Polícia



Reação em cadeia

Como execuções em Porto Alegre estão relacionadas

As conexões comprovam que acertos de contas entre criminosos não ocorrem apenas no ambiente restrito de suas bocas de fumo

22/07/2015 - 07h02min

Atualizada em: 22/07/2015 - 07h02min


Luiz Armando Vaz e Carlos Macedo / Agência RBS

A solução de um dos crimes que mais chocou a Capital no primeiro semestre - o assassinato de Gérson Renato Dias Fagundes, o Gersinho, 38 anos, dentro de um ônibus lotado em pleno corredor da Avenida Farrapos - revela uma teia de relações do mundo do crime. O primeiro suspeito foi preso no final da última semana. A polícia suspeita que a morte de Gérson faça parte de uma série de crimes que teriam deixado pelo menos cinco vítimas - ao menos uma, morta de graça - em três diferentes regiões da cidade.

As conexões comprovam que os acertos de contas entre criminosos, definitivamente, não ocorrem apenas no ambiente restrito de suas bocas de fumo. Os crimes aconteceram em locais movimentados, com intenso fluxo de pessoas.

A morte de Gersinho, em abril, foi a segunda desta série, como provável vingança pelo assassinato de Diego Pavelak, o Morto, na véspera, às 18h, em frente a um ferro-velho da Avenida Sertório, Bairro Sarandi. Duas semanas depois, Ricardo Rosário da Rosa, o Sarará, 34 anos, era o alvo de matadores que interceptaram um caminhão guincho em um dos horários de maior movimento, ao meio-dia, no cruzamento entre as avenidas Sertório e Assis Brasil, também no Sarandi. O motorista do guincho, Rodimar Goulart, 45 anos, foi morto de graça em meio à saraivada de tiros. A 5ª DHPP ainda investiga pelo menos outros dois assassinatos ocorridos no Bairro Passo das Pedras, e que provavelmente configurem a sequência de mortes.

Imagens mostram execução dentro de ônibus na Avenida Farrapos

- A constatação de que a disputa em torno do negócio que é o tráfico de drogas extrapolou os limites dos territórios das quadrilhas choca a sociedade, mostra o que já é realidade em diversos pontos da cidade, mas não representa que o padrão de violência mudou - afirma o coordenador do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da Pucrs, Rodrigo Azevedo.

Segundo ele, a ousadia dos executores não significa necessariamente uma mudança de perfil da criminalidade em Porto Alegre, mas das pessoas que estão envolvidas neste meio.

- É muito mais uma questão comportamental. Em geral, esses homicidas são jovens inseridos em uma cultura do uso de arma de fogo e sem preocupações com as consequências. Não importa se vão cometer o crime em uma área movimentada e que possam ser presos ou mortos. O importante é agir - acredita o pesquisador.

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Morte de líder dos Bala desencadeou a violência

O estopim para a série de crimes que começa a ser revelada pela polícia aconteceu no dia 15 de abril. Diego Pavelak, o Morto, 30 anos, foi executado a tiros em frente a um ferro-velho da Avenida Sertório, no Bairro Sarandi, às 18h. Os dois matadores estavam em uma moto e atiraram da calçada. Gerson Renato Dias Fagundes, o Gersinho, que depois seria vítima da execução dentro do ônibus, foi reconhecido por testemunhas e é o principal suspeito do assassinato. O inquérito ainda não foi encerrado, e a polícia tenta identificar o segundo participante do crime.

Originário do Bairro Bom Jesus, o berço da facção dos Bala na Cara, Morto era apontado pela polícia como o líder do grupo no Bairro Sarandi há alguns anos. Ali, teria surgido a rivalidade entre ele e Gersinho, um antigo aliado. Segundo testemunhas, o líder teria expulsado Gersinho da Vila Respeito há cerca de sete anos.

A rivalidade ganhou tom de guerra quando Gersinho foi preso, comprovando o loteamento de territórios da cidade entre facções criminosas, mostrado pelo Diário Gaúcho em junho. Ele teria se aliado a traficantes do Bairro Passo das Pedras, integrantes da facção dos Abertos.

- Havia um desentendimento entre eles por questões pessoais. E isso acabou ganhando outro elemento maior com o envolvimento de facções rivais e os seus interesses territoriais - explica o delegado João Paulo de Abreu.

Com antecedentes por roubo, homicídio e tráfico, Gersinho fugiu do Instituto Penal de Novo Hamburgo antes de encontrar a oportunidade para executar o desafeto.

