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Instituto Crack Nem Pensar promove palestras sobre prevenção às drogas

Expositores vão falar nesta sexta-feira sobre a influência das drogas na criminalidade, no trânsito e no trabalho

25/06/2015 - 11h49min

Atualizada em: 25/06/2015 - 11h49min


Fernando Gomes / Agencia RBS
Encontro faz parte do calendário anual de eventos do Instituto para acompanhar o Dia Internacional da Luta contra o Uso e o Tráfico de Drogas

A influência das drogas nos índices de criminalidade, no número de acidentes de trânsito e na produtividade dos trabalhadores brasileiros será debatida em um painel triplo na tarde de sexta-feira, na Escola Superior de Magistratura da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris-RS). O encontro faz parte do Dia Internacional da Luta contra o Uso e o Tráfico de Drogas, designado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1987.

- É claro que um mundo sem drogas é uma utopia, mas queremos reforçar que as pessoas procurem uma vida limpa, que difundam boas práticas e divulguem o prazer da abstenção. As drogas estão, hoje, dentro de uma realidade repressiva e moralista, quando o ideal seria que houvesse uma atuação mais voltada à saúde pública, à prevenção e ao tratamento - afirma o presidente do Instituto Crack Nem Pensar, Luiz Matias Flach, que coordena o evento.

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As inscrições para assistir às palestras são gratuitas e devem ser feitas pelo site icnp.org.br. Restam poucas das 300 vagas disponibilizadas pela organização. Confira as entrevistas com os expositores do debate.

DROGAS E CRIMINALIDADE
César Faccioli, procurador de justiça do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul e secretário estadual da Justiça e dos Direitos Humanos

A luta contra as drogas no Brasil tem sido realizada de maneira repressiva. Estamos no caminho certo?

Não. A repressão é um componente insuficiente, pois trata o efeito, não a causa. E o que pode causar impacto na realidade, isto é, reduzir os índices de violência, é atacar as causas. A prevenção me parece o grande caminho, junto a uma ação policial que seja adequada e proporcional.

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Os eixos do projeto de redução da drogadição, que está sendo montado sob a coordenação da secretaria, incluem a prevenção, o tratamento de saúde, a reinserção social e a ação da polícia para desarticular quadrilhas de tráfico. Qual é o mais desafiador?

O mais importante é a prevenção, que historicamente é objeto de menores investimentos públicos. Nosso projeto trabalha a integração dos serviços de atendimento ao usuário de drogas, prevendo o fortalecimento de ações educativas na infância, acolhimento dos dependentes químicos, tratamento adequado e reinserção social. É como um "plano de carreira" para recuperar a dignidade das pessoas.

Como reduzir os crimes relacionados às drogas?

Existe uma percepção de impunidade quase aculturada no Brasil. A educação é o ponto de partida. Capacitar os educadores para conversar com as crianças e os adolescentes sobre drogas é fundamental, pois eles são os motivadores sociais nas comunidades. O projeto da secretaria trabalha com grandes círculos concêntricos: prevenção pelas famílias, depois pelas escolas e por último, vêm as atribuições do Estado. Isoladamente, essas etapas não oferecem solução. Somadas, não vão fazer mágica, mas podem mudar a realidade.

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DROGAS E TRÂNSITO
Flávio Pechansky, psiquiatra e diretor do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas do Hospital de Clínicas de Porto Alegre

De que forma as drogas ilícitas interferem na performance cognitiva dos motoristas? Qual a diferença, por exemplo, para o álcool?

Para "entender" o trânsito e todos os seus estímulos, um motorista faz dezenas de adaptações e "leituras" por minuto. Todas as substâncias psicoativas afetam a performance de um motorista. Isso está bem documentado para o álcool há mais de 70 anos. O álcool é a substância mais frequentemente abusada e, por isso, a mais estudada. Mas maconha, cocaína, remédios para dor e remédios para dormir também afetam a cognição e a performance. Dessas, a mais estudada é a maconha. Há diversos estudos nos países desenvolvidos mostrando que ela interfere na habilidade de dirigir, diminuindo de forma geral nossos reflexos necessários para operar máquinas e conduzir veículos. Além disso, uma droga como a maconha modifica nossa percepção e juízo crítico de forma similar ao álcool, fazendo com que tenhamos uma sensação de "margem" para manobras maior do que o real, ou uma menor percepção de risco relacionado a manobras na direção. Países escandinavos, por exemplo, estão colocando menos ênfase no álcool por que não há muito o que diminuir (as taxas em alguns locais são quase zero para beber e dirigir), e desta forma começam a estudar os efeitos de outras drogas. Nós estamos uma geração inteira atrasados.

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Recentemente, uma pesquisa apontou que, após o endurecimento da Lei Seca, em 2012, o número das pessoas que bebem e dirigem caiu 16%. Que medidas seriam necessárias para frear a incidência de motoristas que dirigem sob efeito de drogas ilícitas?

