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Declarações polêmicas

Trabalho fora de mulheres não tem relação com a violência, segundo especialistas

Frase do secretário de Segurança Pública Wantuir Jacini, que relacionava aumento de criminalidade com ausência das mães em casa, é interpretada como machista por pesquisadores de violência

20/04/2015 - 16h27min

Atualizada em: 20/04/2015 - 16h27min


Fernanda da Costa
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Rodrigo Ziebell / Governo do Estado,Divulgação
Secretário Wantuir Jacini falou sobre as ações da pasta nesta segunda-feira, em entrevista à Rádio Gaúcha

Pesquisadores que estudam criminalidade não veem qualquer relação de causa entre a saída das mulheres para o mercado de trabalho, deixando filhos em casa, e o aumento da violência na sociedade. Declaração neste sentido foi feita na manhã desta segunda-feira pelo secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Wantuir Jacini.

Em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, na manhã desta segunda-feira, o secretário afirmou que a família "é um dos problemas" do aumento da criminalidade:

- Antigamente, o pai era apenas o provedor do lar, e a mãe ficava fazendo a educação. Hoje, a mãe sai para prover o lar também, e as crianças ficam sozinhas, ficam na rua, à mercê de todos os criminosos, principalmente nas periferias e nas comunidades.

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Indagado uma responsabilização indevida das mulheres na violência, o secretário reafirmou sua visão:

- A mãe tem todo o direito de sair para trabalhar, só que a educação dos filhos tem de ficar com pessoas responsáveis. Não é atribuição da segurança pública fazer esse papel. O papel da segurança pública é cuidar da segurança criminal. A violência social é falha ou falta de outros setores, mas sempre cobram das policias - completou Jacini.

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Para o sociólogo Alex Niche Teixeira, vice-coordenador do grupo de pesquisa Violência e Cidadania da UFRGS, partir do argumento de família nuclear como "bastião da ordem" é uma falácia. Ele explica que o sentido de "família" a que o secretário se refere é um "mito" e "só diz respeito a uma parcela muito pequena da população".

- Essa análise sociológica não procede. É um olhar enviesado da conexão entre o social e a ocorrência criminal. Também é largamente machista, por partir do princípio de que o homem é o "provedor" do lar. E o papel do homem na educação dos filhos? - questiona o especialista.

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O pesquisador também afirma desconhecer estudos acadêmicos que façam relação entre o ingresso das mulheres no mercado de trabalho e o aumento da violência. Para ele, essa concepção é uma "justificativa para a inoperância" do Estado na esfera da segurança, que deve ser articulada com outras pastas do governo e não focada apenas na atuação das polícias, como definiu Jacini.

- A segurança pública envolve mais de uma ação, não apenas a da polícia. Para dar certo, a política de segurança pública tem de ser articulada em parceria com as áreas de assistência social, saúde e educação - afirma Teixeira.

Fala de secretário seria "machista", conforme professor de Ciências Criminais

O professor Rodrigo de Azevedo, integrante do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUC-RS, também relata desconhecer estudos científicos que relacionem a entrada das mulheres no mercado de trabalho com a violência. Para ele, a fala do secretário foi "uma manifestação extremamente infeliz".

- A perspectiva que o secretario aponta é inadequada e machista. Essa mudança social aconteceu há no mínimo 20 anos. A falha não é da mulher que sai de casa para trabalhar, mas do Estado que não oferece acesso à educação para as crianças.

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Focar os esforços da pasta em combater a "violência criminal" e deixar a "violência social" com outras secretarias, como indicou Jacini, também é vista como uma ação equivocada.

- Países com baixa criminalidade têm políticas de segurança pública aliadas com outras áreas. Essas políticas só dão resultado se foram integradas com assistência social, educação, e até com questões urbanas como saneamento básico - explicou Azevedo.

A não articulação das áreas é responsável por problemas como o aliciamento de crianças e adolescentes para o tráfico de drogas, conforme o professor. Em 12 anos, o número de internações de menores de 18 anos pelo crime cresceu 13 vezes em Porto Alegre.

Confira a entrevista da Rádio Gaúcha com Jacini:


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