Polícia



Estudantes na mira do crime

Aula do tráfico perto de escolas da Região Metropolitana: vende 10, fuma 2

Operação Apolo prendeu 15 pessoas que atuavam no tráfico de drogas em Canoas

21/11/2015 - 13h12min

Atualizada em: 21/11/2015 - 13h12min


Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Pai "perdeu" o filho adolescente para o tráfico

Uma operação policial na manhã de sexta-feira, em Canoas, escancarou um dos lados mais perversos do tráfico de drogas: a invasão das escolas. Aliciando estudantes, criminosos conseguem mais consumidores, criam novos traficantes e perpetuam um mercado que leva dor às famílias.

Quando tentava levar para dentro de casa cerca de 100g de cocaína, um adolescente de 15 anos acabou flagrado pelo pai, segunda-feira, em Canoas. O homem, de 49 anos, viu um pesadelo concretizado: o filho havia passado de viciado a possível traficante.

- Eu tive de dizer que com aquilo ele não entrava. Tinha de preservar o resto da família de tudo o que aquela droga podia trazer de ruim. Não voltou mais - conta o pai, que foi pedir ajuda à 2ª Delegacia de Polícia de Canoas no final da tarde de quinta-feira.

O garoto passou por quatro colégios no Bairro Niterói e havia parado de estudar. Os policiais que o atenderam fariam, no dia seguinte, uma operação para fechar pontos de droga perto de 17 escolas no mesmo bairro.

Eles procuraram o adolescente em algum dos alvos da Operação Apolo, na manhã desta sexta-feira, mas não o encontraram. Com 15 prisões entre quinta e sexta, além de 11 ao longo de cinco meses de investigação, a 2ª DP espera ter golpeado o tráfico no Bairro Niterói.

- Havia pontos nas ruas dos fundos de algumas instituições, mais disfarçados. Mas também identificamos outras "bocas" a menos de 100m da entrada. A droga mais vendida era a maconha - conta a delegada Marina Goltz.


Foto: Ronaldo Bernardi / Agência RBS
 

Venda e consumo

 
Segundo a delegada, alunos eram aliciados para oferecer a colegas. Em troca, anhavam porções para consumo próprio. Esse modo de infiltração não é estranho aos professores.

-Temos uma ideia de qual aluno está usando droga, oferecendo. É medo constante. A gente sabe que o tráfico reage se fazemos algo. Podemos sofrer depredações - onta uma vice-diretora que pediu para não ser identificada. 

Foram 17 mandados de busca e apreensão cumpridos na sexta-feira. A operação foi batizada de Apolo: o deus grego considerado o iniciador dos jovens na vida adulta, fazendo alusão aos alunos que estão sendo iniciados no tráfico. Na ação, foram apreendidos dois revólveres, celulares, um circuito de câmeras, quantidades pequenas de maconha, crack e cocaína, além de material para embalar e preparar drogas.


Foto: Ronaldo Bernardi / Agência RBS
 

Medo ronda as escolas

Os nomes das 17 escolas não são revelados pela polícia a pedido de pais, professores e diretores. São instituições públicas e privadas. Os níveis de ensino vão do fundamental ao médio. O motivo de temerem nomes mencionados é o medo. O tráfico costuma ser vingativo, principalmente dos colégios públicos, em áreas mais vulneráveis.

- O que me machuca é que são crianças que vimos crescer, são como filhos, e daqui a pouco ninguém mais acha que tem solução. Eu já disse para uma que eu ainda acreditava nela - conta uma professora.

A educadora relata situações extremas de evasão: estudantes que deixam de frequentar as aulas para se dedicar ao tráfico. Nem sempre o crime é segredo para familiares.


Foto: Ronaldo Bernardi / Agência RBS

 
Virou fonte de renda

Uma vice-diretora que atua há anos em uma das escolas identificou famílias em que a fonte de renda é a droga.

- O que nos resta quando descobrimos que é a droga a grande fonte de renda daquela família? Como tirar aquele jovem do tráfico, então? - desabafa.

Ela conta que a escola já foi arrombada. Em uma das invasões, objetos foram revirados. Para a direção, ataques como esse ocorrem com o aval dos traficantes. Ou, até mesmo, como aviso para a instituição não mexer nos "negócios".

