Polícia



Precariedade

Estrutura escassa para atender vítimas de estupro no RS

Caso de violência sexual no Rio reacende o debate sobre a precariedade no auxílio a mulheres que sofreram violência sexual no Estado

01/06/2016 - 02h00min

Atualizada em: 01/06/2016 - 08h43min


Adriana Irion
Adriana Irion
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Sala Lilás funciona no DML, em Porto Alegre, e em outras 11 cidades

Há cerca de um ano, suspeitas de mau atendimento de uma vítima de estupro pela polícia e pela perícia motivaram debate em torno dos procedimentos de proteção à mulher em Porto Alegre, situação semelhante ao que tem ocorrido no caso do violência sexual de 33 homens contra uma adolescente no Rio de Janeiro.

À época, as reclamações da vítima atacada no Parque da Redenção resultaram em abertura de sindicância pela polícia e mobilização da Câmara de Vereadores. Um ano depois, o cenário para esse tipo de atendimento não apresenta melhora em termos estruturais.

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Na Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), local em que a vítima disse não ter recebido o atendimento apropriado, o efetivo diminuiu. Em 2015, o plantão era feito por duplas de policiais, sempre uma mulher e um homem. Agora, há apenas um policial plantonista em turnos de 12 horas.

No caso da Redenção, a jovem relatou nas redes sociais ter sido desestimulada a registrar o fato. Reclamou da sala sem privacidade e de não ter atendimento exclusivo, já que um dos plantonistas interrompia o registro para atender ao telefone da delegacia.

– O problema na Deam não são os policiais, é a falta de estrutura e de pessoal. Na sindicância, não se encontrou falha no atendimento dos policiais. Havia uma dupla. O policial ouviu o relato e encaminhou a vítima para fazer o registro com a colega mulher. E essa policial tem mestrado em Direitos Humanos e é militante feminista. O problema é a estrutura. Eles precisam atender ao telefone, a sala não é fechada até o teto, dá para ouvir o que se fala – explica a delegada Laura Rodrigues Lopes, que era da Deam e conduziu a sindicância.

A vereadora Fernanda Melchionna (PSOL), que presidia ano passado a Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana da Câmara, avalia que a situação só piorou. O órgão fez auditoria no sistema de proteção e detectou falhas no atendimento e sucateamento. O relatório foi apresentado em maio de 2015 com recomendações a órgãos públicos.

– Em outubro, fizemos nova audiência pública e tudo tinha piorado. Queríamos atendimento psicossocial na delegacia. Teve um tempo e acabou – defende a parlamentar.

Quanto a outro debate que surgiu no Rio, o fato de a vítima ter ficado constrangida no interrogatório feito por um delegado homem, a delegada Claudia Crusius, coordenadora das delegacias da mulher no Estado, afirma:

– É um contrassenso ter apenas mulheres atendendo, se pregamos que todos têm de agir para que a violência contra a mulher não ocorra. O policial tem de saber atender a pessoa que está com emocional fragilizado, isso tem de ser inerente ao servidor, independente de ser homem ou mulher.

Profissional é quem faz a diferença

Se o caso de estupro coletivo do Rio de Janeiro tivesse ocorrido em Porto Alegre, a vítima, por ter menos de 18 anos, teria sido encaminhada para o Centro de Referência no Atendimento Infanto-Juvenil (Crai) do Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas.

O serviço é responsável por dar às vítimas crianças e adolescentes atendimento médico, psicológico e social e por realizar os exames necessários para a investigação e a produção de provas. Tudo em um único local, o que é considerado um modelo ideal de atendimento.

Casos mais graves ocorridos no Interior também são encaminhados para o centro de referência, onde atuam médicos, peritos e policiais. Para a psicóloga e coordenadora da equipe de saúde do Crai, Eliane Soares, os bons resultados no serviço ocorrem por causa da integração entre áreas de saúde e de segurança pública.

Eliane também destaca que a experiência do Crai mostra que a questão de gênero não interfere nos atendimentos:

– O que faz a diferença é o perfil do profissional, é ter sensibilidade e paciência.

