Polícia



Guerra do Tráfico

Morte de traficante em Tramandaí desencadeou seis assassinatos em Porto Alegre

Desde o assassinato do traficante Alexandre Goulart Madeira, o Xandi, o Beco dos Cafunchos, no Bairro Agronomia, virou o epicentro da possível vingança dos seus aliados

29/01/2015 - 07h03min

Atualizada em: 29/01/2015 - 07h03min


Eduardo Torres / Diário Gaúcho
Série de mortes decorrentes de uma guerra do tráfico no Beco dos Cafunchos, também conhecido como Vila dos Herdeiros, no Bairro Agronomia, em Porto Alegre

Mesmo em período de férias escolares, e com o calor do verão, não há crianças correndo pelas ruas do Beco dos Cafunchos - também conhecido como Vila dos Herdeiros -, no Bairro Agronomia, Zona Leste da Capital. A cada carro diferente, ou pessoa estranha nas ruas da comunidade, os olhares de desconfiança se multiplicam. Ali, todos temem pelo próximo tiroteio.

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A comunidade com cerca de mil famílias vive, desde o começo do ano, refém de uma guerra que a maioria nem imagina o motivo. No intervalo de apenas um mês, seis pessoas foram assassinadas na localidade. A principal suspeita da polícia é de que a região virou o epicentro de um conflito de traficantes, que teve o ápice no assassinato de Alexandre Goulart Madeira, o Xandi, 35 anos, em Tramandaí, no dia 4 de janeiro. Para vingar a morte de um dos principais patrões do tráfico da Região Metropolitana, criminosos teriam iniciado uma caçada ao traficante conhecido como Tereu, suspeito de ser o patrão do tráfico no Beco dos Cafunchos e mandante do assassinato.

Pelo menos três investidas violentas, com atiradores chegando em carros e atacando a entrada do ponto de tráfico, são investigadas pela polícia. Enquanto Tereu continua escondido, os efeitos colaterais são sentidos no dia-a-dia de toda a vizinhança, como na parede de um mercado logo na entrada da Rua João Antônio Lopes, onde a massa corrida tenta cobrir as marcas de tiros deixadas na parede. Quando não são visíveis, as marcas são psicológicas.

Até carnaval corre risco

Uma mulher de 73 anos, moradora de uma casa de madeira, recorre às paredes mais firmes. Esconde-se no banheiro quando os disparos começam. Ultimamente, isso não tem sido raro. A partir das 20h, o Beco dos Cafunchos fica ainda mais silencioso. Segundo moradores, só quem circula são os capangas do tráfico. Ao estilo dos traficantes cariocas quando acuados em morros, criminosos fortemente armados guarnecem as três possíveis entradas para a vila, às margens da Represa da Lomba do Sabão, no limite entre Porto Alegre e Viamão.

Quem paga o preço são os moradores. Até mesmo o tradicional carnaval de rua, que no ano passado reuniu em torno de duas mil pessoas na Rua João Antônio Lopes, está ameaçado. Os organizadores da escola de samba Império dos Herdeiros pensam em desistir do evento.

De acordo com o chefe de investigação da 1ª DHPP, Fernando Barreto, mesmo que o vínculo da maioria das vítimas dos homicídios com o tráfico já esteja claro para a polícia, nenhum dos casos evoluiu para se chegar à autoria. A Brigada garante que mantem policiamento reforçado na região.

- Estamos com operações constantes nessa localidade, com o apoio do BOE, inclusive apreendendo armas em poder desses criminosos. Nós não reconhecemos qualquer liderança no tráfico. Se for flagrado ou tiver mandado de prisão contra quem for, vamos prender - assegura o capitão Alexsander Duarte, que responde pelo comando do 19º BPM.

