Mario Quintana.  O inquérito ainda é apurado pela polícia, sem suspeitos, mas a motivação é conhecida: Luis Carlos foi morto como represália de traficantes.

É isso que ainda deixa perplexa a cozinheira de 31 anos, filha do policial aposentado, que prefere não ser identificada.

- Como pode alguém ser morto porque, de algum jeito, cumpriu o seu dever de cidadão? - questiona.

Cerca de uma semana antes de ser morto, Luis Carlos não teve dúvida sobre o que fazer quando encontrou uma mochila carregada de drogas e armas jogada no pátio da sua casa. Entregou tudo no posto mais próximo do 20º BPM. Era o que o dever de quem foi policial militar ativo até 1995 - quando foi aposentado por um problema médico na perna - mandaria fazer. Segundo a filha, no entanto, ninguém na polícia teria alertado ao PM aposentado sobre o risco que corria com tal atitude naquele bairro.

- Acho que ele foi pego desprevenido, porque era um cara brincalhão, que sempre se deu bem com tudo que era vizinho - acredita a cozinheira.

O corpo de Luis Carlos foi encontrado no dia 11 de agosto, uma segunda-feira após o Dia dos Pais. Na véspera, a filha ainda tentou ligar para o celular do pai para homenageá-lo, mas ele não atendeu. Não se preocupou, já que uns dias antes o pai havia inclusive dormido na casa dela. Ela não sabia que na quinta-feira, dia 7, uma tia do policial aposentado que morava próximo a ele havia registrado o seu desaparecimento. Segundo a apuração da 3ª DHPP, criminosos teriam invadido a casa do policial aposentado e o arrancado de lá.

Foi só quando os policiais ligaram que a filha teve noção sobre até que ponto a violência dos traficantes locais poderia chegar. O pai havia sido encontrado morto com três tiros na cabeça antes de ter o corpo enterrado.

Segundo ela, desde que voltou ao Passo das Pedras, Luis Carlos estava lidando com um terreno estranho. Bem diferente daquele que viveu quando criança.

- Ele vivia dizendo que não era mais a mesma coisa, que agora estava cheio de marginal nas ruas. Mas a gente nunca imagina que alguma coisa de ruim vai acontecer. Ele estava até construindo uma casinha nova no terreno - diz a filha.

Conforme o levantamento do Diário Gaúcho, desde o começo do ano pelo menos seis pessoas foram mortas no bairro. Em apenas um caso as disputas entre criminosos, ou a relação com o tráfico, não era o pano de fundo do crime.

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Canoas controlada, Vale do Sinos em explosão

No universo das 10 cidades mais violentas da Região Metropolitana, de acordo com o levantamento de assassinatos do Diário Gaúcho, apenas Canoas contraria a tendência de alta nos homicídios este ano. Na cidade, 84 pessoas foram mortas desde o começo de 2014, um índice 7,6% inferior ao que era registrado no mesmo período do ano passado. Para o delegado Marco Guns, este é o primeiro passo, de estabilização dos crimes, do trabalho feito pela Delegacia de Homicídios da cidade.

Desde o começo do ano, a especializada tem feito ações conjuntas de combate ao tráfico e aos homicídios. E isso já rendeu pelo menos três grandes apreensões de drogas.Por outro lado, no Vale do Sinos está a maior explosão dos assassinatos no ano. São Leopoldo e Sapiranga registram mais do que o dobro de homicídios que era observado no final de setembro do ano passado. E, em Novo Hamburgo, a alta é de 20%. Enquanto em São Leopoldo há conflito abertos pelo domínio de pontos de tráfico antes dominados pela facção dos Manos, em Sapiranga o que acontece, de acordo com o delegado Ernesto Clasen, é um respingo disso.
 
- A questão das drogas, inevitavelmente, chegou ao nosso município. Boa parte dos crimes estão diretamente ligados às dinâmicas das quadrilhas que atuam em Novo Hamburgo e São Leopoldo - acredita.

Segundo ele, pelo menos 12 dos 18 homicídios registrados na cidade este ano já estão solucionados.

Discutiu com traficantes e pagou com a vida

Nem os mais de 40 anos como morador da região conhecida como Buraco Quente, na Vila Cruzeiro, Bairro Santa Tereza, foram suficientes para poupar a vida do aposentado José Derci Rodrigues, 66 anos, da violência dos traficantes que recentemente dividiram a região em territórios dominados por eles. Inconformado com o domínio imposto pelos bandidos, no começo de agosto o aposentado se desentendeu com um dos chefões da vila. E pagou com a vida.

No dia 13 de agosto, a casa onde ele criava duas netas, na Rua Dona Zaida, foi invadida e José Derci foi executado a tiros. Os bandidos, cientes do silêncio da vizinhança, saíram caminhando dali. O motivo da discussão do idoso com a quadrilha ainda é investigado pela polícia. E pelo menos um suspeito de ser mandante do crime já está preso.

Ainda assim, nem mesmo os familiares do aposentado se arriscam a falar sobre o caso. É que os soldados da quadrilha, em guerra com os Bala de Goma, continuam circulando e impondo o terror entre as ruas Dona Zaida, Rio Branco e São Cristiano.

Uma das primeiras famílias a chegar na região, ainda nos anos 1970, José Derci e os irmãos são reféns dessa geografia forçada pelas armas e drogas. Quem mora em uma rua, não pode circular por outra, sob pena de ser encarada como "dedo-duro".

- Já fazia bastante tempo que eu não via ele, porque eu não posso ir lá na Dona Zaida. Cada vez que escuto uma sirene ou uma correria para aquele lado, ainda me apavoro, mas vamos fazer o que? O melhor é ficar quieto - conta uma familiar do aposentado, que prefere não ser identificada.

Mesmo depois da morte do idoso, os traficantes continuaram fazendo questão de mostrar quem manda no local. A casa onde José Derci foi morto já foi invadida por eles duas vezes. Nos dois casos, a Brigada Militar conseguiu expulsá-los. Mas quem vai ter coragem de morar ali depois disso?

Ao contrário, enquanto a polícia contabiliza pelo menos 11 mortes relacionadas ao tráfico em apenas um ano nos arredores do Buraco Quente, quase diariamente são vistos os caminhões de mudança saindo dali com moradores em absoluto silêncio.


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