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"Perdi meu filho para o tráfico" desabafa mãe de adolescente assassinado na Capital

Márcia sente-se culpada por não ter conseguido salvar o filho, embora tenha lutado por ele desde que o adotou, aos três meses de vida

29/04/2016 - 08h02min

Atualizada em: 29/04/2016 - 08h03min


Schirlei Alves
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– Disseram que um homem foi morto no Lami. O homem só tinha 16 anos. O nome dele é Tallysom Augusto da Costa Barbosa e ele é meu filho.

O depoimento é de Márcia da Costa Barbosa, 46 anos, mãe de outros dois filhos de oito e 12 anos, moradora da Restinga, na Zona Sul de Porto Alegre.

Ela é mais uma entre muitas mães que choram a perda dos filhos assassinados brutalmente. Márcia sente-se culpada por não ter conseguido salvar o filho, embora tenha lutado por ele desde que o adotou, aos três meses de vida. Criada por uma família de coração, ela conhece bem a dor do abandono. Por isso, estava disposta a suprir a falta da família biológica oferecendo-lhe um novo lar.

Márcia da Costa Barbosa pediu ajuda ao Conselho Tutelar, à Defensoria Pública e à Justiça

– Eu perdi a guerra para o tráfico. Eu perdi o meu filho para as drogas. Ninguém me fala nada, mas eu imagino que ele estivesse devendo, pois quem não deve não morre assim. Eu pergunto: 'Por que cinco tiros?'. São cinco tiros sem respostas. Será que essa pessoa dorme? Porque eu não consigo dormir, fico imaginando quantas horas ele ficou lá, atirado no chão – diz a mãe.

Aos dois anos Tallysom já dava sinais do temperamento forte. Desde pequeno, brigava com os colegas na escola. Márcia procurou tratamento psicológico, terapia e apoio dos irmãos da igreja.

Fuga aos 14

No início da adolescência, aos 12 anos, Tallysom começou a fumar cigarro, para o desespero de Márcia. Apesar do embarque precoce no vício, o garoto ainda frequentava as aulas e participava de atividades extracurriculares no contraturno.

Aos 14, fugiu pela primeira vez. As escapadas tornaram-se frequentes até a mais longa delas, em novembro de 2014. Foi encontrado pela mãe quatro meses depois, em uma boca de fumo. Nesta época, ficou mais de um ano afastado dos estudos.

– Eu o encontrei trabalhando de gerente numa boca. Ele voltou pra casa só com a roupa do corpo. Ficou devendo R$ 500, mas eu paguei. Pedi ajuda ao Conselho Tutelar, ao Ministério Público, à Assistência Social. Eu queria tirar ele daquela vida, mas não tinha ninguém para dizer: "Vamos fazê-lo voltar à vida, vamos mostrar que ele é importante".

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Vida ameaçada

No ano passado, aos 15 anos, Tallysom revelou à mãe que os "inimigos do tráfico" não permitiam mais a presença dele na Restinga. Preocupada com a segurança do filho, pediu acolhimento ao padrinho, ao avô e à Justiça. Diante das negativas, resolveu alugar uma casa para ele no Lami e tentou emancipá-lo. Equipou a moradia com móveis, pagava as contas e abastecia a geladeira com comida.

– Como eu ia vender minha casa aqui, onde moraria com todos eles? Ao mesmo tempo que eu estava lá cuidando dele nessa preocupação toda, eu tinha mais dois aqui para cuidar.

Na semana anterior ao assassinato, a Escola Estadual Oscar Coelho de Souza pediu a transferência de Tallysom para a Escola Estadual Nehyta Martins Ramos, no Bairro Belém Novo. O garoto havia retomado os estudos em fevereiro, na turma do 9º ano do Ensino Fundamental.

Na sexta-feira, 8 de abril, Tallysom teria sido convidado a se retirar da escola, pois a transferência já havia sido confirmada. Márcia acredita que a solicitação foi feita após o filho ter sido flagrado fumando cigarro dentro da unidade.

