Polícia



Crime organizado

Encomendas para armar o tráfico partiam do Central

A partir do presídio, criminoso uruguaio mantinha rota de tráfico de armas da Fronteira Oeste para a Região Metropolitana

27/10/2015 - 08h02min

Atualizada em: 27/10/2015 - 08h02min







Divulgação / Polícia Civil
Fuzil 5.56 apreendido na Capital

O acerto é feito entre vizinhos e companheiros de galeria no Presídio Central, mas o negócio tem dimensões internacionais, extremamente lucrativas e de resultado cada vez mais violento. Pois na manhã de ontem, a Operação Cerberus, da Polícia Civil, a partir de Santana do Livramento, deu um golpe na rota do tráfico internacional de armas vindas de Rivera, no Uruguai, para a Região Metropolitana.

A estimativa é de que o bando movimenta até R$ 82 mil por mês com as armas. É como se pelo menos um fuzil e 10 pistolas ingressassem na Região Metropolitana a cada mês por essa rota.

Um esquema comandado pelo uruguaio Ernesto Andres Vargas Villanueva, o Cachorrinho, que já foi investigado por sua relação com assaltantes gaúchos e atualmente é considerado um parceiro das facções gaúchas, sobretudo Os Manos.

- Este criminoso já trafica armas por essa rota da BR-290 há algum tempo. Costumava negociar com a Vila Maria da Conceição, mas com o enfraquecimento do líder daquela facção, criou novas parcerias. Mas é um homem de negócios. Onde há lucro com a venda de armas, ele negocia - explica o delegado Eduardo Finn, da Divisão de Assessoramento Especial do Departamento de Polícia do Interior.

A estimativa é de que a quadrilha chegava a movimentar mais de R$ 370 mil mensais entre o envio de pistolas - principalmente 9mm -, fuzis e dinamites, além de munições, para traficantes gaúchos, e a negociação de drogas que seguiam o caminho contrário.
 
- Eram armas que no Uruguai tinham um preço e chegavam a ser vendidas por 300% a mais na Região Metropolitana. Parte do pagamento era feito em drogas, que chegavam à fronteira também supervalorizadas - conta o delegado.

Escutas telefônicas reveladas durante a operação demonstram que uma pistola, por exemplo, era vendida por US$ 1,5 mil (R$ 5,8 mil). Já um fuzil chegava a ser negociado a R$ 30 mil na Região Metropolitana. Desde 2013, foram apreendidas 16 armas, 215 munições, cinco bananas de dinamite, oito carregadores, 24kg de drogas e R$ 20 mil em dinheiro.

No rastro dos fuzis

Uma interceptação telefônica revelada ontem pela polícia mostra um fornecedor uruguaio negociando um fuzil canadense com um suposto líder de facção em Porto Alegre. De acordo com o delegado Eduardo Finn, a quadrilha teria um canal importante para repasse de fuzis canadenses e tchecos à Região Metropolitana. E este pode ser um elo importante para derrubar os canais de negociação de armas da facção Os Manos.


Policiais realizaram buscas
Foto: Divulgação/Polícia Civil

Em setembro do ano passado, um homem foi preso em Porto Alegre quando carregava um fuzil canadense 5.56 para o Vale do Sinos. Conforme investigação do Ministério Público, a arma havia sido entregue na Zona Leste da Capital e seguia a uma encomenda da facção.

A investigação revelada em fevereiro desse ano apontou que a facção ensaiava um estatuto, com pagamentos mensais do integrantes, justamente para munir a facção. Eles admitiam ter comprado um lote de 50 fuzis.

- Ainda não temos a relação concreta dos clientes e de onde foram parar as armas trazidas por essa rota, mas negociações por fuzis canadenses e tchecos existiram. E provavelmente era o Cachorrinho quem os repassava em Porto Alegre - acredita o delegado.

No ano passado, policiais de Rivera interceptaram um fuzil tcheco 5.56 que seguiria o caminho da Região Metropolitana. Em março deste ano, o Denarc apreendeu uma dessas armas na antiga Vila dos Papeleiros. O local serviria de depósito para criminosos da região da Vila Cruzeiro. Dois anos atrás, outros dois fuzis idênticos haviam sido apreendidos na Cohab Cavalhada.

Comando do crime em família

O armamento chega à Região Metropolitana em carros ou bagagens de ônibus, pela BR-290. E geralmente com o uso de pessoas sem antecedentes criminais como "mulas". Foi assim que um casal acabou preso na ponte do Guaíba, em outubro do ano passado, com três fuzis 5.56.

- O grande objetivo do Cachorrinho era se tornar um fornecedor exclusivo à facções da Região Metropolitana. Já tinha conseguido dominar essa rota a partir de Santana do Livramento - explica o delegado Eduardo Finn.

A polícia tem mapeadas pelo menos outras duas rotas de ingresso de armas pelo Estado _ Quaraí - Artigas (Uruguai), Uruguaiana - Passo de los Libres (Argentina).

