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O pesadelo de Lúcia

Carro de comerciária ficou quatro dias com os ladrões e três meses e meio com a burocracia

Achado logo após o roubo, veículo só pôde ser recuperado agora por sua proprietária

29/07/2015 - 04h02min

Atualizada em: 29/07/2015 - 04h02min


Humberto Trezzi / Brasília
Humberto Trezzi / Brasília
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Diego Vara / Agência RBS
Após Fiesta ser localizado, Lúcia teve de esperar 107 dias para retirá-lo de depósito

A comerciária Lúcia Maria Corrêa da Silveira achou que o pior tinha passado quando foi liberada pelos dois adolescentes armados de revólver, que roubaram seu Fiesta seminovo. O assalto foi às 11h30min de 28 de março, na Rua Miguel Tostes, em Porto Alegre. Até porque a libertação dela foi seguida, quatro dias depois, de uma boa notícia: a Brigada Militar (BM) recuperou o carro.

O que ela não podia adivinhar é que um novo pesadelo estava começando. Lúcia levou três meses e meio para ter o veículo devolvido, após se desvencilhar de um emaranhado burocrático que envolveu polícia, montadora de carros, perícia da Secretaria de Segurança Pública (SSP) e também a Justiça.

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Foi uma delegada da Polícia Civil quem avisou Lúcia que seu Fiesta tinha sido encontrado pela BM. A única contrariedade eram as placas, substituídas por chapas clonadas. Identificaram a proprietária pela numeração do chassi. A comerciária achou que era só comparecer na delegacia do Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (DECA), porque o roubo fora praticado por menores, para recuperar o automóvel. Descobriu que não. Uma segunda perícia teria de comprovar oficialmente que o chassis era do Fiesta.

Enquanto a perícia era encaminhada, Lúcia pediu à Polícia Civil documento informando que o veículo fora achado - para a seguradora lhe fornecer carro-extra.

Não conseguiu, porque faltava também uma Carta Laudo da fabricante do carro (documento em que a indústria atesta que aquele veículo foi fabricado por ela).

Acompanhe os passos da vítima até a liberação do carro:


Nem ordem judicial acelerou liberação

Após vários telefonemas e mais de 45 dias de espera, chegou a Carta Laudo. Mas aí Lúcia esbarrou na espera pelo serviço do Instituto-Geral de Perícias (IGP). Quando o serviço foi finalmente encaminhado, mais de três meses após o roubo, a dona do carro teve de esperar retorno de férias de funcionários públicos - os substitutos não sabiam do seu caso.

Cansada de apelos, ela ingressou na Justiça com pedido para liberação imediata do veículo. Mesmo com autorização judicial em mãos, levou ainda seis dias para que o Fiesta fosse liberado. O carro foi devolvido na segunda quinzena de julho, sem que a perícia do IGP tenha chegado até agora, diz Lúcia.

- Saí dessa cansada, incomodada e lesada com a ineficiência e descaso das autoridades de segurança pública - desabafa a comerciária, que cogita mover ações judiciais pelo tempo transcorrido até recuperar o carro.

O que diz a Polícia Civil
O diretor em exercício do Departamento Estadual da Criança e Adolescente (DECA), delegado Christian Nedel, ressalta que o veículo recuperado foi encaminhado no mesmo dia ao Instituto-Geral de Perícias, "que não é ligado à Polícia Civil". A demora, portanto, não se deu em decorrência do trabalho policial, diz Nedel.

Solução passa por atualizar 40 mil perícias

Existem hoje 40 mil exames em andamento ou solicitados no Instituto-Geral de Perícias (IGP). A via-crúcis vivida pela comerciária é reflexo do represamento no serviço, por carências históricas de funcionários, equipamentos e prédios.

O diretor-geral do IGP, Cleber Müller, admite que trabalha com prioridades: crimes contra a vida, que somam cerca de metade das perícias solicitadas. No Departamento Médico-Legal (DML), os exames costumam estar em dia, já que a cada homicídio uma equipe comparece, coletando sangue e digitais.

Na perícia de armas usadas em crimes, há atraso. Mas o problema maior são delitos contra o patrimônio, como arrombamentos, roubos e furtos de veículos. Quando não envolvem morte e ferimentos, ficam no fim da fila. É o que ocorreu com o carro de Lúcia, mas parte do atraso foi também demora da fabricante em enviar a Carta Laudo.

Müller reconhece ainda que roubos de veículos ocorridos em muitas cidades do RS demandam ida de peritos da Capital - peritos locais não estão suficientemente preparados para identificar clonagem de carros. O treinamento de todo o Interior já começou.

Nova sede para desafogar demanda

Outra carência, de uma sede própria para o IGP, está por terminar. Foi assinado esta semana contrato para início das obras do Centro Regional de Excelência em Perícias do Estado. O prédio de sete andadres ficará no bairro Navegantes, na Capital. A obra, prevista para estar pronta em dois anos, está avaliada em R$ 29,2 milhões - R$ 25,9 milhões do governo federal e R$ 3,3 milhões do Estado. A antiga sede do IGP, no bairro Santana, está parcialmente desativada por problemas estruturais.


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