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Boa iniciativa

Dinheiro de multas aplicadas a condenados pela Justiça salva vidas

Em dois anos, Vara de Execução das Penas e Medidas Alternativas da Capital destinou R$ 2,3 milhões para investimentos em entidades sociais

11/07/2016 - 03h02min

Atualizada em: 11/07/2016 - 03h04min


José Luís Costa
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Hospital Materno Infantil Presidente Vargas recebeu R$ 33,1 mil para equipamentos, como um eletrocardiógrafo

Aparentemente, não faz sentido relacionar a condenação de um motorista por dirigir embriagado ao salvamento de um bebê em uma cesariana de urgência. Mas em Porto Alegre há uma ligação direta entre as duas situações. A punição pelo crime no trânsito é paga com multa, e o dinheiro é destinado para atendimentos de saúde e melhorias do ensino, entre outras ações sociais.

Responsável por gerenciar esses recursos, a Vara de Execução das Penas e Medidas Alternativas (Vepma) da Capital distribuiu, nos últimos dois anos, R$ 2,3 milhões a 80 instituições, beneficiando hospitais, escolas, creches, asilos, entidades filantrópicas, congregações religiosas e organismos públicos.

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O pagamento de multa em substituição à pena por crime de menor potencial ofensivo (veja quadro) é previsto no Código Penal desde 1998. A lei proíbe o Judiciário de ficar com o dinheiro. Determina indenização à vítima ou, quando a ofensa é contra a coletividade, o ressarcimento em forma de programas sociais. Há quatro anos, inexistiam normas específicas para doação do dinheiro. Em julho de 2012, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a resolução nº 154 estipulando regras.

– Ficava a critério de cada juiz. Designavam o dinheiro para entidades que pareciam mais necessitadas ou mais simpáticas – lembra Luciano André Losekann, idealizador da resolução quando integrante do CNJ e atual juiz da Vepma de Porto Alegre.

O Hospital Materno Infantil Presidente Vargas (HMIPV) está entre os favorecidos na Capital. Em maio, recebeu R$ 33,1 mil para comprar dois aparelhos indispensáveis em setores dos quais é referência no Estado: gestação de alto risco e tratamento de hepatites. Um dos equipamentos é o monitor fetal. Utilizado no centro obstétrico, que realiza 150 partos mensais, o aparelho afere batimentos cardíacos do bebê ainda no útero da mãe. Se identifica anomalia, por falta de oxigênio, por exemplo, os médicos tem condições de antecipar o nascimento.

O outro equipamento adquirido é o eletrocardiógrafo, utilizado para investigar desconforto cardíaco de pacientes e primordial para iniciar o atendimento a doentes por hepatites, cuja média é de 1,2 mil novos pacientes por ano.

– Os repasses são extremamente importantes para o hospital. O serviço público tem dificuldade crônica com verbas para atender toda a população – enaltece a obstetra Maria Isabel de Bittencourt.

A médica é vice-presidente da Associação Amigos do HMIPV, organismo pelo qual foi encaminhado o pedido de dinheiro ao Judiciário, por ter mais autonomia e agilidade em captar recursos do que o hospital, sob controle de regras mais burocráticas por se tratar de ente público. Além da aparelhagem para tratamento de saúde, o HMIPV também recebeu R$ 29,3 mil para instalar um sistema de videomonitoramento com 35 câmeras. A associação ainda busca mais verbas para qualificar o diagnóstico de câncer de mama. O dinheiro arrecadado com as penas alternativas é tão significante que devem atingir neste ano 65% do investido no hospital pela associação, criada há 10 anos para auxiliar na melhoria dos serviços.

O dinheiro de multas também tem amenizado as dificuldades financeiras no Lar Santo Antônio dos Excepcionais. Acolhendo 55 deficientes com lesão cerebral acamados, a entidade, se mantém há 37 anos apenas com doações, e a partir de 2014 encontrou nas penas alternativas mais uma fonte de recursos. Desde então, recebeu R$ 90 mil, gastos com lençóis e, sobretudo, fraldas geriátricas descartáveis, o insumo mais consumido na instituição – 300 unidades diárias, em média.