Táxi só da vila para fora

A rotina insegura já fez alguns desistentes. Na última semana, pelo menos três famílias teriam ido embora, deixando as casas para trás, na Estrada Antônio José Santana. Pudera, não fossem só os tiroteios, há as restrições provocadas por eles. Nos últimos dez dias, desde que os atiradores invadiram a vila usando um táxi, a entrada desses veículos foi proibida na localidade.

Traficante teria reforço carioca

Depois de ter sido citado pela polícia como o principal suspeito de ter ordenado a morte de Xandi, em Tramandaí, Tereu teria sumido do Beco dos Cafunchos. Na comunidade, os boatos dão conta de que ele teria viajado para o Rio de Janeiro. Quando voltou, dias depois, estaria acompanhado de pelo menos quatro cariocas, supostamente, encarregados de garantirem a segurança dele e da vila contra as investidas dos inimigos.

- São caras estranhos aqui, que caminham pelas ruas olhando todos de cima abaixo e controlando todos que entram na comunidade - confirma um morador.

A informação já chegou à polícia, mas não há qualquer confirmação.

- Potencial para isso nós sabemos que ele tem. É um dos principais patrões do tráfico na Zona Leste - diz o delegado Mario Souza, do Denarc.

Investigado pelo departamento, tereu nunca foi preso por tráfico. Agentes da 21ª DP, que atuam na área, também já agiram intensivamente no Beco dos Cafunchos.

- Não consigo entender de onde vem todo esse poder alardeado ao Tereu. Quando agimos ali, encontramos pequenos pontos de tráfico sem qualquer ostentação. E ele raramente se envolve diretamente na venda da droga - afirma o delegado Marcos Machado.

Criado na região, Tereu, há pelo menos sete anos, é apontado pela polícia como o líder da quadrilha que atua ali. A suspeita é de que a atual guerra não representa necessariamente uma tentativa de tomada dos pontos de tráfico. O objetivo principal, acreditam os investigadores, seria a demonstração de poder de lado a lado.

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O estopim no baile funk

O estopim do conflito entre os dois bandos também expôs diversos inocentes, em novembro do ano passado, na Stuttgart Danceteria. Foram 16 pessoas feridos. Tiago Querubim Silveira, de acordo com os investigadores da 2ª DHPP, era ligado ao tráfico na Vila Cruzeiro e parceiro do Xandi e foi morto no tiroteio dentro da boate. Os suspeitos seriam aliados do Tereu.

- Desde então, nossa vida virou um inferno, porque todos sabiam que a vingança viria - comenta um morador dos Cafunchos.

Na semana anterior ao confronto, os dois patrões teriam se desentendido durante um show de funk na mesma casa noturna. Testemunhas afirmam que teriam trocado socos. Um jurou o outro de morte.

Conforme o delegado Paulo Perez, da DP de Tramandaí, esse elemento estaria entre os que colocam Tereu como o principal suspeito de ter ordenado o assassinato de Xandi. O delegado afirma, no entanto, que por enquanto não há elementos que comprovem isso. Ninguém foi indiciado.

Mortes na madrugada foram de graça

Na madrugada de ontem, a contagem de mortes no Beco dos Cafunchos foi aumentada com os assassinatos de José Elias da Silva Gomes, 51 anos, e Everton Jorge Paim Fittel, 37 anos. Um homem de 25 anos foi baleado e socorrido ao HPS. Outro homem conseguiu escapar sem ferimentos. De acordo com os investigadores da 1ª DHPP, no entanto, a suspeita é de que eles morreram de graça, sem nenhuma relação com os atuais conflitos na região. Os atiradores seriam da vila e, segundo o depoimento de um dos sobreviventes, teriam atacado o grupo na parada de ônibus da Avenida Bento Gonçalves, na entrada do beco.

- Teriam tentado roubar os tênis de um deles. Pode ter havido reação, então atiraram - afirma o chefe de investigação, Fernando Barreto.

Os criminosos fugiram em direção ao Beco dos Cafunchos, deixando para trás um Santana roubado.

Mapa das mortes


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