Serra Gaúcha
Apreensão de droga em Bento Gonçalves confirma as rotas preferenciais do tráfico internacional
Para PF, transporte de grandes quantidades de maconha atende aos lucros das quadrilhas
Transportar grandes quantidades de maconha pela Serra se tornou crime tão corriqueiro a ponto de a polícia interceptar fartos carregamentos numa mesma rota, caso da apreensão de 1,14 tonelada da droga na BR-470, em Bento Gonçalves, na madrugada de quinta-feira.
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Apostando na fiscalização fragilizada das fronteiras e rodovias, a exemplo de tantos outros traficantes, um homem de 36 anos não teve receio de transportar 1.229 tijolos da erva escondidos no fundo falso de um caminhão. É uma das maiores apreensões desse tipo de entorpecente da história na Serra.
A viagem começou na manhã de quarta-feira, em Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, na fronteira com o Paraguai, conhecido entreposto de venda de armas e drogas. Pela versão dada à Polícia Federal (PF), o homem deveria ter entregue a remessa na Região Metropolitana, mas foi flagrado no posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF) na BR-470, às 3h30min de quinta. Em depoimento, alegou ter sido contratado por R$ 4 mil para levar um contrabando de notebooks e ignorava estar a serviço do tráfico. A versão não convence os investigadores da PF.
O trajeto entre a Serra e a Capital é uma rota preferencial das quadrilhas internacionais por um motivo simples: são longos trechos sem policiamento ou unidades de vistoria de carga. O motorista preso não revelou se foi abordado pela fiscalização durante a travessia do Mato Grosso do Sul ao RS. Ainda assim, teria percorrido cerca de 1,150 quilômetros e permanecido por pouco mais de 16 horas na estrada sem ser percebido.
Na Serra, o único posto de fiscalização fixo é na BR-116, em Vacaria, na divisa com Santa Catarina, cujo perfil é mais lidar com ilícitos contra a receita estadual do que crimes como drogas negociadas por atacado. Como são muitos caminhões circulando pela Serra, flagrar um grande carregamento como o de Bento depende principalmente de denúncias e de barreiras aleatórias das polícias estaduais ou federal. É por essa brecha que as mulas do tráfico ousam se embrenhar cada vez mais, o que só reforça a importância da investigação.
- É uma rota bem antiga e os traficantes estão acostumados a usá-la. Há pouco tempo apreendemos 118 quilos de maconha em Farroupilha, que também é na região ali de Bento - reitera o delegado regional da PF, Noerci da Silva Melo.
Relação custo/benefício
A localização da maconha em Bento é um golpe no tráfico, mas é o desdobramento da investigação federal que levará a outros envolvidos e pode abalar, de fato, as estruturas do grupo por trás da remessa.
Por outro lado, o delegado Noerci vê como o normal o transporte de grandes cargas devido à relação custo/benefício. Segundo ele, a erva é muito mais barata se comparada à cocaína: o preço de revenda na Serra varia de R$ 600 a R$ 1 mil ao quilo, enquanto o pó pode custar de RS 25 mil a R$ 30 mil. Por esse motivo, traficantes trazem grandes carregamentos para obter lucro e manter a oferta no mercado.
- Notamos que aumentou o transporte de grandes quantias, mas é uma característica do tráfico de maconha. Às vezes, usam batedores para identificar barreiras policiais. Nesse caso de Bento, não teve isso porque o motorista escondia no fundo falso - explica Noerci.
O promotor de Justiça João Pedro de Freitas Xavier, que coordenou o Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais do MP, tem opinião semelhante:
- Às vezes, transportar uma quantidade absurda não faz tanta diferença. Só demonstra que é um tráfico de vulto e forma organizada. Revela um grande atacadista por trás e investimento alto por parte dos traficantes. É algo planejado.
Doutor em Sociologia e consultor em Segurança Pública e Direitos Humanos, Marcos Rolim tem uma visão cética a respeito:
- A apreensão de uma tonelada de maconha pode não ser nada. Quantas outras cargas passaram? - avalia.
OUTRAS GRANDES APREENSÕES DE MACONHA NA SERRA
Todos os casos abaixo resultaram em prisões e indiciamentos:
Maio de 2011: Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) flagra 1,5 tonelada de maconha num sítio em Carlos Barbosa.
Outubro de 2011: a Brigada Militar apreende 700 quilos de maconha num apartamento no bairro Santa Catarina.
Setembro de 2013: a Polícia Fazendária da BM encontra 556,8 quilos dentro de um carro em Vacaria.
Novembro de 2012: BM e PF localizam 329 quilos de maconha num caminhão no bairro Santa Catarina, em Caxias.