Polícia



Assassinados dentro de casa

"Mandaram entrar no quarto e fecharam a porta", diz mãe que teve filhos mortos com mais de 100 tiros

Mãe de filhos mortos no final de maio, em Canoas, não consegue levantar da cama desde o dia do crime. Polícia ainda busca suspeitos 

13/06/2016 - 07h14min

Atualizada em: 13/06/2016 - 11h42min


Schirlei Alves
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Mara chora pela morte dos filhos e é consolada pela filha Luciane (ao fundo)

Pouco antes de o sol nascer, no 28 de maio, a casa da dona Mara Rosangela Gomes da Silva, 51 anos, no bairro Guajuviras, em Canoas, foi invadida por dois homens armados, com uniformes similares ao de policiais, e com toucas-ninja.

Eles assassinaram dois filhos dos nove filhos dela _ Felipe Fomes da Silva, 17, e Eleandro Silva dos Santos, 28 _ com mais de 100 tiros.

Ainda que as manchas de sangue tenham sido removidas, as marcas de tiros permanecem vivas nas perfurações provocados pelas balas nas paredes e nas portas. As marcas também ficaram no semblante da família.

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– Eles chegaram derrubando tudo, batendo porta e dizendo que eram da polícia. Eu pulei na frente deles, mas me mandaram entrar no quarto e fecharam a porta. Eu me agachei com minha neta no canto. Os tiros não silenciavam. Eu berrava, chorava, pedia "pelo amor de Deus". Quando acabou, abri a porta e dei de cara com meus filhos mortos.

Justamente naquela noite, Mara dormia com a netinha de nove anos. A pequena tentou acalmá-la acreditando que os intrusos seriam mesmo da polícia. "Vó, é a polícia", teria dito a pequena.

A partir daquele dia, Mara não conseguiu mais levantar da cama. Toma remédios para dormir e recorre ao cigarro para aplacar a dor.

Quarto de um dos filhos assassinados

Por engano

Para a polícia, o alvo seria o caçula que teria envolvimento com o tráfico. Ele já havia escapado de outras duas tentativas. O irmão mais velho teria sido morto por abrir a janela quando os criminosos arrombaram o portão. Eleandro foi alvejado ali mesmo, com cerca de 40 disparos. Os outros 60 tiros cobriram o corpo do adolescente, dentro do quarto onde dormia.

A mãe não acredita que Felipe tivesse envolvimento direto com o tráfico. Mas sabia que o garoto enfrentava problemas com desafetos. As ameaças teriam iniciado depois que Felipe saiu da Fase, onde cumpriu medida socioeducativa.

Embora temesse pela vida do caçula, Mara não imaginava que os rivais teriam a audácia de matar o outro filho. Eleandro não tinha antecedentes criminais, trabalhava desde os 15 anos e provia o sustento do lar.

Eleandro e Felipe

Lembranças

A penca de medalhas conquistadas por Felipe em campeonatos de futebol pendurada na parede do quarto dela e as almofadas decoradas por ele em atividades desenvolvidas dentro da Fase, representam a tentativa frustrada de salvar o filho caçula.

As fotos de Eleandro espalhadas sobre a cama reforçam a indignação pela morte ao mesmo tempo que servem de alento pela alegria com que ele viveu. Nas imagens, o mais velho exibe um pato de estimação e o bom humor ao vestir-se de mulher em reuniões de família.

– Se for feita a justiça pelo Eleandro, o Felipe também será justiçado. Mas, nada os trará de volta. Eu continuo aqui, olhando na direção da porta, esperando os dois chegarem.

Almofadas e troféu de Felipe

Audácia é pista de investigação

A ação dos criminosos foi audaciosa na avaliação do delegado Valeriano Garcia Neto, da Delegacia de Homicídios de Canoas. Além de se passarem por policiais, os autores despenderam de tempo dentro da residência até trocarem os pentes de munições das pistolas .40 e 9mm e deflagrarem os 100 disparos.

– É uma execução tipicamente motivada por desavença do tráfico de drogas – avaliou.

Possíveis testemunhas já foram ouvidas. A investigação segue em andamento.

Detector de tiros deixou de funcionar

O bairro onde os irmãos foram executados com mais de 100 tiros é conhecido por ter recebido a instalação do "shotspotter" - equipamento capaz de detectar disparos de arma de fogo. O instrumento fazia parte de um pacote de ações pacificadoras promovido pela Prefeitura de Canoas, em 2009.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Município, nos cinco anos em que funcionou, o equipamento contribuiu com a atuação policial em 1,2 mil ocorrências, resultou no socorro rápido de 55 feridos por arma de fogo e em 22 prisões em flagrante.

– O conjunto de ações (shotspotter, câmeras de monitoramento e trabalho de prevenção) ajudou a reduzir em 70% o número de homicídios (na época). Nós voltamos a ter um aumento na violência, embora o Guajuviras ainda tenha 20% menos casos que em 2009 – avaliou o secretário, Alberto Kopittke.

Segundo o secretário, o equipamento deixou de funcionar no final do ano passado porque houve um aumento considerável na licença de uso do equipamento em função da alta do dólar. A licença do "shotspotter" pertence à uma empresa americana.

A mensalidade de R$ 30 mil passaria para R$ 80 mil se a prefeitura mantivesse o pagando. Kopittke garante que está negociando um desconto com a empresa e que pretende religar o aparelho até o final do ano.

– É importante não deixar a situação piorar como aconteceu na Capital. Gostaria de estar comemorando reduções, mas o fato de os homicídios não terem voltado ao patamar de 2009 já é uma vitória – concluiu.

Porta de um dos quartos alvejados



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