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Possível transferência de presos para cadeias no interior do Rio Grande do Sul gera polêmica

Remoção de quadrilheiros de alta periculosidade para presídios de cidades menores se torna motivo de preocupação para autoridades e especialista em segurança

21/05/2016 - 03h18min

Atualizada em: 21/05/2016 - 03h19min


José Luís Costa
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Cela do Palácio da Polícia, em abril deste ano, estava abarrotada de presos, o que é proibido

A crise nas cadeias da Região Metropolitana tende a mudar o mapa da insegurança no Rio Grande do Sul. Quadrilheiros de alta periculosidade ligados a facções que deveriam cumprir pena no Presídio Central de Porto Alegre e no complexo prisional de Charqueadas, que abrange pelo menos 10 cadeias, poderão ser transferidos para o Interior, disseminando "tecnologia" do crime organizado entre apenados de comunidades com índices de violência muito abaixo das grandes cidades. A medida provoca apreensão entre prefeitos e em especialistas em segurança.

A possibilidade de movimentar esses bandidos para longe da Capital foi uma alternativa encontrada na última semana pelo Tribunal de Justiça do Estado (TJ) para atenuar uma irregularidade que virou moda desde o ano passado, alvo de uma ação do Ministério Público: a permanência de presos em delegacias da Polícia Civil de Porto Alegre e municípios vizinhos. A anomalia é fruto da falta de vagas em cadeias da região e a proibição de ingresso de criminosos condenados no Presídio Central da Capital – onde desde 1995 só é permitida entrada de presos provisórios ou primários, mas, em alguns momentos, ocorreram concessões que levaram à superlotação.

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O colapso prisional é uma consequência da penúria financeira que abate o Estado e o impede de investir na construção de presídios. Há mais de seis anos, autoridades prometem resolver o problema com a abertura de quatro penitenciárias em Canoas com capacidade para 2,8 mil vagas. Mas apenas a Penitenciária Canoas 1, com espaço para 393 apenados, está em funcionamento – foi inaugurada em março, enquanto as demais devem ficar prontas no final do ano. A nova cadeia ainda tem 70 vagas disponíveis, que serão ocupadas nos próximos dias. Depois, não restarão alternativas.

Policiamento precário e falta de planejamento

A possibilidade de levar presos da Capital para o Interior assusta a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), que já pensa em marcar uma audiência com a Secretaria da Segurança Pública para discutir o assunto.

– É grande a preocupação com segurança. O policiamento é precário e enfrentamos crimes como abigeato, explosões de bancos e ataques de quadrilhas que tomam comunidades inteiras como reféns –

lembra o presidente da entidade, Luiz Carlos Folador (PT), prefeito de Candiota.

Uma das cidades previstas para abrigar presos da Capital é Venâncio Aires. A penitenciária local foi inaugurada em abril do ano passado para detentos do Vale do Rio Pardo, mas isso deve mudar, para desgosto do prefeito Airton Artus (PDT).

– É uma falta de planejamento e de compromisso. Idealizamos a penitenciária para atender à necessidade da região, inclusive com projeto de implantar um distrito industrial ao lado da cadeia com empresas aproveitando mão de obra prisional – lamenta Artus, que, em 201O, em uma iniciativa singular, aceitou a construção da penitenciária em troca do fim de uma colônia penal onde apenados do semiaberto atormentavam a vizinhança.

Contaminação de crimes, diz sociólogo

Santa Maria é outra cidade com vagas e que pode receber apenados da Capital. O prefeito Cezar Schirmer (PMDB) estranhou a notícia.

– Tem alguma coisa errada. Estão trazendo presos de Porto Alegre para Santa Maria e levando policiais de Santa Maria para Porto Alegre – espantou-se.

Segundo a assessoria da prefeitura, em 2015, foram removidos da cidade 66 PMs e 10 viaturas para atuar em operações como a Golfinho, mas retornaram 16 policiais e quatro viaturas.

O sociólogo Juan Mario Fandino reconhece a gravidade da crise nas cadeias da Região Metropolitana, mas alerta para riscos da contaminação de crimes nas pequenas cidades, uma espécie de fenômeno inverso ao que acontece com a saúde pública – com romaria de enfermos do Interior para a Capital –, porém, levando uma doença contagiosa que pode deflagrar conflitos por domínio de cadeias, mais assaltos e mortes e guerras por bocas de fumo.

– Até então, as organizações criminosas fazem incursões pelas comunidades, que depois ficam em paz por algum tempo. Agora, com a possível injeção na marra nas veias do Interior, a reserva moral das pequenas cidades ficará ameaçada – observa o sociólogo e pesquisador.

Risco maior é deixar os detidos em delegacias, afirma promotor

Autor da ação que determinou a decisão do TJ, o promotor Marcos Centeno ressalta que a presença de presos em delegacias da Polícia Civil é ilegal e insustentável – em abril, 60 apenados estavam em DPs da Grande Porto Alegre.

– Pior do que mandar presos para o Interior, é eles ficarem em celas de delegacias, sem comida, sem banho, misturados com outras facções. Há risco de motins, inclusive para policiais e pessoas que procuram atendimento nas DPs. Por sorte isso não aconteceu, mas é questão de tempo – afirma Centeno.

Conforme o promotor, o Estado terá de avaliar critérios de transferências. Para ele, é possível evitar que presos perigosos sejam levados para o Interior, remanejando outro apenado que já está na cadeia.

Magistrados da Vara de Execuções Criminais da Capital evitaram falar sobre o assunto. Em sua página no Facebook, o juiz Sidinei Brzuska escreveu: "um dos problemas de levar os presos da Região Metropolitana, que aguardam vagas nas delegacias de polícia, para o Interior, é que, com eles vão, as facções".

Para o chefe da Polícia Civil, Emerson Wendt, é prematura qualquer avaliação neste momento sobre riscos à segurança no Interior:

– É importante resolver o problema nas delegacias sem permitir que presos fiquem soltos nas ruas.


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