Polícia



Marcados para morrer

Inocentes são jurados de morte pelos traficantes

Ameaçados por traficantes, cidadãos comuns e suas famílias precisam deixar suas casas e, até, trocar de cidade. O DG conta a história de três pessoas "juradas" pelo tráfico.

24/10/2014 - 09h31min

Atualizada em: 24/10/2014 - 09h31min


Eduardo Torres / Diário Gaúcho
Pedreiro deixou tudo para trás em Alvorada

Um dos homens que invadiu a casa da Rua Evaldo Scheid, no Bairro Roselândia, em Novo Hamburgo, na noite de 8 de outubro, gritou:

- Tu nos "caguetou".

Era a sentença de morte para a cuidadora de idosos Marilene Teixeira, 37 anos. Dois homens a mataram a tiros na frente das suas duas filhas pequenas, de dez e 11 anos.

Dois dias antes, ela havia ligado para a Brigada Militar, se queixando de som alto em uma casa. Os PMs descobriram que era uma boca de fumo e prenderam dois homens. Horas depois, eles foram soltos. E fazendo ameaças.

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- Para os criminosos, a Marilene havia sido a autora da denúncia. Decidiram puni-la - disse o titular da Delegacia de Homicídios de Novo Hamburgo, delegado Enizaldo Plentz.

Homem não obedeceu

Só de ouvir essa história, um instalador de 49 anos gela. Há três meses, desde que o filho de 21 anos foi morto por traficantes na Vila Amizade, Bairro Belém Novo, na Capital, ele também está marcado para morrer.

Um pedreiro de 32 anos, de Alvorada, também está fugindo de traficantes. Além de não poder sequer voltar para casa e retirar seus pertences, teve a mulher, grávida, ferida em uma emboscada.

Em comum, as pessoas marcadas para morrer têm o fato de terem contrariado quadrilhas que dominam o tráfico em suas comunidades.

Para o delegado Enizaldo, a impunidade e o descontrole sobre os criminosos atrás das grades são os principais aliados desse tipo de crime. Nos três casos citados pela reportagem, os criminosos já estão identificados. Porém, nenhum está preso.

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Traficantes não desistem

A vingança contra o pedreiro de Alvorada e sua família começou quando um traficante do Bairro Jardim Aparecida, insatisfeito com o fim do namoro com a cunhada do pedreiro, passou a ameaçá-la, e também à mulher dele.

- Fomos atrás dele e demos uma surra mesmo. Hoje eu vejo que foi um erro - lamenta o pedreiro.

Jurado de morte, está escondido em outra cidade. Não consegue sequer ver a mulher, grávida de cinco meses.

Há duas semanas, quando o casal voltava da igreja com os dois filhos pequenos, foi alvejado por traficantes. Ela foi baleada no peito. Segue internada no hospital, mas o local estaria sendo vigiado pelos criminosos.

- Graças a Deus, ela está se recuperando e está tudo bem com o bebê, mas não temos nem como nos ver - diz o pedreiro.

Fuga do bairro foi a solução

O instalador de Belém Novo também deu um "passo em falso":

- Logo que o meu filho morreu, ameaçaram atirar em mim e no meu outro filho no enterro. Então, agi de cabeça quente - diz o homem.

Ele comprou um revólver, mas nem chegou ao velório do filho. Foi preso pela BM na saía da Vila Amizade. Passou uma noite no Presídio Central e, na saída, pichou muros da vila denunciando os assassinos. Era a sua sentença de morte.

Dois dias depois, fugiu do bairro, mas os traficantes descobriram onde ele estava morando e o emboscaram. Foi baleado duas vezes no peito, mas escapou.

As autoridades o aconselharam a procurar o Programa de Proteção a Testemunha (Protege).

- Não tem como. Aí eu paro de trabalhar? Quem paga minhas dívidas? - diz.

