Polícia



Números trágicos

Região Metropolitana de Porto Alegre está no ranking mundial da violência

ONG mexicana coloca a Região Metropolitana de Porto Alegre entre as 50 mais violentas do mundo. Em 2014, atingiu o recorde de 1,4 mil homicídios.

20/02/2015 - 07h04min

Atualizada em: 20/02/2015 - 07h04min




A luta de Alvorada

Fosse analisada isoladamente, a taxa de Alvorada, de 76 pessoas para cada 100 mil habitantes em 2014 - foram 156 homicídios - ocuparia a sexta colocação. Para as autoridades, os números são resultado direto de uma combinação explosiva: pobreza e expansão do tráfico. A cidade tem o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,699, o pior da Região Metropolitana.
A secretária municipal de Direitos Humanos de Alvorada, Juciane Martins, acredita que, talvez mais importante do que a repressão policial, reverter dados como esse é fundamental para diminuir a criminalidade no município.

Mortes são atribuídas a guerras do tráfico

O pequeno Kelvin Gabriel Nunes, de 11 anos, ajudava a mãe vendendo quitutes pelas ruas do Bairro Umbu, em Alvorada. Apaixonado por bichos, tinha o sonho de ser biólogo. Porém, acabou engrossando a assustadora marca de 1.442 assassinatos na Região Metropolitana em 2014.

O índice - o maior em pelo menos uma década - colocou a Região Metropolitana entre as 50 mais violentas do mundo no ano passado. Conforme a ong mexicana Segurança, Justiça e Paz, a região ocupa a 37ª posição no seu levantamento, com média de 34,65 assassinatos para cada 100 mil habitantes, três vezes mais do que o considerado aceitável pela ONU. A região é uma das novidades do ranking divulgado pela sétima vez neste começo de ano pela ong que analisa o número de mortes violentas nas cidades com mais de 300 mil habitantes. Para elaborar os dados, a organização usou números do ranking de homicídios mantido pelo Diário Gaúcho.

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Ao todo, 19 capitais ou regiões metropolitanas brasileiras estão na classificação.
Para o sociólogo Cláudio Bento, coordenador do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais, não ocorre uma explosão generalizada de assassinatos no país.

- Ao contrário, eu chamaria isso de uma implosão de homicídios. São crimes que acontecem em locais bem definidos que acumulam um longo histórico de marginalização e abandono das políticas públicas. Chamados de "zonas quentes", são áreas pobres e estão implodindo - define.

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É esse o contexto do menino Kelvin. Na manhã de 30 de março de 2014, oferecia na rua os doces e salgados feitos pela mãe. Foi executado com um tiro de espingarda calibre 12. Segundo a polícia, o guri morreu de graça. Um traficante suspeitava que ele havia "falado demais".
Para o especialista, Kelvin pode ser enquadrado como uma "vítima do meio". Segundo Cláudio, as histórias seguem uma regra geral: as vítimas são pobres, jovens e, na maioria, negros.
Na Região Metropolitana de Porto Alegre, segundo o levantamento do Diário Gaúcho, quatro em cada dez vítimas de assassinatos no ano passado tinham menos de
25 anos. Praticamente todos foram mortos em bairros periféricos. Aqui, a chance de um negro ser assassinado é 112% maior do que um branco.

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- Nós atuamos em duas frentes: garantir os direitos e oportunidades, especialmente aos jovens, e trabalhar na prevenção ao uso de drogas. Mas é uma missão de longo prazo. Precisamos nos fazer mais atraentes do que o tráfico para os mais jovens - acredita.
Por isso, os principais alvos das ações são as crianças de regiões mais pobres da cidade.

- A vida aparentemente fácil do tráfico acaba criando um ciclo perigoso. É isso que precisamos quebrar a partir dos filhos dos que já estão envolvidos na criminalidade e na droga. Eu acredito que Alvorada poderá ser diferente em dez anos - avalia.

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Estão em formação na cidade as chamadas Mulheres da Paz, um projeto também implantado em regiões de Porto Alegre para formar líderes comunitárias locais. Programas de qualificação profissional para jovens e geração de emprego também estão entre os desafios.
As escolas públicas de Alvorada passarão a trabalhar com uma cartilha de prevenção às drogas. Segundo a secretária, a ideia é conseguir falar a linguagem de quem é alvo fácil do tráfico.

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Para o diretor de investigações do Departamento de Homicídios de Porto Alegre, delegado Paulo Grillo, a Região Metropolitana vive uma crise de violência que resulta em homicídios. Para frear isso, defende o aumento do rigor pelo policiamento e pela legislação, como forma de evitar a impunidade.

- Nós verificamos que em até 90% dos casos, os homicídios acontecem por vinganças e desacertos entre criminosos, em especial relacionados ao tráfico. São crimes em regiões que vivem sob conflito de gangues - analisa.

Nas principais cidades da região há delegacias especializadas em homicídios. Desde a implantação desse modelo, os índices de resolução dos crimes aumentaram. Para que isso se reflita na diminuição da criminalidade, acredita Grillo, os processos precisam chegar ao fim.

- A punição de homicidas funciona como um exemplo. Mostra ao criminoso que ele poderá sofrer consequências - diz.

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Contra o crime, políticas sociais

Para Cláudio Bento, a reversão dos índices crescentes de homicídios depende de ações que vão muito além do policiamento.

- É preciso uma política pública comprometida em todos os aspectos para combater os homicídios, não só no que diz respeito à segurança. Em nível federal, isso nunca existiu no Brasil, e não sei se um dia existirá - afirma.

Segundo ele, ações como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que em um primeiro momento conseguiram travar a violência e o domínio de facções nas favelas do Rio de Janeiro, não podem ser encaradas como um modelo pronto.

- UPP é para o Rio de Janeiro, mas provavelmente não funcione em outros lugares - critica o sociólogo.

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A ong mexicana destaca a cidade colombiana de Medellín como um exemplo na redução de homicídios. Em 2010, ocupava a décima posição. No ano passado, caiu para 49ª. Lá, os números só diminuíram quando o Estado voltou a ocupar espaços nas regiões mais carentes.
O modelo foi inspiração para os Territórios da Paz implantados na Capital nos últimos quatro anos, projeto que não decolou. Ao se despedir do cargo, o coordenador do RS na Paz, Carlos Robério Corrêa, ressaltou que o projeto era de longo prazo e exigiria mais investimentos públicos.
A assessoria de comunicação da Secretaria de Segurança Pública não comentou o ranking divulgado pela ong mexicana, mas reforçou que a continuidade dos territórios ainda está sob análise.


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