 
Foto: Luiz Armando Vaz

Vingança não tardou

A vingança pela morte de Diego Pavelak veio exatamente 24 horas depois. E a polícia tem certeza: a execução de Gersinho dentro de um ônibus em plena área central da cidade não foi ao acaso.

- Foi um crime bastante planejado. Talvez os criminosos não quisessem exatamente matar a vítima dentro do ônibus, mas provavelmente cometeriam o crime quando ele desembarcasse - diz o delegado Filipe Bringhenti.

Gerson foi morto com pelo menos 20 tiros, sentado dentro do ônibus e, apesar de armado, sem chances de reação.

Os executores - parceiros do Morto - teriam monitorado Gersinho quando ele entrou no ônibus, no Bairro Passo das Pedras. Na semana passada, Gláucio dos Reis Fagundes, 31 anos, suspeito de transportar o atirador, foi preso preventivamente. A polícia ainda procura pelo menos outro suspeito já identificado.

 
Foto: Carlos Macedo

Sarará, o parceiro do Gersinho

Ricardo Rosário da Rosa, o Sarará, 34 anos, estava na carona de um caminhão guincho dirigido por Rodimar Goulart, 45 anos, quando foram executados com mais de 60 tiros de 9mm. Os disparos partiram de matadores em uma caminhonete Duster que cortou a frente do caminhão. Era dia 28 de abril - duas semanas depois das primeiras mortes -, por volta do meio-dia, em pleno cruzamento entre as avenidas Assis Brasil e Sertório, na sinaleira em frente a um restaurante lotado.

O alvo, segundo a 3ª DHPP, era mesmo o Sarará, que estava em prisão domiciliar. Rodimar, motorista do guincho, morreu de graça. O inquérito ainda está em andamento, mas a polícia já tem convicção de que o crime do guincho foi uma sequência da morte no ônibus. Sarará e Gersinho eram parceiros no Bairro Passo das Pedras. A suspeita é de que o mesmo grupo que executou Gersinho armou a emboscada - igualmente bem planejada - para Sarará.

- É certo que quem cometeu os dois crimes tinha interesses comuns. Resta ainda concretizarmos elementos que esclareçam a motivação do segundo crime - aponta o delegado João Paulo de Abreu.

Após este duplo homicídio, pelo menos outras duas mortes teriam acontecido possivelmente relacionadas aos crimes de abril, no Bairro Passo das Pedras. Crimes ainda não esclarecidos pela 5ª DHPP.

Crimes em série não foram exceção

O primeiro semestre do ano fechou com um recorde de pelo menos 287 homicídios na Capital. Dado que, segundo o diretor do Departamento de Homicídios, delegado Paulo Grillo, não chega a surpreender:

- Há uma guerra aberta entre criminosos. Nós atuamos no resultado dela.

E os embates dessa guerra se mostram cada vez mais ousados. A série de assassinatos que começa a ser desvendada na Zona Norte não é exceção. Ela repete algo que já foi visto desde o ano passado, quando os irmãos Bugmaer, que lideravam o tráfico na Vila Jardim, foram dizimados. Primeiro, em setembro, com o assassinato de Darci Devertino da Fé Bugmaer em um bar movimentado da Rua Adolfo Silva, Jardim Itu Sabará. Na ocasião, outro rapaz também foi morto. Depois, em outubro, com a morte de César da Fé Bugmaer, o Russo, em plena emergência do Hospital Cristo Redentor.

A sequência aconteceu em dezembro, quando o comerciante Maurício Francioni Whahlbrink foi morto de graça em uma quadra esportiva do Bairro Sarandi. O atirador procurava por Luís Antônio Rosa da Fé, o Dindinho. Ele foi morto em maio deste ano, com a companheira Kellen Monteiro Dornelles, depois de uma perseguição em plena Avenida Bento Gonçalves, no Bairro Partenon, às 18h, em horário de intenso movimento.

Para reverter essa realidade, o sociólogo Rodrigo Azevedo defende mudanças que vão muito além do trabalho policial. Segundo ele, a ação deve acontecer em três frentes: reforma no sistema carcerário, um pacto das instituições públicas com a sociedade para redução da violência e possibilidade de ações sociais integradas e a reformulação da política de enfrentamento às drogas.

- A guerra às drogas levou ao quadro que vemos hoje. Pequenos traficantes são presos, engrossam a massa carcerária e o mecanismo de reforço das facções nas cadeias. Isso não funcionou e precisa ser revisto a médio e longo prazo - conclui o sociólogo.

 

 

*Diário Gaúcho


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