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Menino de 10 anos confessa ter atirado em criança de oito em Porto Alegre 

Família do suposto autor alega que disparo foi acidental. Polícia suspeita que arma tenha sido entregue ao suposto autor por traficantes 

19/02/2016 - 16h36min

Atualizada em: 19/02/2016 - 19h09min


Mateus Frozza
Mateus Frozza

Dentro de uma das dezenas de casas que povoam a Vila Alto Erechim, no bairro Nonoai de Porto Alegre, no final da tarde de quinta-feira, um menino de oito anos foi resgatado com o peito ferido por um disparo de arma de fogo. O responsável por apertar o gatilho seria um amigo, de 10 anos. E quem teria fornecido a arma à criança seriam traficantes.

– Só ouvi a gritaria e o João* sendo carregado nos braços por vizinhos. O tiro, não ouvi – conta uma moradora, que prefere não se identificar. De onde ela mora, é possível ver a casa de tijolo à vista onde diversas crianças estariam brincando quando o disparo foi efetuado. Enquanto a mãe trabalhava, a vítima e dois irmãos ficavam com os filhos de uma vizinha na casa dela. Um dos filhos da mulher foi apontado por João como autor do tiro.

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Através de gestos de "sim" e "não" com a cabeça, ele ainda disse aos policiais civis no Hospital de Pronto Socorro (HPS) que o disparo foi intencional. A mãe, que estava com o filho na UTI pediátrica do HPS, não quis conversar com a reportagem. Mas disse à polícia que as crianças costumavam brigar.

– Toda criança briga e brinca. Não vejo isso como motivo para um menor pegar uma arma, apontar para o colega e fazer o disparo – afirmou o delegado Rodrigo Pohlmann Garcia, responsável pelo caso. – O fato de conviverem com o tráfico na porta de casa, de estarem acostumados a ver pessoas usando arma, de ser comum ver gente morrer, isso tudo influencia na facilidade com que crianças têm de usar uma arma.

Arma do disparo não foi localizada

O menino de 10 anos confessou ter atirado. Segundo a mãe dele, o filho teria pego a arma para mostrar ao amigo e o dedo teria escorregado, provocando o disparo. Testemunhas relataram à polícia que os mesmos traficantes que alcançaram a arma, não encontrada pela polícia, ao menino voltaram ao local para buscá-la após o ocorrido.

– Acreditamos nisso, porque muito próximo dali existe um ponto de tráfico. Só não sabemos se houve algum tipo de incitação ao disparo – disse Pohlmann.

Pela marca no peito de João, próximo ao ombro, a polícia acredita que a arma usada foi um revólver de "calibre pequeno", 32 ou 22. O projétil se alojou no corpo do menino, que passou por cirurgia ainda na noite de quinta. Na tarde desta sexta-feira, segundo o HPS, ele permanecia internado em estado grave.

Como o suposto autor tem menos de 12 anos, não se trata de ato infracional e, por isso, não cabe sanção socioeducativa. O caso seria remetido pela polícia ao Conselho Tutelar, para encaminhamento de medidas protetivas às crianças. Quanto à origem da arma, ainda não há definição se investigação ficará a cargo do Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca), do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) ou da delegacia da região.

De acordo com o conselheiro tutelar Edemar Sarnagotto, responsável pela região do bairro Nonoai, a família da vítima já é acompanhada pelo órgão desde o final de 2014. Na época, houve denúncia anônima pelo Disque 100 sobre negligência familiar a João e a um irmão mais novo. Eles moravam em outra cidade da Região Metropolitana e se mudaram em 2015 para a zona norte da Capital. Houve encaminhamento para atendimento social, mas, como houve troca de conselheiros em outubro do ano passado, Sarnagotto não soube dizer se a família seguiu as recomendações anteriores, como matriculá-los em escola e frequentar o Centro de Referência de Assistência Social (Cras).

Segundo dados das secretarias de Educação, João não está matriculado nem na rede estadual nem na municipal. O suposto autor estaria de férias, mas estuda em uma escola estadual do bairro. A partir de agora, serão acompanhados pelo Conselho Tutelar.

*Nome fictício utilizado para não identificar a vítima, conforme determinação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

Entrevista

"A realidade das crianças é essa. Um tiro é comum", diz conselheiro tutelar da região

Há sete anos lidando com problemas da infância e da juventude junto ao Conselho Tutelar, o educador Edemar Sarnagotto ficará responsável por acompanhar as duas crianças – vítima e suposto autor. Ele comenta o cenário de precariedade social na região do Beco do Rio Tejo, onde ocorreu o caso.

O que leva uma criança a atirar na outra?

É do contexto, do local. As crianças que moram ali estão expostas diariamente a situações de risco, balas perdidas, conflitos entre traficantes. A realidade delas é essa, para elas o que aconteceu, um tiro, é comum.

Conhece a realidade das duas famílias?

Não conheço ainda onde eles moram. Mas na região da Vila Alto Erechim vivem milhares de famílias em condições precárias, em terreno pequeno e superacidentado, com concentração de casas bem acentuada. A vulnerabilidade aumenta o risco de uma situação dessas acontecer. Muitas crianças ali não tem acesso à escola, ficam sozinhas, com irmãos ou vizinhos. Isso aumenta o perigo de contato e de domínio do tráfico.

O que o Conselho pode fazer para mudar essa realidade?

Vamos passar a acompanhar o caso de perto e trabalhar em rede. É preciso envolver assistência social, escola, psicólogos. O menino que atirou precisa entender que isso está errado sem ser criminalizado. A vítima também precisa de acompanhamento para não ficar traumatizada. A saída é o trabalho em rede.

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