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Serra Gaúcha

Revista íntima, comida vencida e choque: jovens denunciam abusos em abrigo de Caxias

Justiça determinou a troca da equipe técnica e da coordenação da casa de acolhimento após relatos do Conselho Tutelar e Ministério Público

19/05/2016 - 19h51min

Atualizada em: 20/05/2016 - 09h16min


Mauricio Tonetto
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Charles Segat / Arte Pioneiro
O nome da instituição não será divulgado para respeitar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

Retirados das próprias residências por decisão da Justiça, depois de sofrerem algum tipo de violência cometida pelos pais ou responsáveis, mais de dez adolescentes denunciaram ser vítimas de abusos em uma casa de acolhimento em Caxias do Sul. O nome da instituição não será divulgado para respeitar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Conforme os jovens, eles seriam submetidos a revistas íntimas, teriam de comer alimentos vencidos e, se descumprissem horários determinados, passavam a noite na rua. Em uma ocasião, um deles foi contido com arma de choque depois de se negar a entregar o aparelho celular e discutir com um educador.

Os relatos dos maus tratos chegaram ao conhecimento do Conselho Tutelar da cidade pelo Disque 100. Em vistoria no dia 14 de abril, os conselheiros flagraram que havia comida com prazo de validade vencido, e conversaram com cada um dos internos. Também procuraram outros adolescentes que evadiram do local, e constataram que todos os depoimentos coincidiam. Moradores vizinhos à casa disseram ser comuns gritos durante a noite.

O Ministério Público (MP) foi acionado, e o Juizado da Infância e Juventude de Caxias determinou a demissão da equipe técnica e da coordenação do abrigo. Eles devem responder processo criminal, segundo o MP.

– É um lugar de proteção a jovens que já sofrem violência em casa. É muito grave. O limite não é a agressão, e sim regras estabelecidas pedagogicamente. Era tudo, menos um abrigo para proteção – afirma Rosane Formolo, coordenadora do Conselho Tutelar Sul de Caxias.

Convênio de R$ 82 mil por mês

Após as denúncias, os acolhidos foram levados provisoriamente para outro local e retornaram cinco dias depois, sob a tutela de novos profissionais e o comprometimento de mudanças por parte da instituição, que recebe R$ 82 mil mensais da prefeitura do município.

A Fundação de Assistência Social (FAS), uma das responsáveis pela fiscalização desse tipo de estabelecimento, confirmou a situação. De acordo com o órgão, as vistorias eram regulares, o que é questionado pelo conselheiro tutelar Paulo Inda:

– No momento em que é repassado uma verba dessas para o abrigo se manter com comida e estrutura adequadas, tem de se averiguar o que ocorria. Ficamos pensando: desde quando isso estaria acontecendo?

"Obrigam a tirar a roupa à força"

Nos depoimentos, os adolescentes falaram ainda de outros tipos de constrangimentos, como a proibição de ingressar nos próprios quartos sem autorização, a falta de itens básicos para o banho e o impedimento de jogar futebol. Além disso, relataram que não podiam utilizar facas e comer frutas porque não teriam capacidade – a alegação é que poderiam brigar entre si. Em carta enviada para o Conselho Tutelar, anexada ao processo, uma menina escreveu que não aguentava mais as revistas íntimas:

"É uma vergonha ter que estar se pelando. Coisa que é uma humilhação. Eu quero ir para o meu irmão. Eu não sei o porquê dessa revista íntima. Eles obrigam nós a tirar a roupa à força para ver se não tem drogas. Ameaçam dizendo que se a gente não tirar a roupa, eles chamam a Guarda Municipal. Eles revisam nossos guarda-roupas e atiram tudo pro chão. Levantam nossas camas pra cima e deixam tudo desarrumado. A comida é pouca, não tem repetições. Esses dias a comida veio com cheiro (ruim) e gosto de estragado. Peço que não venham atrás e peço que devolvam a guarda provisória e que deixem a minha mãe ir pegar minhas roupas."

– Nos sentimos frustrados e indignados. Eles estavam refletindo nas suas ações a forma com que eram tratados: com revolta. É um trauma que não precisavam passar – lamenta Rosane Formolo.

O Pioneiro entrou em contato com a instituição denunciada, que negou os fatos. Em caso de reincidência, o contrato com a prefeitura pode ser rompido.


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