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Um mês e meio sem mortes na Restinga

Bairro mais violento da Capital no primeiro semestre, vive momento de calmaria. Desde o final de julho, não acontecem assassinatos na Restinga, para alegria de quem aposta na retirada da gurizada no caminho das gangues e do tráfico

13/09/2014 - 07h08min

Atualizada em: 13/09/2014 - 07h08min


Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Brigada Militar monitora áreas de conflito


Eram sorridentes e empolgados os rostos de cada um dos 160 meninos do Bairro Restinga que pisaram o gramado do campo de treinamento das categorias de base do Grêmio, no Bairro Cristal. Vindos de projetos voluntários de futebol espalhados por quase todas as vilas da Tinga, eles realizam algo considerado quase impossível nos últimos anos na região: convivem pacificamente. Um exemplo que tem ajudado, há 45 dias, a garantir paz na comunidade. Desde o assassinato de Tiago Teixeira Paixão, 36 anos, no dia 27 de julho, não aconteceram mais homicídios no bairro que, até então, era o mais violento da Capital.
Até aquele dia, 31 pessoas foram assassinadas no bairro, que é um dos territórios da paz. Foi período de sete meses mais violento desde a criação do programa, em 2011.

Rotina que segue

Nos dias que se seguiram, a perspectiva era das piores. Houve toque de recolher na Restinga Velha, com posto de saúde e escolas fechados. Todos temiam a represália da gangue dos Marianos contra os algozes de Tiago, supostamente da gangue dos Miltons. No entanto, o que se viu foi o contrário.
- Se a gente deixa de fazer as coisas e se tranca em casa por causa da violência, significa que nós perdemos. Eu prefiro ir lá e mudar tudo isso - desabafa Luiz Carlos Vieira Farias, o Seu Farias, 71 anos, como é conhecido no bairro o criador do Monte Castelo - um dos times que hoje atende 80 crianças de sete a 16 anos.
Mesmo com as ameaças dos traficantes, ele não deixou de lado a rotina que mantém desde 1999. Continuou reunindo a gurizada no campo do Pampa e, quando necessário, até convenceu alguns "perdidos", como ele chama, a voltarem para o futebol.

Calmaria não é novidade

Para o comandante do 21º BPM, tenente-coronel Oto Amorim, trabalhos como o de Seu Farias são tão ou mais importantes do que as ações de segurança para conseguir uma paz duradoura. Tanto é que os treinos nos campos da dupla Gre-Nal - terça a visita foi ao Inter - foram resultado de uma parceria com a Brigada Militar.
No bairro, as calmarias não são exatamente novidade. Entre fevereiro e abril do ano passado, foram dois meses sem homicídios. No começo de 2012, houve dois meses de calmaria. Mas todos sabem que conflitos entre gangues do tráfico podem estourar a qualquer momento.
- A Restinga é imprevisível. Assim como estão calmos agora, de uma hora para outra podem voltar a guerrear - diz Nero Moraes, 36 anos, morador da Restinga Velha.
 
Câmeras botam medo em bandidos

Desde a semana em que o toque de recolher assustou a Restinga, um ônibus DA Brigada, com uma central de monitoramento por câmeras foi estacionado na Rua Belize. Dali, PMs controlam imagens captadas por 14 câmeras. Mas não cobrem todo o bairro. Aí, segundo o tenente-coronel Oto Amorim, quem garante a calmaria é a combinação do serviço de inteligência e a parceria com a Polícia Civil. Assim como as constantes abordagens.
O Território da Paz ganhou reforço do Batalhão de Operações Especiais (Boe) que, pelo menos duas vezes por semana, faz abordagens no bairro.
- Esse reforço nos possibilita empregar melhor o efetivo do batalhão, especificamente em locais onde há tiroteios ou confrontos - explica o tenente-coronel Oto Amorim.
De acordo com ele, a cada registro de tiroteio, é montada uma ação de policiamento reforçado na região. O resultado prático é visto nas 130 armas apreendidas na Restinga até o final de agosto _ em todo o ano passado, foram 204 armas - e na captura de 39 foragidos. Desde o começo do ano, mais de 300 pessoas já foram presas em flagrante na região. 
Cabeças das gangues estão presos

Golpes nos bandos
 
Pelo menos quatro fortes grupos criminosos da Restinga sofreram duros golpes nos últimos meses. Para a polícia, essa pode ser a principal explicação para a atual calmaria. As gangues do Carro Velho, dos Miltons, dos Primeira e dos Marianos tiveram seus líderes derrubados em prisões ou em confrontos entre eles.
No último mês, por exemplo, um dos principais focos do 21º BPM foi o desarmamento dos Miltons - considerado um dos braços dos Bala na Cara na Restinga -, com atuação na Restinga Velha. A gangue teria rivalidades em praticamente todas as outras áreas do bairro.
Por outro lado, começaram a resultar em prisões os inquéritos de homicídios instaurados desde o início do ano passado, pela 4ª DHPP. Um exemplo é a captura da liderança da gangue dos Primeira - considerada extremamente violenta. No começo de agosto, Maninho, apontado pelos investigadores como o último líder do grupo ainda nas ruas, foi preso. Toró, considerado o principal cabeça do bando, morreu em confronto com traficantes rivais.

Mapa das gangues

Em 2013, o Diário Gaúcho mapeou pelo menos 17 gangues com atuação e confrontos na Restinga. No começo deste ano, quando foi registrada uma explosão nos homicídios do bairro, havia pelo menos seis áreas de forte conflito pelo domínio de pontos de tráfico.


O medo continua

A Brigada Militar garante que, desde a intensificação do policiamento, no começo de agosto, os tiroteios na Restinga diminuíram. Mas essa não é a impressão de todos os moradores.
- Eu sigo vivendo com medo. Só saio de casa duas vezes por semana, mas sempre com muito cuidado - diz Camila Souza, 26 anos.
Da sua casa, nas proximidades da Estrada do Barro Vermelho, ela garante que os confrontos continuam. O jeito é criar a filha de seis anos só dentro do pátio. E só passear com a outra filha, recém-nascida, depois de se certificar de que tudo está seguro.
- Hoje é difícil até escolher uma escola para as minhas filhas que esteja livre dos traficantes - lamenta.
Camila foi criada na Restinga e, nos últimos anos, não carrega boas recordações. Boa parte dos seus colegas de escola está morta ou envolvida no crime.
- Espero que esse Território da Paz um dia mude a Restinga, porque durante muitos anos eu acho que as autoridades desistiram do nosso bairro. Deixaram que os filhos de bandidos também virassem bandidos. E deu nisso - desabafa.


Mortes na Restinga (até 12 de setembro)
2011 - 35 assassinatos (antes da criação do Território da Paz)
2012 - 19 assassinatos
2013 - 23 assassinatos
2014 - 31 assassinatos
 
Períodos de calmaria:
62 dias entre janeiro e março de 2012
50 dias entre julho e setembro de 2012
60 dias entre fevereiro e abril de 2013
 
Mortes nos Territórios da Paz em 2014
Rubem Berta - 35 assassinatos
Restinga - 31 assassinatos
Santa Tereza - 31 assassinatos
Lomba do Pinheiro - 14 assassinatos
 

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