Geral



Morte de surfista

"Somos vítimas de nossas emoções", diz subcomandante-geral da PM em Santa Catarina

Coronel João Henrique Silva falou do crime contra Ricardo dos Santos e sobre a abordagem policial no Estado

24/01/2015 - 18h53min

Atualizada em: 24/01/2015 - 18h53min


Subcomandante-geral da Polícia Militar em Santa Catarina, o coronel João Henrique Silva falou à reportagem do DC sobre a morte do surfista Ricardo dos Santos, o Ricardinho, e sobre a abordagem policial no Estado. Nos últimos dias, o assunto voltou a ser discutido justamente em razão do crime contra Ricardinho. O atleta foi baleado na Guarda do Embaú, em Palhoça, por um soldado da Polícia Militar (PM) de férias.

Leia mais
::: "Defendo a ação progressiva da arma", diz especialista em segurança
::: Crime contra Ricardo dos Santos reacende debate sobre abordagem policial
::: Decretada a prisão preventiva de PM que atirou em Ricardo dos Santos
::: Reconstituição do crime que matou Ricardinho será nesta terça-feira
::: Laudo confirma que policial que atirou em Ricardinho ingeriu álcool no dia do crime
::: MP havia recomendado afastamento do policial que atirou em surfista
::: Policial projetava carreira promissora antes de se envolver na morte de Ricardinho

Confira a entrevista com o subcomandante-geral da PM em Santa Catarina:

A PM pensa em fazer um protocolo de atuação para o policial de folga?
Não procede. Todo o policial nosso tem o porte de arma. Ele se forma na escola e recebe o kit de proteção individual, a pistola, o cinto de guarnição, o colete a prova de bale, algemas.

Como é o treinamento dos policiais?
O curso mais simples nosso, que é o de soldado, o inicial, tem 1.500 horas/aulas, leva nove meses, são 47 disciplinas, mais o estágio supervisionado. Dentro das mais variadas disciplinas há matérias relacionadas a parte comportamental, direitos humanos, mediação de conflitos, uso progressivo da força, gerenciamento de crise. E essa grade curricular obedece uma grade mínima que é da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). Então é um modelo praticamente nacional na área de formação policial.

E quem administra as aulas?
Os professores são policiais militares da própria escola e civis também. Algumas matérias mais voltadas a parte de sociologia, psicologia são professores de universidade que dão aulas. Esse rapaz que aconteceu a situação (soldado Mota), além de ser PM é formado em Direito. Então o pessoal me perguntou, ah não seria uma falha na formação? Eu perguntei: qual, da universidade ou da polícia? Sendo franco e imparcial, a gente nota uma busca em querer desclassificar, em dizer que a formação é mal feita. Não é esse o caso. Esse desvio de conduta não tem nada a ver uma coisa com a outra.

Há algo a ser melhorado na formação dos policiais a partir da morte do surfista?
Essa situação é tão particular das pessoas, um desvio de conduta. Porque eles passam por um exame psicotécnico, um psicológico, são diariamente avaliados psicologicamente, fisicamente, intelectualmente. Nós somos vítimas de nossas emoções. Tenho amigos que quando eu vejo num estádio de futebol eu não acredito que é a mesma pessoa, a transformação que a pessoa tem naquele momento de emoção. Então isso é muito relativo de pessoa para pessoa.

Como avalia a abordagem feita pela PM em Santa Catarina?
A abordagem nossa é sempre um protocolo internacional inclusive. A escola não ensina nada errado. Temos um cuidado, uma cautela em se policiar para não passar nada de errado para o aluno, para ele ver o bom exemplo. Esse desvio de conduta talvez já exista dentro da pessoa e se aflora depois com o tempo como em qualquer outra profissão. A gente é vítima de nossas emoções. Vejo isso muito no trânsito. Às vezes, tu dá uma freada atrás do cara, ele já se acha no direito de abrir uma porta, sacar uma arma, enfrentar. Hoje passamos por um período na sociedade de pouca tolerância, paciência. Numa autuação de trânsito já aconteceu comigo de uma senhora me puxar o braço para dentro do carro e morder. Como isso acontece? As pessoas estão no limite. Na abordagem, o primeiro passo é a verbalização. Só que muitas vezes a verbalização, o outro lado nem tem mais como policial.

Diante do protocolo, em que ponto é permitido atirar?
O uso da arma de fogo só vai existir quando existe o risco eminente da vida de terceiros ou do policial. Fora disso você entra com a verbalização, a força física, o equipamento de defesa que é a tonfa, depois vêm as armas não-letais até a arma letal, a última ação do policial. Muitas vezes o policial é vítima porque ele espera primeiro o cara atentar contra a vida dele e acaba sendo baleado mesmo.

Como o senhor avalia o histórico de abordagens das polícias catarinenses em comparação com as outras polícias?
Se tu fores analisar as outras polícias do Brasil estamos muito na frente, tanto na formação como no atendimento, na abordagem dos delitos.

De onde surge essa constatação?
A gente vê isso nas aulas que temos de intercâmbio com outras polícias e quando a gente troca essas informações. Elas mesmo falam como nós estamos adiantados com uma formação bem acima. Não vou dizer que é a melhor polícia do Brasil porque não é, mas estamos entre as melhores com certeza.

Esse fato com a morte do surfista muda algo ou cria uma discussão na PM?
Todos nós temos de tirar um ensinamento nisso, tanto a PM como a sociedade num todo. A região tem que rever algumas posturas em grupos, não estou dizendo que é a Guarda do Embaú, mas temos visto alguns locais como "o ambiente é nosso", "o estrangeiro chegou".

::: Morre o surfista catarinense Ricardo dos Santos
::: PM que atirou em Ricardinhom alega legítima defesa
::: Tiros disparados por policial atingiram lateral e costas do surfista Ricardo dos Santos
::: "É um mau exemplo, não admitimos esse tipo de atitude", diz comandante sobre PM que atirou em Ricardinho


MAIS SOBRE

Últimas Notícias