Em meio ao relato, surge ao fundo a tradicional algazarra do pátio na hora do recreio. Surgem crianças que não fazem ideia do medo das professoras de, num futuro próximo, as perderem para o tráfico.
 
Tudo começa na compra da primeira porção. Segundo a Polícia Civil, é como o início de uma "amizade". Ao se tornar consumidor mais frequente, fica natural a oferta que parece boa: levar para colegas em troca de mais droga.

Conforme a investigação, o aluno aliciado receberia maconha ou crack de graça. Em uma das situações identificadas pela 2ª DP, o traficante dava ao adolescente duas porções para cada dez vendidas de maconha. Em casos extremos, como o do filho flagrado pelo pai com cocaína na mochila, podiam ficar viciados a ponto de se entregar totalmente ao tráfico.

Ao longo do período em que monitorou o Bairro Niterói, a Polícia Civil perdeu a conta de quantos adolescentes foram flagrados com pequenas quantidades, classificadas como para consumo próprio nas ocorrências registradas. Pais eram chamados à delegacia, e o menor era liberado. Não sem antes uma boa recomendação para ficar atento a novos "amigos".
 

Vendas divididas

Os 17 pontos de droga identificados pela polícia estariam divididos entre duas quadrilhas. Mas não havia nenhum tipo de disputa de território entre elas. A razão dessa "paz" entre os traficantes estaria em uma aliança: um grupo voltado para a venda de crack e de cocaína e outro para a maconha. Nenhum sai perdendo.

A maconha é a droga mais vendida, fazendo uma gangue não se interessar tanto por outras substâncias. O crack e a cocaína, juntas, fazem a balança equilibrar e deixavam o outro lado também satisfeito. Se fez a parceria.


Foto: Ronaldo Bernardi / Agência RBS


Assaltos na região

Depois de cinco meses de investigação, a equipe da 2ª DP de Canoas encaminhou os pedidos à Justiça para tirar de circulação suspeitos de levar o tráfico para junto das escolas. O estopim do trabalho foi o convite que a delegada Marina Goltz recebeu de dois colégios.

- As conversas traziam preocupação de pais e professores com a segurança no entorno. Aí, começamos a entender que roubos e furtos eram consequência de algo, do tráfico - relata.

Usuários, atraídos para as bocas, acabam assaltando alunos para comprar drogas. Celulares roubados são trocados por crack. Pais começaram a ser atacados a mão armada ao buscar os filhos.


"Tudo começou perto das escolas" 

O pai, morador de Canoas, completará 50 anos neste domingo e espera de presente a volta do filho para casa. Desde segunda-feira, a vida dele é uma agonia. Cada ligação estranha é atendida com voz hesitante. Teme uma notícia ruim do filho, adolescente de 15 anos.
 
Diário Gaúcho - Qual foi a última vez que o senhor viu seu filho?
Pai - Foi na segunda. Ele apareceu em casa com cocaína na mochila. Tinha umas 100g e não era para consumo. Me doeu muito, mas eu tive de dizer que com aquilo ele não entrava em casa. Tinha de preservar o resto da família de tudo que aquela droga podia trazer de ruim.
 
Diário - O senhor sabia do envolvimento dele com drogas?
Pai - Sim. Temos tentado de tudo para livrar ele. Já o colocamos em uma clínica, ele ficou um tempo livre, mas retomou de novo o contato com as más amizades. Tudo isso começou perto das escolas. Ele passou por quatro colégios, todos no Niterói, mas nunca conseguimos afastar ele da droga.
 
Diário - Como o senhor tem vivido sem notícias?
Pai - Acordo de três a quatro vezes por noite. Só consigo dormir mesmo quando não aguento mais de exausto. Fico ansioso com cada ligação estranha que recebo. Tenho medo de que seja uma notícia ruim. Tem muita disputa entre traficantes, podem matar ele. Tem só 15 anos. Desse jeito, não vejo ele chegando vivo aos 20.
 
Diário - O que fazer?
Pai - A gente acredita que ele volta. Vamos insistir para internar de novo. Ele pode desistir da família, mas a família não vai desistir dele. Faço aniversário domingo e não teria presente melhor do que ter o meu filho
de volta.

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* Diário Gaúcho


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