Polícia



Entrevista

"O que aconteceu comigo é reflexo da sociedade em que vivemos", desabafa esgrimista baleada

Mariana Däffner levou um tiro no braço esquerdo em assalto no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, há uma semana

27/05/2016 - 16h54min

Atualizada em: 27/05/2016 - 16h56min


Débora Ely
Débora Ely
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Um esgrimista com o braço ferido é um boxeador com a mão quebrada, um centroavante com a perna torcida. Porque o machucado lhe tira a possibilidade de empunhar um florete e, como consequência, de praticar o esporte.

Foi o que aconteceu com a esgrimista Mariana Däffner, 22 anos. Um tiro no braço esquerdo prolongou o afastamento da jovem da modalidade que já lhe rendeu dezenas de medalhas em competições nacionais e internacionais.

Atleta do Esporte Clube Pinheiros, em São Paulo, Mariana se preparava para voltar aos treinos no próximo mês. Ela estava há quase um ano parada em função de uma torção no pé, mas o ferimento fruto da criminalidade prorrogou o retorno.

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Ela havia recém estacionado o Sandero da família no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, e recolhia alguns pertences para o porta-malas. O objetivo era evitar um eventual furto, mas os segundos a mais no carro acabaram por facilitar um crime mais grave. Um assalto à mão armada.

Dois homens a abordaram, mas Mariana, tomada pelo nervosismo, não encontrou a chave do carro para lhes entregar. A dupla desistiu do crime, mas não sem antes disparar um tiro contra a jovem.

Apesar do trauma, Mariana considera o ocorrido um reflexo da sociedade atual e se vê até como uma sortuda. O projétil atingiu o braço de apoio, responsável por auxiliá-la na impulsão nos deslocamentos da esgrima, e não o que segura o florete.

Depois de passar por duas cirurgias, a esgrimista teve alta na última quarta-feira. Nos próximos dias, ela deve ser ouvida pela 2ª Delegacia de Polícia de Porto Alegre. Ainda não há identificação dos suspeitos do crime.

"Tento pensar que poderia ter sido com qualquer um", diz Mariana

Como aconteceu o assalto?

Sou estudante de Gastronomia e faço estágio no Press Café, no Praia de Belas Shopping. Naquele dia, tinha pego o carro dos meus pais para ir ao trabalho. Estacionei perto do shopping e tinha de guardar algumas coisas no porta-malas, justamente para não deixar à vista e ocasionar um assalto – acabou que ocasionou outro. Estava cobrindo as coisas no porta-malas quando apareceram dois homens, que anunciaram um assalto. Eles pediram pela chave do carro e eu entrei em pânico. Não sabia o que fazer, congelei. Comecei a procurar pela chave nos bolsos, mas não a encontrava. Eles estavam armados e me ameaçavam, diziam para eu não gritar. Eu não achava a chave para entregar e comecei a gritar. Nesse momento, eles procuraram a chave, não a acharam, levaram meu celular e foram embora. Na fuga, um dos caras atirou. O tiro atravessou o meu braço e passou de raspão na minha barriga. Gritei por socorro, algumas pessoas vieram me socorrer e encontraram a chave. Estava no porta-malas mesmo.

Então, o bandido atirou no momento em que já estava fugindo.

Sim, o que me deixa ainda mais estarrecida. Vi a arma do lado da minha barriga, ele podia ter atirado no momento em que me ameaçava, mas, quando "desistiu" do assalto, ouvi o estouro e senti o tiro no braço.

Você se sente mais insegura depois do ocorrido?

Não. Tento pensar que poderia ter sido com qualquer um, a qualquer momento... Era de manhã, ao lado de um shopping.

Trata-se de uma situação traumática para qualquer um, mas, para uma esgrimista, há um significado ainda mais doloroso?

Eu estava no fim de um processo de recuperação, pensando em voltar para uma sala de esgrima e, de repente, aconteceu isso. Vi como um sinal de que ainda tenho tempo e preciso cuidar mais de mim. Talvez seja uma mensagem dizendo: "Você tem muita sorte, menina". Tento ver o lado positivo para me manter, porque, se pensar que estava me recuperando, voltaria a competir e levei um tiro... Acho que eu não superaria. Sobrevivi, fiz uma cirurgia, em duas semanas estarei movimentando a mão. O tiro atingiu a mão esquerda e eu luto com a direita. Tento ver a questão da sorte, porque é muito difícil lidar com o que realmente aconteceu.

Você teve de passar por duas cirurgias em função do tiro, certo?

Sim. No HPS (Hospital de Pronto Socorro), recebi os primeiros socorros para amenizar a dor e tirar os estilhaços da bala, que atravessou totalmente o osso do rádio. Depois, fui transferida para a Santa Casa, e o médico sugeriu que eu me operasse de novo para ver o que aconteceu de fato com a minha mão e colocar uma placa de titânio para estabilizar, porque a recuperação seria muito mais rápida. Essa segunda cirurgia foi muito dolorosa, nunca havia sentido uma dor assim. Foi colocada uma haste e 10 parafusos. Na quarta-feira, finalmente, tive alta e, com muita dor, voltei para casa.

Como os médicos preveem a sua recuperação?

Em duas semanas devo retirar a tala, colocar uma munhequeira ortopédica e começar a fazer fisioterapia por umas duas semanas. Assim que recuperar o movimento, estou liberada.

E voltar a treinar?

Acredito que eu volte a treinar em julho e, no final de setembro, retorne às competições em um torneio nacional, em São Paulo.

Qual a sensação que fica desse episódio?

De descrença, de não acreditar que aconteceu comigo. Só me dei conta que havia sido assaltada e levado um tiro quando estava no carro da Brigada Militar e olhei para a minha mão. Tento não pensar na questão da criminalidade, da impotência e da vulnerabilidade que temos como cidadãos. Tento pensar na sorte que tive no meio desse episódio de total azar.

Você diria alguma coisa aos rapazes que lhe assaltaram?

Só consigo pensar em desculpas. Eu sinto muito, porque, infelizmente, o que aconteceu comigo é reflexo da sociedade em que vivemos.

Você gostaria de pedir desculpas a eles?

Sim.

Por quê?

Porque assim como fui vítima, eles são vítimas de tudo que vivemos hoje. É muito frustrante passar por uma situação como essa e ver que as pessoas se colocam nessas posições para sobreviver.

Você não sente raiva, então.

Não.

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