Existe um projeto em andamento para ampliação do atendimento do Crai também para vítimas maiores de 18 anos. Com verba do Tribunal de Justiça, o plano é reformar o andar térreo do Presidente Vargas. O custo estimado da obra é de R$ 2 milhões.

– É um projeto antigo do Departamento Médico Legal. Assim que houver recomposição do quadro de servidores, a ideia é reproduzir o modelo para outras cidades, evitando que crianças se desloquem por longas distâncias – explica o diretor do DML, Luciano Haas.

Como funciona o atendimento

Vítimas com menos de 18 anos

Polícia Civil
– A ocorrência pode ser registrada em qualquer delegacia, mas no caso de Porto Alegre e de outras 13 cidades do Interior a investigação será feita pela Delegacia da Criança e Adolescente Vítima.

– Em 2015, por meio de convênio com o Tribunal de Justiça, houve curso de capacitação de profissionais da Capital e das 13 cidades para lidar com crianças e adolescentes vítimas de violência.

– Está em andamento licitação para a aquisição dos equipamentos que faltam para a instalação da Sala de Depoimento Especial, que é um local destinado a ouvir vítimas, mais preservado e onde os depoimentos são gravados.

Atendimento de Saúde e pericial
– Na Capital, a vítima será encaminhada para o Centro de Referência no Atendimento Infanto-Juvenil (CRAI) do Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas. Dependendo da gravidade do caso e das condições de deslocamento da vítima, casos do Interior também podem ser direcionados ao Crai.

– No centro de referência a vítima receberá atendimento médico, psicológico e social. São feitas medidas de profilaxia, a fim de prevenir e evitar doenças, é avaliada a extensão do trauma psicológico e feitas indicações terapêuticas e também é realizado acompanhamento social, em que o assistente social falará com familiares ou conselheiros tutelares para avaliar eventuais vulnerabilidades da vítima.

– Estrutura de atendimento médico do Crai: duas pediatras mulheres e um ginecologista homem.

– A partir do registro policial, que também pode ser feito no Crai em horário de expediente, são solicitadas perícias, também feitas no centro de referência.

– Uma delas é a perícia física, que procura vestígios de violência sexual. A outra é a perícia psiquíca, que tem dois momentos: primeiro é feito o testemunho infanto-juvenil com base em técnicas investigativas e levando em conta protocolos internacionais. Num segundo momento é feita avaliação psiquíca, que é o exame do estado mental da vítima. São buscados sinais e sintomas de sofrimento e verificado se podem estar relacionados a eventual abuso.

– Estrutura para perícias físicas: três peritos em sexologia forense (dois homens e uma mulher).

– Estrutura para perícias psiquícas: três peritos psicólogos e três peritos psiquiatras.

Vítimas maiores de idade

Polícia Civil
– A ocorrência pode ser registrada em qualquer delegacia da Polícia Civil. A partir do registro, a vítima será encaminhada para fazer perícia de violência sexual. O quanto antes for feita, ou seja, mais perto da ocorrência da agressão, melhor.

– Em Porto Alegre e outras 22 cidades, a investigação desses casos ficará a cargo de delegacias especializadas do atendimento à mulher.

_ Na Capital, a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) fica no Palácio da Polícia. Funciona 24 horas. Tem 28 agentes e duas delegadas. Destes 28, oito policiais se revezam no plantão, ou seja, no setor responsável por fazer a ocorrência e ouvir a vítima.

– Conforme a delegada Cláudia Crusius, o registro é feito em uma sala separada, com privacidade. A partir da situação relatada, são feitos encaminhamentos, como pedido de perícia, solicitação à Justiça de medida protetiva em caso de violência doméstica e outros.

– Não há psicólogos ou assistentes sociais disponíveis para o atendimento de vítimas.

Atendimento pericial
– Na Capital, a perícia é feita no Departamento Médico Legal, que funciona junto ao Palácio da Polícia.

– Em horário comercial (das 8h às 20h), as vítimas são recepcionadas na Sala Lilás, onde tem atendimento de assistente social e psicólogo, e onde aguardam a perícia física, que é feita por peritos plantonistas


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