Entre a proteção e a impunidade

A única medida de proteção eficaz oferecida pelo Estado a quem está "jurado" é o Protege. O problema, no entanto, são as restrições que o programa exige para que alguém seja incluído.

- Poucas pessoas estão dispostas a abrir mão da vida que levam. Casos de ameaças são cada vez mais frequentes, mas a procura pelo Protege não aumentou - diz a promotora criminal Lúcia Callegari, representante do Ministério Público no colegiado do Protege.

Segundo ela, além das exigências, muitas vezes as pessoas não buscam o programa por falta de informação. O diretor de investigações do Departamento de Homicídios, delegado Cristiano Reschke, reforça a necessidade de que os ameaçados procurem a polícia.

- Muitas vezes, essa denúncia pode levar à prisão dos suspeitos por interferência no processo - aponta.

Para o delegado, a demora na condenação é diretamente responsável pela violência e pelos "juramentos" de morte. Até hoje, menos de dez casos solucionados pelas delegacias de homicídios da Capital, criadas no começo de 2013, foram julgados.

O que é o Protege

- O Programa de Proteção a Testemunhas (Protege) foi criado há 14 anos como
forma do Estado proteger testemunhas ou vítimas sob ameaça de criminosos durante
o andamento de processos.

- Atende atualmente 35 pessoas. Para entrar no programa, a pessoa tem que ter seu nome aprovado, conforme os critérios de importância do seu depoimento e risco
à sua segurança.

- As testemunhas e suas famílias precisam abrir mão de toda a sua vida comunitária. São retiradas da região e inseridas em outro ambiente pela Secretaria da Justiça e Direitos Humanos.

- A secretaria garante que uma equipe multidisciplinar fica empenhada na reinserção social dessas pessoas no local onde são mandadas. Mas não há qualquer garantia, por exemplo, de conseguir emprego.

- Uma vez no Protege, os dados da pessoa tornam-se sigilosos.

- O governo não revela o orçamento do Protege atualmente. O valor varia a cada ano.

Onde mora o medo

Ameaças de morte contra cidadãos inocentes estão diretamente relacionadas aos
conflitos do tráfico na Região Metropolitana.

- Hoje, é quase impossível dissociar assassinatos do tráfico de drogas.
Infelizmente, onde os criminosos conseguem impor suas regras pela violência, temos casos de pessoas obrigadas a fugirem ou viverem escondidas - diz a promotora Lúcia Callegari.

Conforme o levantamento do Diário Gaúcho, justamente nos bairros onde se registram os maiores índices de homicídios no ano, há guerras do tráfico.

PORTO ALEGRE

Rubem Berta - O bairro líder de assassinatos em 2014. Em pelo menos três regiões,
há disputas pelo controle do tráfico.

Mario Quintana - Dois grupos das vilas Safira e Timbaúva estão em confronto.

Restinga - A região tem suas vilas divididas em territórios de gangues diferentes. Quem cruza as "fronteiras" corre risco.

Vila Nova - A Cohab Cavalhada vive uma disputa de traficantes.

Santa Tereza - A região da Vila Cruzeiro registra pelo menos três zonas conflagradas pelo tráfico.

Sarandi - Na região próxima da antiga Vila Dique, grupos disputam o domínio do tráfico.

Itu Sabará e Vila Jardim - As duas regiões vivem um conflito entre traficantes, especialmente na região do Jardim Planalto.

Bom Jesus - Berço dos Bala na Cara, contrariar as ordens da facção pode representar a morte.

VIAMÃO

- O Bairro Santa Cecília vive um confronto entre rivais do tráfico.

ALVORADA

- Os Bala na Cara brigam pelo controle dos bairros Jardim Aparecida e Umbu.

GRAVATAÍ

- O Rincão da Madalena vive sob medo, depois de uma guerra acirrada no começo do ano.

VALE DO SINOS

- Os Manos e os Bala na Cara lutam pelo domínio de bairros de Novo Hamburgo e São Leopoldo.


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