Medo
Guerra do tráfico apavora Ilha do Pavão
Ameaças de toque de recolher e tiroteios fizeram Brigada ocupar região do Arquipélago
Estão desertas as ruas das ilhas do Pavão e dos Marinheiros. Diferente do clima comum entre os casebres, na tarde de sexta, não havia crianças correndo e brincando. E até a creche na Ilha dos Marinheiros estava silenciosa. Menos da metade das crianças foram mandadas para a aula pelos pais.
- A gente nem sabe dizer se deu tiroteio, ou se a coisa se acalmou nas últimas noites, porque está tudo assim como o senhor está vendo. Todo mundo "entocado" dentro de casa - disse um morador, entre as vielas da Ilha do Pavão.
Desde terça, quando um intenso tiroteio em um dos becos vitimou pelo menos um homem - dois adolescentes seguem desaparecidos -, a região é palco de uma guerra entre traficantes pelo domínio das bocas de fumo em todo o Arquipélago. Naquele local, à beira do Guaíba, praticamente todos os casebres estão abandonados.
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E quem ainda se arrisca a permanecer ali, já tem sua estratégia de sobrevivência escolhida: o silêncio. Ao menos durante o dia, na sexta, os moradores assistiam pelas janelas a uma reação. PMs das Patrulhas Especiais (Patres), do Boe, vasculharam as duas ilhas. Prenderam um jovem de 21 anos com um revólver calibre 38 e uma arma de pressão que simulava uma escopeta.
A suspeita é de que, na noite anterior, ele e outros criminosos, não encontrados pelos policiais, tenham usado o simulacro para amedrontar ainda os moradores. Anunciavam que tinham uma submetralhadora e atirariam em quem desobedecesse o "toque de recolher".
Na tarde da véspera, PMs do 9º BPM já haviam prendido outro homem, na Ilha dos Marinheiros, com munições e um colete à prova de balas.
A intenção do policiamento era impedir que se concretizassem os boatos da tarde. Pelas vielas, rolava a história de que as duas ilhas seriam invadidas por traficantes de outras regiões durante a semana. Entre quarta e quinta, teriam sido tomadas bocas nos Marinheiros. A partir de lá, os traficantes estariam tramando a invasão da Pavão depois do primeiro ataque. As duas ilhas são separadas pela ponte sobre o Canal Furado Grande.
BM vai ficar nas ilhas
Para o comandante do 9º BPM, major Francisco Vieira, não há um toque de recolher na região. Ele admite, porém, que a população está amedrontada. E avisa:
- Estamos trabalhando com levantamento de informações e contamos com o apoio da comunidade.
Na noite de quarta, bandidos armados teriam invadido a Ilha dos Marinheiros. O major garante que enviou o Pelotão de Operações Especiais ao local, mas os PMs constataram que era um alarme falso.
- Eu tenho visto que estão nos testando com informes falsos - diz o oficial.
Na sexta, ele chegou a mobilizar até mesmo um helicóptero da BM, mas nenhuma das ameaças foi confirmada. Na tarde de quinta, o posto de saúde na Ilha dos Marinheiros foi fechado mais cedo. Na creche ao lado, todas as crianças foram embora antes das 15h. Segundo a coordenação, os pais estavam com medo de possíveis tiroteios.
O mais recente temor é que os criminosos aproveitem uma dificuldade estrutural da segurança pública para concretizar o domínio dos pontos de tráfico. Eles estariam esperando pelo próximo içamento da ponte sobre o Guaíba, o que dificultaria o deslocamento de PMs de Porto Alegre até a região. A cada vez que a ponte é erguida, o acesso fica impedido entre 15 e 35 minutos.
- Se fizerem isso, vão se dar mal. Estamos mantendo policiais permanente na região das ilhas - diz o comandante.
Morte em Alvorada foi o estopim
O estopim do conflito teria acontecido a mais de 20km dali, na madrugada de terça. Dentro de uma casa do Bairro Maria Regina, em Alvorada, Alexandre da Silva, o Alemão, 40 anos, foi executado a tiros. Ao menos desde a metade da década passada, ele era considerado pela polícia o patrão do tráfico entre as quatro ilhas do Arquipélago - Pavão, Marinheiros, Flores e Pintada.
Condenado por tráfico, ele estava em liberdade condicional desde 2012. De acordo com o delegado Filipe Bringhenti, da 2ª DHPP, Alemão era investigado como mandante em pelo menos dois homicídios no Arquipélago desde o ano passado.
O crime é investigado pela Delegacia de Homicídios de Alvorada, com a suspeita de que Alemão tenha sido morto por dívidas com fornecedores. O que ainda não se sabe é se, com a sua morte, outro grupo esteja tentando invadir as ilhas, ou criminosos a mando dos fornecedores estejam fazendo uma troca de comando na região, com reforço de "soldados" de outras regiões.
Um ponto de partida para entender a guerra pode ser a prisão de um jovem de 21 anos, na manhã de sexta, na Ilha do Pavão. Morador do Bairro Rubem Berta, ele alegou aos PMs que estava na ilha para trabalhar. Foi encontrado escondido e armado em um casebre.
A sequência do medo:
* Alexandre da Silva, o Alemão, 40 anos, foi executado na madrugada de terça em Alvorada. Ele era considerado patrão das ilhas.
* Na noite de terça, um intenso tiroteio na Ilha do Pavão resultou na morte de Isaac da Silva Duarte, 24 anos. A polícia ainda apura uma possível ligação entre ele e Alemão. Outros dois adolescentes teriam desaparecido desde o tiroteio.
* Na noite de quarta, denúncias davam conta de que 20 homens fortemente armados estariam invadindo a Ilha dos Marinheiros e impondo um toque de recolher na região. A Brigada Militar foi acionada e constatou que era um alarme falso.
* Na quinta, novas ameaças de tiroteios e de toque de recolher forçaram o posto de saúde e a creche da Ilha dos Marinheiros a fecharem mais cedo.
* Na sexta, o BOE atuou durante todo o dia na região. Havia a ameaça de que criminosos invadiriam a Ilha do Pavão a partir dos Marinheiros.