Para garantir o seu espaço, o uruguaio contava com o comando familiar da quadrilha. O pai dele, Antonio Roberto Vargas, atualmente está preso em Rivera. Ontem, a polícia procurava pela esposa e pela mãe dele, que gerenciavam os negócios em Livramento. A suspeita é de que ambas fugiram para o Uruguai.

Cachorrinho teria se estabelecido em Santana do Livramento no começo da década passada, depois de ser considerado procurado no Uruguai pelo assassinato de dois policiais. Ele acabou formando família no lado brasileiro da fronteira. E fortaleceu seus contatos no tráfico de drogas e armas local.

Atualmente cumpre pena por homicídio no Presídio Central. No STF, tramita o processo de extradição ao Uruguai.

Ex-policial uruguaio é suspeito de fornecer as armas

Mesmo que sejam de calibres restritos no Brasil, as pistolas 9mm são adquiridas em lojas no Uruguai. A origem dos fuzis, no entanto, seria pelo desvio de armas das Forças Armadas uruguaias, ou de contrabando a partir do país vizinho.

Pelo menos um fornecedor do Cachorrinho foi identificado pela polícia, que solicitou a prisão do ex-policial uruguaio Juan Jose Arocena. Em seu nome, ele teria mais de uma centena de armamentos pesados que eram repassados ao Brasil. O pedido de prisão foi encaminhado à Interpol.

Traficante tenta escapar da prisão disfarçado de velhinha

O envolvimento de policiais uruguaios no repasse de armas ao Brasil por Santana do Livramento já havia sido revelado em uma ação da Polícia Federal em abril. Naquela investigação, a PF estimou que, entre 2013 e 2015, eles tenham feito ingressar no país pelo menos 300 armas.

Morte de rival iniciou investigação

A investigação iniciou em 2013, com a chamada Operação Queima de Arquivo, que apurou a morte de um homem conhecido como Teco Salgado, concorrente do Cachorrinho na fronteira. No ano passado, aconteceu a Operação Rescaldo, que chegou a uma parte da quadrilha. O objetivo agora era derrubar os gerentes e algumas pessoas usadas como "mulas" no transporte das armas desde Santana do Livramento.

VÍDEO mostra troca de tiros em hipermercado de Alvorada

A polícia estima que o bando tenha até 80 integrantes. Ontem, foram cumpridas prisões de 22 pessoas _ metade delas já estavam entre o Presídio Central e os presídios de Uruguaiana, Santana do Livramento, Dom Pedrito e na PEJ, em Charqueadas.

Contando com o apoio da Susepe, Brigada Militar, Polícia Rodoviária Federal e do Exército, a polícia cumpriu 85 mandados judiciais entre prisões, buscas e conduções para depoimentos entre Rivera, no Uruguai, Santana do Livramento, Rosário do Sul e Uruguaiana, na Fronteira Oeste. Na Região Metropolitana, foram cumpridos mandados em Porto Alegre, Viamão, Canoas e Alvorada.

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A rota das armas
- Armas, munições e explosivos são fornecidos no Uruguai para a quadrilha que atua na fronteira Rivera - Santana do Livramento. Pela BR-290, o material chega à Região Metropolitana, onde é vendido a facções criminosas gaúchas.
- Estimativa é de que o bando movimenta até R$ 82 mil por mês com as armas. É como se pelo menos um fuzil e 10 pistolas ingressassem na região a cada mês por essa rota.
- Um fuzil custaria R$ 30 mil, e uma pistola 9mm, R$ 5,8 mil. Se for da fabricante austríaca Glock, no entanto, o preço chega a R$ 9 mil. Caixas de munições são negociadas por R$ 300.
- Drogas adquiridas na Região Metropolitana eram revendidas na Fronteira Oeste, movimentando R$ 296 mil mensais.
- Nos últimos meses, só com ações da polícia, a estimativa é de uma quebra de R$ 1 milhão à quadrilha _ R$ 65 mil em apreensões de armas, R$ 576 mil em drogas e R$ 440 mil nas apreensões de imóveis e veículos.


Ação resultou em prisões
Foto: Divulgação/Polícia Civil

Os fuzis na Capital
- Em novembro de 2013 o Denarc apreendeu dois fuzis 5.56 de fabricação tcheca na Cohab Cavalhada, Zona Sul da Capital.
- Em setembro de 2014, a Brigada Militar prendeu um homem com um fuzil 5.56 de fabricação canadense em um carro que seguia de Porto Alegre para São Leopoldo. Armamento seria encomenda dos Manos.
- Em outubro de 2014, um fuzil 5.56 de fabricação canadense foi apreendido na Vila Jardim, abandonado por traficantes locais.
- Em outubro de 2014, um casal foi preso na ponte do Guaíba com três fuzis 5.56 que eram trazidos do Uruguai em uma caminhonete.
- Em março de 2015, o Denarc apreendeu um arsenal na Vila dos Papeleiros, Centro da Capital. Entre as armas apreendidas, havia um fuzil 5.56 de fabricação tcheca.
- Em abril de 2015, um fuzil 5.56 de fabricação canadense foi apreendido com outras armas no Bairro Lomba do Pinheiro.


Apreensões são cada vez mais frequentes
Foto: Divulgação/Polícia Civil


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