Longe da paz
Territórios da Paz, em Porto Alegre, estão abandonados
DG visitou sedes e ouviu a comunidade, que se diz amedrontada com o aumento da violência
A redução de 40% nas horas extras da Brigada Militar pode ter sido a pá de cal na esperança de coibir a violência nos Territórios da Paz. Com pouco efetivo nas ruas, a sensação dos moradores é de abandono. Foi o que o Diário Gaúcho constatou em uma blitz nos quatro bairros.
Em locais onde era comum haver pelo menos dois PMs, agora há apenas um. Nas sedes dos territórios, há apenas o plantonista. As comunidades estão amedrontadas com o aumento da violência.
A Secretaria da Segurança Pública garante que manterá o programa, implantado em 2011 com a intenção de conter o avanço da criminalidade nos bairros mais violentos da Capital - Lomba do Pinheiro, Restinga, Rubem Berta e Santa Tereza. Porém, ainda não apresentou nenhuma medida para reformular ou revitalizar o projeto.
Restinga | Foto: Diego Vara
"De noite, não se vê gente nas ruas. O bairro é muito violento. Só está mais calmo aqui, ao redor do posto da polícia. Mas é só afastar que fica feia a coisa. Na minha rua, já mataram seis pessoas."
A calma citada pela moradora da Restinga acabou menos de uma hora depois de ela conversar com a reportagem do DG. Um adolescente de 15 anos e um jovem de 19 foram mortos em um supermercado a pouco metros dali, quase ao lado da sede do território da paz ao qual ela se referia.
Momentos antes, no posto policial, a reportagem encontrou apenas uma PM plantonista e uma viatura. A comunidade teme que o posto seja fechado de vez.
- O que se escuta nas ruas é que vai acabar. O caminhão com câmeras que ficava ali já não está mais. E aí os bandidos voltam a circular tranquilamente, porque sabem que não estão mais sendo vigiados - comentou um vizinho.
Lomba do Pinheiro | Foto: Diego Vara
Na Lomba do Pinheiro, a situação é pior. Sem uma base fixa, um ônibus da BM era a sede do Território da Paz. Hoje, não há caminhão, nem PMs. A esquina na qual ficava a sede móvel é ocupada pelo tráfico.
- No lugar do caminhão, agora, estão os traficantes, que ficam ali vendendo droga a noite toda. Chega a ser um deboche - diz uma moradora.
Santa Tereza | Foto: Diego Vara
No Santa Tereza, a sensação dos moradores é a mesma: por um tempo, o projeto funcionou bem.
- A comunidade estava satisfeita. No começo, a gente via circular em torno de 30 brigadianos por dia. Mas, desde que cortaram as horas extras, dá pra dizer que reduziu em torno de 70% dos policiais nas ruas - apontou um comerciante.
O temor dos moradores é comprovado pela sede do território, quase vazia. A reportagem encontrou apenas um PM de plantão.
Rubem Berta | Foto: Diego Vara
Já no Rubem Berta, quando se pergunta pelo policiamento nas ruas, os moradores dão um sorriso de conformidade com a situação.
- Nem quando tu chama eles vêm, imagina se vão andar por aqui durante o dia... No ano passado, ainda era mais movimentado esse posto, mas, desde novembro, mais ou menos, não se vê mais nada. Fica um PM lá dentro só para fazer figuração - ironiza uma mulher. Na sede, havia um PM de plantão, mas nenhuma viatura.
"Vamos analisar a estrutura do projeto"
Segundo o atual coordenador do Programa Estadual de Segurança Pública com Cidadania (Proesci), tenente-coronel Rogério Martins Xavier, o momento é de análise dos Territórios da Paz. As ações realizadas até agora estão sendo estudadas.
Diário Gaúcho - O que está sendo feito para conter o aumento da criminalidade nos Territórios da Paz?
Rogério Xavier - Uma análise das ações adotadas, resultados e pontos que não andaram tão bem, para serem reformulados e dar um resultado, principalmente na redução dos homicídios. É um programa complexo, e o resultado é a longo prazo.
DG - Há em vista alguma ação para suprir a falta de policiamento?
Rogério - Quando foram estabelecidos os territórios, muita estrutura e um grande efetivo foram deslocados para estes locais. Em algumas localidades que não são Territórios da Paz, aumentou algum tipo de ilícito. Então, o secretário solicitou uma análise para ver se há essa necessidade ou se, a partir de uma articulação maior com outras secretarias, a polícia não precisa ter essa estrutura tão forte lá, para também fazer ação preventiva nas demais partes da cidade.
DG - Há alguma previsão de ações concretas?
Rogério - Imagino que no final do primeiro semestre deve ter alguma coisa prática, porque as secretarias estão se organizando. Não depende só da polícia, mas de questões sociais que envolvem uma serie de medidas.
DG - Como ficarão os projetos sociais nos territórios?
Rogério - Todas as secretarias vão começar a se reunir para ver como os projetos existentes foram desenvolvidos, se foi suficiente, se precisa ser intensificado, para que sejam traçados projetos futuros. Mas o que já existia continua em andamento. Em maio, devem começar novas ações sociais e intensificadas aquelas que deram certo.
É difícil sem hora extra
Conforme o major Silvio Luis Gonçalves, da assessoria de Comunicação da Brigada Militar, a redução das horas extras nos territórios atendeu aos mesmos 40% aplicados para toda a corporação.
- Não houve diminuição de efetivo, mas, como os Territórios da Paz elaboram suas escalas de trabalho com base nas horas extras, é natural que essa diminuição se reflita no policiamento nas ruas - ressaltou.
Por exemplo: se, antes, havia dois policiais por turno, possivelmente um estava operando no regime de horas extras. Portanto, com o corte, restou apenas um.
O DG CONFERIU
*À exceção do Santa Tereza, onde três PMs faziam ronda em uma viatura, nos demais não cruzamos com nenhuma viatura.
*Conforme relatos de PMs, todos os territórios estão com apenas um brigadiano por turno. Antes, eram quatro. Havia entre seis e oito viaturas por território. Hoje são, no máximo, duas. Com exceção da Lomba do Pinheiro, onde não há mais o ônibus que servia de sede, nas demais havia apenas um PM de plantão.
*Diário Gaúcho