– Expliquei pra ele que na terça-feira eu iria no Nehyta fazer a matrícula, só que ele morreu na segunda.

"Me perdoa"

Tallysom foi assassinado com cinco tiros, na madrugada de 11 de abril, na Rua Luiz Correa da Silva, no Bairro Lami. "Hemorragia e desorganização encefálicas, ação de projéteis de arma de fogo no crânio. Tipo de morte: violenta" é a causa da morte descrita na certidão de óbito.

– No velório eu dizia pra ele: "Me perdoa por tudo o que não consegui fazer". Fico pensando se não fui eu que deixei de dar as coisas e ele foi buscar lá fora? Eles (os filhos) olham uma corrente, um tênis, um telefone e pedem pra mim. Não posso, tenho que dar uma coisa pra um e para o outro igual. Mas a droga dá – indigna-se Márcia.

Vendedora autônoma, ela reflete sobre tudo que passou com Tallysom.

– Ele dizia: "Mãe, o que eu ganhava num mês no banco eu ganho numa noite que eu trabalhar na boca". Eu acho que deveriam pegar a foto do meu filho e mostrar quantos tiros ele tomou e dizer: "Esse aqui foi mais um que quis comprar um tênis muito caro, que foi lá vender (droga) achando que estava "trabalhando".

E pensa nas outras mães.

– Todo dia eu fico sabendo que mais uma mãe perdeu um filho. Não sou a única nessa dor. Todo mundo sabe disso e ninguém faz nada. Eu acho que todo mundo abandona. Mas o problema não é deles, é meu.

Investigação

O inquérito policial do caso está sob a responsabilidade da 4ª Delegacia de Homicídios. De acordo com o delegado Rodrigo Pohlmann, testemunhas estão sendo ouvidas. Um das hipóteses para a motivação do crime é a relação com o tráfico de drogas.

Informações dão conta de que Tallysom teria deixado de atuar em uma "boca de fumo" na Restinga e teria aderido à outra no Lami. A atitude teria sido encarada como traição.

Transferência de escola

A diretora da Escola Oscar Coelho de Souza, Soraia dos Santos Siviero, lembra de Tallysom como um menino alegre e comunicativo nos dias em que estava bem. Nas semanas anteriores ao assassinato, o garoto andava cabisbaixo e preocupado. Tallysom contou à coordenadora pedagógica que estava sendo perseguido e jurado de morte. Um carro preto foi visto rondando a escola.

A diretora garante que a transferência não foi uma tentativa de livrar-se do aluno. Segundo Soraia, na Escola Nehyta Martins Ramos existe uma espécie de supletivo semestral. Lá, ele poderia terminar o 9º ano até junho e retornar ao Oscar Coelho já no segundo grau, no período noturno. Se ele estudasse à noite, acredita, poderia ocupar o dia com um curso profissionalizante.

– A morte dele foi um choque para nós e os alunos. A gente tentou resgatá-lo. Não sei nem se estávamos preparados para isso, quando percebemos que realmente estavam procurando por ele nós nos assustamos, mas não deu tempo de agir – lamenta.

Mãe procurou ajuda

A Defensoria Pública confirmou que Márcia pediu acolhimento do filho em um abrigo na tentativa de garantir proteção. A defensoria entrou com uma ação para atender o pedido da mãe. O órgão não soube informar qual foi o resultado da ação, pois o processo está no Fórum. Como trata-se de adolescente, é segredo de Justiça. Segundo a mãe, o acolhimento nunca aconteceu.

Márcia também pediu amparo ao Conselho Tutelar. A conselheira Jurema Alves disse que o órgão aplicou as medidas necessárias. A conselheira não revelou à reportagem quais medidas foram essas com a justificativa de que o procedimento é sigiloso. Apenas limitou-se a dizer que faltam políticas públicas para amparar as famílias da periferia e que o bairro carece de assistência do Estado.

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