O Brasil é um país fraco no cumprimento das leis e normas escritas. Não é o caso de apenas fazer ou modificar leis _ apesar de que isso faz sentido. Na verdade, o que faz um motorista modificar seu comportamento atrás do volante é uma "sensação de que vai ser pego", ou seja, a percepção de dissuasão social (de que seu comportamento inapropriado é passível de punição, por estar sendo vigiado). Por exemplo, em um experimento recente em uma cidade chinesa, todas as intersecções receberam câmeras para multar motoristas que ultrapassavam sinais, ou mesmo dirigiam acima da velocidade. Resultado: as taxas de acidentes caíram a zero. No caso do Brasil, não temos a percepção de que seremos punidos se incorrermos em comportamentos inapropriados (vale para trânsito, vale para jogar papel no chão etc.). Nosso grupo está estudando a comparação da percepção sobre agentes de trânsito em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Nos países onde o agente fiscalizador é visto como figura respeitável e a sensação de punição é implacável, severa e rápida, as taxas estão despencando. No nosso caso, a diminuição em 16% é um indicador do que já se sabe internacionalmente há décadas: quanto maior, melhor e mais rápida for a fiscalização e a punição, melhores serão as taxas de sucesso. Infelizmente, ainda estamos mais fazendo leis do que as cumprindo.

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A lei não denomina claramente quais são as drogas proibidas e seus limites de concentração. O senhor considera isso uma brecha na nossa legislação? O que seria necessário mudar?

Os "pontos de corte" de intoxicação para cada droga não são completamente conhecidos. Há estudos europeus que estão tentando definir estes limites. Por enquanto, em vários países desenvolvidos assume-se o que se chama "per se law", ou seja,  apenas a presença de substâncias psicoativas no sangue, ar respirado ou saliva do indivíduo já é suficiente para determinar potencialidade de risco. E também é aceita a prova documental por parte do agente _ o "field sobriety test" _ onde o motorista é solicitado a executar tarefas simples na via (levantar um pé e contar até 30, caminhar em cima de uma linha reta etc.). Nos países onde as taxas estão caindo, essas provas são aceitas judicialmente, mesmo que um individuo não forneça material biológico como sangue, saliva ou ar (bafômetro). Um exemplo norueguês: caso um motorista se negue a fornecer prova do tipo bafômetro, ele será retirado à força da estrada ou via. Por um raciocínio simples: a habilitação para conduzir é uma concessão do Estado, fornecida através de parâmetros (carros, vias e motoristas em condições de circulação). Qualquer um desses elementos que estiver em situação precária será modificado, desde tapar um buraco na rua ou retirar um carro sem condições, até retirar da estrada um motorista que ponha em risco a vida de terceiros. Isso não é mais questionado na Noruega, por exemplo, há anos. E por isso eles tem tido tanto sucesso.

DROGAS E AMBIENTE DE TRABALHO
Ângela Maria Finck, assistente social e especialista em prevenção ao uso de drogas no modelo Sesi-RS/ONU

Qual a melhor maneira de abordar, no ambiente de trabalho, a discussão da prevenção contra as drogas?

Trabalhar a prevenção. É barato em termos de custo e atinge um maior número de pessoas de forma mais rápida.  Se trabalharmos somente a questão do tratamento com quem efetivamente precisa de atenção em relação ao uso de drogas, o resultado demora mais. Se começarmos com ações preventivas, temos resultados com mais rapidez e eficácia.

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Que impactos o uso de drogas tem no rendimento do trabalhador?

O principal aspecto é a questão dos fatores psicossociais, aqueles fatores que influenciam a convivência. A droga influencia nessas relações porque a pessoa pode ter dificuldade de estabelecer laços e, além disso, pode aumentar o número de faltas, de atrasos, acidentes de trabalho e licenças-saúde. Não dá pra dizer que todos os usuários de drogas têm esses problemas, mas pode acontecer. Nossa ideia não é que as empresas demitam, até porque, pela lei, não pode, mas que consigam encaminhar os funcionários para um caminho mais saudável. Há também a questão da vulnerabilidade. Se o trabalhador não está bem, se está passando por conflitos pessoais como a perda de um ente querido ou um divórcio, sua fragilidade pode induzi-lo às drogas, se ele tiver predisposição.

Quais os aspectos positivos das ações de prevenção para o trabalhador? E para a organização?

A gente faz uma série de atividades de valorização da vida nas empresas. Quando essas atividades se tornam rotineiras, parte de um programa interno da organização, o funcionário se sente mais valorizado, pertencente, sente que constrói o trabalho e que sua participação é importante. Pode ser ginástica, massagem, almoços, enfim, ações que tratem da qualidade de vida de um modo geral. Temos que fazer isso antes de falar sobre as drogas em si. A ideia é promover ações saudáveis para que as pessoas se mantenham saudáveis e possam sentir isso no seu ambiente de trabalho. Para a empresa, essas atividades resultam em funcionários mais envolvidos, com mais qualidade de vida, mais motivados.


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