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Na escola

Alunos escrevem cartinhas para pais de amigo vítima de bala perdida

Kauã Machado Tavares Nieto, 10 anos, era um aluno exemplar na Escola Estadual Professora Branca Diva Pereira. Morte violenta abalou as crianças que puderam manifestar sentimentos em sala de aula

25/05/2016 - 08h03min

Atualizada em: 25/05/2016 - 08h05min


Schirlei Alves
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– Olá senhor Paulo Ricardo e senhora Viviane. Prezada família, eu fui colega do Kauã por dois anos e meio. O Kauã era um menino bom, estudioso, animado, legal e inteligente. Eu sei o que vocês estão sentindo, chorei muito quando eu soube da notícia. Mas, agora ele está do lado do nosso maior pai, Deus... Que Deus cuide dele e e de sua família, ele foi e sempre será o meu amigão Kauã.

A mensagem é um trecho de uma carta escrita por um dos alunos do 5º ano da Escola Estadual Professora Branca Diva Pereira de Souza, no Bairro São Geraldo, que estudava com o pequeno Kauã Machado Tavares Nieto, 10 anos, morto por bala perdida na noite da última sexta-feira, no Bairro Vila Farrapos, Zona Norte de Porto Alegre.

Esta foi a forma que a professora Loreni Engelmann encontrou para falar sobre o assunto com as crianças que chegaram cabisbaixas na escola ontem. Algumas ainda choravam a morte precoce do colega. Foi o primeiro dia de aula após a tragédia, já que a escola suspendeu as atividades na segunda-feira em luto e respeito à família.

Kauã jogava bola com o pai, Paulo Ricardo Machado Nieto, 37, na praça do Loteamento Tresmaiense, quando foi atingido com um tiro no peito. Um dos disparos também atingiu o pé de Paulo. Outro homem de 26 anos que estava sentado na praça e seria o alvo também foi baleado. Ele continua internado no hospital.

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Pai pediu para avisarem a professora

Mesmo abalado e com o pé sangrando por causa do ferimento, Paulo procurou a escola no sábado para avisar a professora sobre a morte do filho, pois o menino tinha muito apreço por ela.

_ Quando cheguei no velório, o pai me abraçou e disse: "Professora, todo dia ele falava bem de ti" _ recordou emotiva.

Ao ser questionada pelos alunos, a professora entendeu que aquele seria o momento de aliviar a dor dos alunos e permitir que eles externassem os sentimentos. Ela e outras profissionais da escola conversaram por quase uma hora com a turma e fizeram uma oração. Em seguida, a professora propôs aos alunos que escrevessem uma cartinha aos pais.

– Eles estão muito tristes. A morte é uma situação que a gente não espera. É um assunto difícil de lidar porque vemos a violência, mas lá fora. Não vemos junto da gente. E não vemos nada sendo feito para diminuí-la. Os bandidos estão aí cada vez mais armados e as pessoas boas estão morrendo.

Zelo familiar era exemplo

A professora Loreni e a vice-diretora Nadir Ferrari, fizeram uma ressalva ao caso do Kauã. Segundo as profissionais, o aluno tinha o privilégio de viver alheio à violência _ realidade diferente de outros alunos _ por causa do zelo da família.

– O Kauã não tinha vivência de rua, os pais eram muito cuidadosos. Tratavam ele com muito carinho e ele transmitia esse carinho. A gente percebe quando os pais são presentes pela atitude de cada criança – destacou Loreni.

A vice-diretora lembra dos cuidados da família pela forma como ele chegava na escola. O pai o buscava no projeto social da Legião da Boa Vontade (LBV) perto do meio-dia, o levava em casa para almoçar e tomar banho e o acompanhava até a escola no período da tarde.

– Ele vinha todo cheiroso, arrumadinho, de gel no cabelo. Ele era um menino encantador, sempre queria ajudar o outro, tinha um sorriso bonito e gostava muito de bola. Vou levar isso comigo.

No dia da morte, ele praticava o esporte que mais gostava na companhia do pai que era o seu melhor amigo. Estava ansioso para ganhar o uniforme igual ao do pai, que joga em um time amador.

– A camisa chegou esta semana. Não tenho o que falar, sem palavras. Espero que ele (autor dos disparos) seja preso – lamentou o pai.

Investigação

A polícia acredita que os tiros seriam para o homem de 26 anos que foi baleado e está internado no hospital. Ele estava sentado em um banco do campinho em que Paulo Ricardo jogava futebol com o filho.

De acordo com o delegado Adriano Melgaço, a suspeita é de que trata-se de acerto de contas, possivelmente por causa do tráfico. O homem alvo dos disparos não tinha antecedentes criminais.

Testemunhas estão sendo ouvidas ao longo da semana. A polícia também procura imagens de câmeras nas redondezas que possam ajudar a identificar o suspeito.

Como tratar sobre a violência no ambiente escolar

A psicóloga e professora da Unisinos, Denise Falcke, avaliou positivamente a atitude da professora Loreni. Se o assunto não for trabalhado com as crianças acaba gerando fantasias e dificultando a elaboração da perda, avalia. A partir do caso do Kauã, a psicóloga faz alguns apontamentos que podem ajudar os profissionais da educação a trabalharem a questão da violência dentro de sala.

– É importante ter um profissional especializado para acolher o que os alunos trouxerem de sentimento, angústia e medo.
– É preciso dar espaço para que elas tirem dúvidas, transmitam o que estão sentindo e digam como viveram aquela situação.
– Após ouvi-las, é preciso tentar dar um sentido para o que aconteceu, por mais difícil que seja.
– As escolas podem focar em programas que previnam a violência e trabalhem o bullying, as habilidades socioemocionais, estratégias de resolução de conflito e o reconhecimento das próprias emoções.



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