Polícia



Histórias cruzadas

Ex-bandidos promovem encontros

Após cumprirem suas penas, regenerados reúnem-se regularmente na Região Metropolitana

27/04/2015 - 07h14min

Atualizada em: 27/04/2015 - 07h14min


Renato Dornelles / DG
Marcelo (E), inspetor Elias (C) e Lacir

Quem vê o homem simpático, grisalho, elegantemente vestindo um terno cinza, e não o conhece não imagina o seu passado. Lacir Moraes Rampos, 56 anos, é o ex-bandido Folharada, que já teve uma das fichas criminais mais recheadas do Rio Grande do Sul e condenações que, somadas, chegaram a 204 anos de prisão.

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Hoje, Lacir está regenerado e faz pregações como pastor da igreja evangélica Assembleia de Deus. Assim como ele, outros ex-criminosos seguiram o mesmo caminho e, regularmente, realizam encontros. Neste mês, foi em Triunfo, onde um deles criou uma casa para recuperação de drogados. Havia cerca de 30 no evento que reuniu também seus familiares, amigos, entre outras pessoas.

Lacir, por seu currículo e por sua recuperação, além de exemplo, é uma espécie de elo entre histórias que, em algum momento, se cruzaram. Em assaltos ou no interior de prisões. Sua vida de crimes teve início em 1978, logo após ele prestar serviço militar. Pelo furto de um automóvel, foi condenado a seis anos e meio de prisão. A partir do início do cumprimento dessa pena, no presídio de Júlio de Castilhos (339km de Porto Alegre), sua vida nunca mais foi a mesma.

- Naquela época, sofri muito com o diretor do presídio e com a guarda. Havia tortura e fui pendurado numa grade pelo pescoço. Eu assistia também a outros presos serem torturados. Era como um divertimento para os guardas. Fui me tornando uma pessoa muito revoltada - lembra ele.

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Críticas ao sistema

Convidado seguidamente para palestras para agentes penitenciários, Lacir tem muitas críticas ao sistema penitenciário.
 
- Até hoje, o que se aprende nos presídios é o crime. Os governos não investem para manter o preso ocupado. Ficam 24 horas sem fazer nada, só maquinando uma forma de se vingar.

Como ele próprio define, Lacir, enquanto Folharada, "fez clínica geral no crime".
- Assaltei bancos e joalherias, participei de sequestros e do tráfico de drogas. No Rio de Janeiro, durante um período de fugas, fiz parte do Comando Vermelho, atuando no Morro do Jacarezinho. Também fiquei na condição de procurado vivo ou morto, pois infelizmente vim a tirar a vida de dois policiais - recorda.


Igreja modificou comportamento


Entre fugas, novos crimes, recapturas, novas condenações e transferências, Folharada, com condenação total de 204 anos, passou por 28 presídios diferentes no Estado. E foi em alguns deles que sua vida começou a mudar.

- A igreja sempre entrava e nos passava uma palavra de fé, por mais que a sociedade pensasse que eu era um caso perdido. Por mais que eu mesmo me achasse um caso sem solução, a igreja sempre me levava esperança, através do Evangelho - conta.

Convertido à Assembleia de Deus, Folharada modificou o seu comportamento no sistema penitenciário, já nos anos 2000. Passou a fazer pregações e a auxiliar outros presidiários e não mais fugiu. Em uma de suas fugas, por sinal, havia conhecido sua mulher, Ana Madalena, que acabou sendo fundamental em sua virada.

- Eu tentava de todas as formas a mudança de regime do Lacir para o semiaberto, mas os muitos anos de condenação impediam - disse ela em discurso, durante pregação no evento.

Em 2008, com base em seu bom comportamento e no trabalho que ele estava realizando nos presídios, recebeu o indulto (perdão) presidencial. Antes, havia ajudado a modificar outras vidas.


Depois da prisão, união por boa causa

Uma das pessoas que cruzaram o caminho de Folharada durante o cumprimento de pena foi Marcelo Leandro Pereira de Souza, atualmente 40 anos, considerado um bandido "barra pesada" no Vale do Sinos. Eles se conheceram na Penitenciária Estadual do Jacuí (Pej), em 1998.
- Comecei na droga como usuário. Faltando recursos para a compra, migrei para o crime - conta.

Em 1994, ele foi preso e levado para o Presídio Central, onde ficou por quase quatro anos. De volta às ruas, na fuga após um assalto no Centro de Novo Hamburgo, sofreu um acidente de moto. Marcelo, que a pilotava, perdeu a perna esquerda. Seu comparsa, que estava na carona, morreu. Preso novamente, foi transferido do Central para a Pej, onde conheceu Folharada e outros evangélicos, que o ajudaram a se converter. Alguns anos depois, Marcelo voltou às ruas, beneficiado pela mudança de regime e foi morar em Triunfo.

Mesmo sem uma das pernas, Marcelo seguia visado pela polícia. Tanto que um inspetor da DP de Triunfo recebeu uma orientação especial.
- Disseram para eu ficar de olho nele, pois, mesmo com uma perna mecânica, ele seria bom na segundinha (motorista que aguarda no carro para a fuga após um assalto) - conta o inspetor de polícia Elias Teixeira Pinheiro, 48 anos.
No entanto, os dois acabaram se conhecendo e se unindo para uma boa causa. Em 2010, criaram a unidade terapêutica Casa de David para tratamento de drogados.


Ex-detento que virou empresário

Outro que cruzou o caminho de Folharada no período em que esteve preso foi o hoje ex-assaltante de bancos Volmir Belo da Silva, 40 anos. Sua área de atuação era o Vale do Sinos e esteve preso na Pej entre 1996 e 1999, por assaltos, tráfico de drogas e roubo de carros. Como Lacir e Marcelo, também se converteu à igreja Assembleia de Deus.

- Hoje, sou empresário e emprego 14 pessoas, entre as quais, ex-presidiários.
Um dos funcionários de Volmir é Vagner Silveira Moraes Rocha, 31 anos, resgatado em um momento difícil.
- Eu não tinha saída. Estava numa boca de fumo e já condenado à morte. Ele salvou minha vida quando me tirou de lá - conta Vagner.
Volmir será o responsável pela realização do encontro de maio. Desta vez, só entre ex-presidiários, nos dias 29, 30 e 31, em São Leopoldo.


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