Polícia



Vítima da violência

Trabalhador é morto por bala perdida no Centro de Porto Alegre

Enterro de Leandro Barbosa Nunes, 28 anos, acontece neste sábado, às 10h, no Cemitério Jardim da Paz, em Porto Alegre. Ele morava em Gravataí e fazia entrega de salgados na Capital

04/10/2014 - 08h01min

Atualizada em: 04/10/2014 - 08h01min


Cristiane Bazilio
Cristiane Bazilio
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"Prepara o de sempre pra mim que eu já volto". O último pedido do vendedor ambulante Leandro Barbosa Nunes, 28 anos, ao vendedor de uma lanchonete na Rua Dr. Flores, no Centro da Capital, não chegou a ser atendido. Ele não voltou para pegar o prensado que costumava comer no café da manhã, entre uma entrega e outra de salgados que fazia a estabelecimentos da região. Foi morto a poucos metros dali, atingido por uma bala perdida.

O disparo partiu de um dos dois assaltantes que recém haviam atacado uma joalheria na Rua dos Andradas. Em fuga, os bandidos foram abordados por um suposto policial à paisana, e um deles reagiu com um disparo de revólver calibre 38, que acabou acertando em cheio o peito de Leandro.

Ele chegou a correr para tentar se socorrer, mas não deu tempo: morreu nos braços do pai, Marco Aurélio Pereira Nunes, 61 anos, que, desesperado, tentava conseguir ajuda para o filho.

- Ouvimos barulho de tiro e percebemos percebemos a correria. Ele disse: "pai, me acertaram". E eu falei: "não acertaram, nada, meu filho". Mas levantamos a camisa dele e vimos o sangue bem em cima do peito. Corremos pra chegar no táxi e tentar ir a um hospital, mas ele não aguentou. "Tô ruim, pai, Tô mal, me ajuda...", ele pedia. Mas não consegui. Ele caiu ali na minha frente - relatou, inconformado e entre lágrimas, Marco Aurélio.

O titular da 17 DP, Hilton Müller, que atendeu a ocorrência, diz que o suposto policial que abordou os criminosos ainda não foi identificado, mas garante que o tiro que matou Leandro partiu de um dos assaltantes e não desta terceira pessoa.

- Pode ser um policial civil, da Brigada Militar, algum ex-policial ou uma pessoa que tenha se apresentado como tal. Ainda está sendo investigado quem é. Mas, com toda a certeza, o disparo partiu do assaltante. Uma testemunha muito próxima ao fato confirmou isto - defende Hilton.

O caso está sendo investigado pela Delegacia de Roubos do Deic. O titular, Joel Wagner, afirma que imagens das câmeras de rua que flagraram o momento da fuga dos dois criminosos já estão sendo analisadas. No entanto, ainda não foi possível identificar os suspeitos.

- Ainda não temos informações a respeito da identidade dos dois. Na joalheira, ninguém conhece ou viu qualquer um deles rondando o local antes. Contamos com a colaboração da população nesse sentido - diz o delegado.


Veja as imagens do momento da fuga dos assaltantes:



 
Polícia investiga identidade de suposto policial à paisana

Era por volta de 8h20min da manhã quando dois homens bem vestidos e passando-se por clientes entraram na joalheria. Renderam uma funcionária, anunciaram o assalto e encheram duas mochilas com joias. Durante a fuga, um homem misterioso perseguiu os suspeitos e gritou: "parem, polícia!". Foi quando os bandidos atiraram e abandonaram a mercadoria, que foi devolvida à loja, possivelmente pelo mesmo suposto policial. A Corregedoria da Brigada Militar admite a possibilidade de se tratar de um PM.

- Existe, sim, essa possibilidade, mas ainda é cedo para revelar. Caso se confirme, não acarreta em nada para o policial o fato de ter investido contra os assaltantes. De farda ou não, o policial tem o dever de intervir em qualquer ocorrência policial que presenciar. O que precisa ser investigado é em que circunstâncias ele teria feito esta intervenção - explica o chefe da seção de feitos especiais da corregedoria, Major Nunes.