– Enfrentamos um leão por dia para manter a casa. Temos um alto custo com fraldas e esse recurso nos dá alguns dias de alívio – afirma João Alberto Silveira da Cunha, encarregado do departamento pessoal da entidade.

Os R$ 90 mil repassados ao Lar Santo Antônio dos Excepcionais foram usados principalmente para comprar fraldas

Kit de higiene e obras em presídios e em delegacias

Mais do que propiciar a compra de alimentos, cadeira de rodas, equipamentos e reformas em escolas e entidades filantrópicas, dinheiro de multas aplicadas pela Justiça auxiliam organismos de segurança pública. Diante da penúria das cadeias no Estado, a Vara de Execução das Penas e Medidas Alternativas (Vepma), da Capital, em dois anos, já repassou para a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) R$ 1,5 milhão, distribuídos em recuperação de prédios, manutenção de redes elétrica e hidráulica e aquisição de equipamentos, entre outras benfeitorias. Só em kits de higiene, incluindo sabonete, escovas e cremes dentais para seis penitenciárias, a Vepma doou R$ 75,3 mil. Até para comprar roupas, cobertores, grades, relógio-ponto e cortador de grama já foram repassados valores.

Para reativar 120 vagas do semiaberto no Instituto Penal Padre Pio Buck – fechadas há sete anos e ainda não ocupadas –, a Justiça destinou à Susepe R$ 25,5 mil, e vai reformar as instalações do Instituto Psiquiátrico Forense (IPF). Para a obra estão reservados R$ 4 milhões. No IPF, 246 criminosos com distúrbios mentais cumprem medidas de segurança em precárias condições, motivo de interdição na semana passada.

– O Estado está alquebrado mais por problema de gestão. Os recursos são mal aplicados ao longo dos anos. Se não fosse essa ajuda, a situação dos presídios seria muito pior – observa o juiz da Vepma, Luciano André Losekann.

A Vepma também destinou à Polícia Civil R$ 267,6 mil em aparelhos e armas para auxiliar em investigações, R$ 149,8 mil para o Instituto-Geral de Perícias investir em exames de casos de violência sexual e R$ 82,7 mil para a Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) comprar computador, telas metálicas e climatizadores.

Quem pode pagar as multas

-São enquadradas como penas alternativas: prestação de serviços comunitários, perda de bens e valores, interdição temporária de direitos e pagamento de multa.

-Tem direito a pena alternativa condenados por crimes culposos, como acidente de trânsito, embriaguez ao volante e violação da suspensão de dirigir, ou delitos dolosos com pena de até quatro anos sem uso de violência ou grave ameaça, como furto, estelionato, fraudes, porte ilegal de arma e tráfico de drogas em pequena quantidade (em caso de réu primário).

-O valor com a multa vai para uma conta administrada pelo Judiciário, que distribuiu para organizações públicas e privadas.

Como receber os recursos

-Entidades interessadas, com sede em Porto Alegre, tem de se cadastrar na Vara de Execução das Penas e Medidas Alternativas (Vepma). Depois de uma triagem, são convocadas a apresentar projetos de interesse social.

-Em caso de aprovação por uma comissão do Tribunal de Justiça, a entidade tem de apresentar três orçamentos – o valor liberado é sempre de acordo com o menor deles.

-A entidade beneficiada tem de apresentar comprovante da compra, notas fiscais e imagens do bem ou serviço adquirido. Se for constatada irregularidade, o interessado é excluído do convênio.

-Escolas e organizações não-governamentais são contempladas com até R$ 35 mil por projeto. A verba disponível para 2016 está esgotada. Novos pedidos poderão ser encaminhados a partir de março do ano que vem.

-Mais informações podem ser obtida na Vepma pelo telefone 51 3210-6500.

-Interessados em ajudar o Lar Santo Antônio dos Excepcionais podem telefonar em horário comercial para 51 3336-2422 e ou contatar pelo e-mail lar@larsantoantonio.com.br.


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