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Grafite polêmico

Chefe do crime e benfeitor: as duas faces de Xandi

Homenagem a Alexandre Goulart Madeira em condomínio de Porto Alegre é vista pela polícia como uma apologia ao crime. Para moradores, desenho é um reconhecimento aos benefícios trazidos para a comunidade

06/03/2015 - 06h04min

Atualizada em: 06/03/2015 - 06h04min


Bruna Scirea
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Luiz Armando Vaz / Agencia RBS
Grafite de 60 m² pode ser visto de longe por quem passa pela Avenida Princesa Isabel, na Capital

Um grafite de 60 m² toma toda a lateral de um dos prédios do Condomínio Princesa Isabel, no coração de Porto Alegre. É a imagem de Alexandre Goulart Madeira, o Xandi, considerado um dos chefões do tráfico na Capital, morto aos 35 anos, no Litoral Norte, no início de janeiro.

O mural, visível de longe, está sendo investigado pelo Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc), que, na quinta-feira, ouviu a presidente da associação dos condôminos e ordenou que a pintura seja removida em até 15 dias.

Para a polícia, trata-se de uma apologia a um criminoso. Os moradores tentam provar que não. Qual face do Xandi estampa a parede: a do benfeitor da comunidade ou a do chefe do crime?


O Xandi da comunidade

Com a doação de R$ 200 para uma moradora fazer rancho no supermercado, alguns trocados para um antigo vizinho comprar um medicamento, festas para centenas de pessoas em datas comemorativas e ajuda financeira a quem precisasse, Xandi conquistou uma comunidade.

É por isso que, após ser morto, o "Padrinho" foi eternizado no grafite do condomínio, na Avenida Princesa Isabel, 199. Conforme a associação dos moradores, a arte custou R$ 10 mil e foi financiada pelos próprios moradores, com apoio de uma escola de samba da Capital (que não teve o nome revelado). 

- Pode o mundo inteiro dizer que o grafite é uma apologia ao tráfico. Mas eu não acho. Aqui, o Alexandre era uma pessoa que ajudava. E ajudava muito - rebate a presidente da associação, Eurides Terezinha Pires da Costa, 70 anos, que garante: ali, Xandi não vendia drogas.

E nem morava no condomínio de 230 apartamentos - mas visitava a avó, Dona Maria, 84 anos, pelo menos duas vezes por mês. Os dois traziam  em uma das vias internas que separam os 30 blocos, onde Xandi cumprimentava todos que passavam - e, invariavelmente, recebia pedidos de ajuda. 

- Não tem um aqui quem possa dizer que não gostava dele. Se eu precisasse de qualquer coisa, era só falar, que ele resolvia. Me dava dinheiro e dizia: "ó tia, vai e compra o que a senhora precisa" - conta Nelita Costa Carvalho, 62 anos, moradora do condomínio desde a inauguração, em 2005.

 
Xandi era considerado pela polícia como um dos chefes do tráfico na Capital
Foto: Brigada Militar/Divulgação



No Princesa Isabel, grande parte dos moradores são antigos vizinhos na extinta Vila Cabo Rocha, transferidos há 10 anos para o conjunto habitacional construído pela prefeitura. Xandi nasceu na antiga vila, e será sempre lembrado como "parte da família", diz Eurides.

- Eu o tinha como um filho. O Xandi ajudava a nossa creche (com valores que chegaram a R$ 10 mil) e colaborava com a associação na compra de alimentos para cerca de 150 pessoas, entre elas, mães solteiras. Sem contar as festas de Páscoa, São João... agora como eu vou fazer uma festa como aquelas de fim de ano? Com quatro bolos, mil pães de cachorro quente, que todo mundo comia à vontade, e o que sobrava ia para a creche e para famílias que não tinham o que comer? - questiona-se.

Ela lembra dos entregadores que chegavam na véspera, carregados de "refrigerantes de tudo que é espécie", cervejas, comidas e até brinquedos para crianças, como cama elástica. A música alta e os fogos de artifício davam o toque especial aos eventos, que contavam com uma breve passagem de Xandi, para cumprimentar os amigos.

Segundo Eurides, Xandi era dono de uma produtora, a Nível A, e estimulava a cultura da comunidade, projetando MCs, que faziam shows até em São Paulo. O "general" e o "padrinho" grafitados próximo à imagem dele, na parede do condomínio, seriam em referência a letra de um rap, feito por artistas locais em homenagem ao "caça-talentos".

A última vez que Alexandre esteve no Princesa Isabel foi em 24 de dezembro do ano passado, quando os moradores comemoravam, em festa, o Natal. 