Parceria em casa e nos negócios


Leandro morreu com um tiro no peito

Casado com Andreia e pai de um menino, Leandro era o único filho da dona Maria e do seu Marco Aurélio. Todos moravam juntos em um sítio no Bairro Passo da Caveira, em Gravataí. A união familiar também se refletia nos negócios. A esposa o ajudava na produção das mais de 15 variedades de salgados que abasteciam lancherias da Capital, enquanto o pai dirigia a sprinter com a qual eles faziam as entregas.
A dobradinha, que percorria mais de 80km por dia no trajeto de ida e volta entre Gravataí e Porto Alegre, fez sua última viagem na madrugada desta sexta.

- Saímos de casa às 4h30min todos os dias. Ele gostava de chegar bem cedo pra entregar tudo fresquinho. Entregamos muita coisa antecipada e recebemos depois, mas, agora, nada mais tem sentido. Nem quero saber de dinheiro nenhum, não quero mais voltar naquele lugar - diz, aos prantos, seu Marco Aurélio.

Já passava do meio-dia quando a mãe e a esposa de Leandro foram informadas por parentes da tragédia que havia atingido sua família.

- Elas estão aterrorizadas. Não tem como descrever a devastação que causaram nessa família - contou Alex, primo da vítima.

O corpo de Leandro será enterrado, às 10h deste sábado, no Cemitério Jardim da Paz, em Porto Alegre.


Planos que ficaram em aberto

Mais do que a falta de um fornecedor competente, comerciantes do Centro da Capital sentirão a ausência de um amigo. É assim que clientes de Leandro referem-se a ele na Rua Dr. Flores, onde estão as principais lancherias atendidas pelo vendedor. Em uma delas, estudantes de um cursinho pré-vestibular consumiam os salgados de Leandro sem saber que quem os preparou estava a poucos metros dali, ainda estirado no chão. Com os olhos marejados, o proprietário do local, Rodrigo Pereira, 34 anos, atendia os alunos enquanto lembrava do amigo.

- Era um cara muito gente boa, trabalhador dedicado. Há dois anos, todo dia, entre 7h30min e 8h, ele estava aqui abastecendo a lancheria. Hoje (sexta) mesmo, minutos antes, tava aqui conversando comigo. Quando ouvi o tiro e vi que era ele, baixei as portas e corri pra lá, mas já era tarde. É inacreditável. É uma dor, uma tristeza... - lamentou Rodrigo.

A relação entre eles era tão próxima, que, ainda nesta semana, lembra o comerciante, Leandro e o pai o ajudaram com alguns consertos na lanchonete. O vendedor chegou a compartilhar com Rodrigo planos em família.

- Esta semana, perguntou se eu podia pagar a semana antecipado, porque estava organizando o aniversário do filho, que vai fazer 2 aninhos na semana que vem. Ele e a mulher estavam preparando a festinha para o guri - completou Rodrigo.


Cinco minutos que podiam ter feito a diferença


Inês e Wesley falaram com a vítima antes da tragédia


Na confeitaria dos Bordin, Leandro era considerado "alguém da família". Há três anos no ponto, eles conta que o vendedor foi o primeiro fornecedor do local e destacam a especialidade do cozinheiro e entregam o segredo da mão boa:

- A tortinha de limão dele é um sucesso. Vende muito. Não é pra menos, ele foi padeiro e confeiteiro - diz Inês Bordin, 53 anos.

Com as caixas de salgado entregues minutos antes por Leandro ainda no balcão, ela, o marido e o filho não contiveram as lágrimas quando viram que o amigo era a vítima do burburinho que parou o Centro da cidade.

- Estava sempre de bem com a vida, era muito inteligente e honesto. Quando mandava salgado demais, dizia "distribui para os teus funcionários" - conta Inês.

Wesley Bordin, 17 anos, lamentou o que chamou de ironia do destino:

- Todo dia, ele ficava aqui uma hora conversando. Hoje, estava com pressa. Se tivesse ficado mais cinco minutos, essa bala não tinha acertado ele.


Veja em quatro passos como tudo aconteceu:


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