- Parecia que ele estava se despedindo - lembra Nelita, em lágrimas.

Quando chegou ao condomínio, em 4 de janeiro deste ano, a notícia da morte de Xandi circulou como vento pelos corredores. A reação imediata da comunidade foi buscar faixas pretas que estavam na creche e pendurá-las nas entradas do condomínio, em sinal de luto. Só então, distribuídos em comboios, os moradores seguiram pela avenida Azenha até o Cemitério Santa Casa, onde dariam o derradeiro "adeus ao Padrinho".

O Xandi da ficha criminal

Nos arquivos da Polícia Civil, está registrado um Xandi bem diferente do relatado por moradores do Princesa Isabel. Buscar por Alexandre Goulart Madeira resulta em uma ficha criminal com ocorrências por tráfico de drogas, porte de entorpecentes, porte de armas e homicídios.

- Ele era, sem dúvida, um dos maiores traficantes de Porto Alegre, com uma vasta rede, que permitia a atividade direta ou indireta em várias áreas da cidade. Como base, ele tinha o Condomínio Princesa Isabel e a Vila Planetário, no bairro Santana - afirma o delegado Mário Souza, da 1ª Delegacia do Denarc, que comandou investigações que envolviam o criminoso em 2011.

No Judiciário do Estado, Xandi respondeu a 20 processos que o acusavam de crimes de trânsito a narcotráfico e dois homicídios. Apesar de ser considerado um dos chefões do tráfico em Porto Alegre, a Justiça nunca o condenou por isso - acabou absolvido em dois processos. E morreu enquanto corriam ações em que era réu por homicídio.

Segundo a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), Xandi esteve na prisão em duas ocasiões: em junho de 2006, sendo solto no mesmo dia, e em maio de 2008 - liberado menos de um mês depois. Nos dois casos, o motivo da detenção foi porte ilegal de arma. Conforme o TJ, Alexandre Goulart Madeira foi condenado somente uma vez na vida, por porte de arma. A pena, que seria de dois anos de reclusão em regime aberto, foi convertida em prestação de serviço à comunidade.


Faixa de luto foi estendida na entrada da condomínio após a morte de Xandi
Foto: Luiz Armando Vaz/Agencia RBS


Portanto, a Justiça o considerou um criminoso. Sendo assim, o grafite seria uma apologia ao crime ou a quem o comete? Para o professor de Criminologia da Unisinos e advogado criminalista, Alexandre Dargél, essa é uma discussão "relevante e complicada" no Direito Penal.

- É preciso averiguar quem pagou, qual foi o objetivo e como se deu a iniciativa. Só cabe pena judicial se eles tiveram a intenção de vangloriar um crime ou um criminoso - explica Dargél.

É isso que o Denarc investiga agora. Se confirmada a apologia do crime, a pena para o delito previsto no artigo 287 do código penal seria de detenção, de três a seis meses, ou multa. Na opinião de Dargél, no entanto, não é o caso. Conforme o especialista, o grafite denuncia a "total ausência do Estado" em áreas importantes, como saúde e educação, das quais se apropriariam, então, os "ditos criminosos". 

- Vejo como o desenho de uma pessoa com palavras que não estão relacionadas ao crime, mas ao seu lado solidário. Esse tipo de homenagem é comum nas periferias. Só causou polêmica porque apareceu na região central, onde passam pessoas que, se possível, prefeririam se esquecer de que o mundo do crime existe.

A visão do responsável pela Divisão de Investigações do Narcotráfico do Denarc, o delegado Leonel Carivali, é outra:

- Ele morreu por conta da opção de vida que escolheu. E essa homenagem, da forma como está, me parece bastante clara: não é uma homenagem ao bom vizinho, pai, marido ou filho, e sim ao "general", ao "padrinho", palavras corriqueiras no mundo do tráfico. A louvação é pelo o que ele fazia.

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A morte

Xandi morreu na tarde de um domingo, enquanto fazia churrasco em uma casa alugada a uma quadra da orla de Tramandaí. O assassinato aconteceu quando quatro homens, em um Corsa, estacionaram em frente à casa alugada pelo criminoso e dispararam rajadas de fuzil, acertando-o na cabeça. Morreu na hora. Conforme o delegado Paulo Perez, responsável pela investigação, as características da execução são típicas de um acerto de contas com gangue rival. Os autores do crime ainda não foram identificados.

 
Xandi foi morto em uma casa que havia alugado em Tramandaí, no início de janeiro
Foto: Brigada Militar/Divulgação

* Zero Hora


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