Polícia



Beco do Adelar X Vila dos Sargentos

Tráfico em guerra antecipa férias escolares em comunidades da Zona Sul da Capital

Desde o fim de semana, os confrontos entre o Beco do Adelar e a Vila dos Sargentos, na Zona Sul da Capital, já deixaram três vítimas de balas perdidas, uma creche e duas escolas com turnos reduzidos — duas delas com férias antecipadas — e dois postos de saúde fechados

15/07/2016 - 10h01min

Atualizada em: 15/07/2016 - 10h02min


Eduardo Torres
Eduardo Torres
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Moradora do Beco do Adelar guarda bala de fuzil recolhido por ela no portão da casa onde vive há mais de 30 anos

Entre os carretéis e novelos da caixinha de costura, a moradora de 55 anos do Beco do Adelar, no Bairro Aberta dos Morros, Zona Sul da Capital, resolveu guardar um sinal da angústia dos últimos dias. Uma bala de fuzil. O projétil foi recolhido por ela, junto ao portão da casa completamente gradeada em que vive com o marido há quase 30 anos.

– É um pânico geral quando começam aqueles barulhos de tiros, de dentro de casa se vê as pessoas descendo armadas do morro. Hoje em dia eu vivo com medo até de estender as roupas na rua para não levar uma bala perdida – diz a mulher.

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As pelo menos três mil famílias que moram na região de morro à beira da Avenida Juca Batista formam, com outras pelo menos 4 mil famílias da Vila dos Sargentos, no Bairro Serraria, mais ao sul da Capital, duas áreas no alvo de uma sangrenta disputa entre traficantes ao menos desde o fim junho. São relatos de tiroteios quase diários, que já deixaram pelo menos quatro pessoas mortas – pelo menos três delas sem qualquer relação com a criminalidade – e outras três feridas a tiros.

Enquanto traficantes se digladiam pelo comando de pontos de venda de drogas, a rotina de todos ao redor é transformada. Taxistas e motoristas do transporte escolar, por exemplo, já não ingressam. Quem precisa subir o morro, faz o caminho a pé, independente da hora.

– Aqui, quando começa a escurecer, eu já vou fechando. Nosso medo nem é de quem está envolvido aqui na comunidade, mas das invasões dos contrários que são muito violentos – conta um cabelereiro do Beco do Adelar.

É uma espécie de toque de recolher. Mesmo sem um anúncio formal, todos os moradores sabem do risco de trocas de tiros a partir do fim da tarde de cada dia. Quando todos estão com as portas fechadas, o temor recomeça.

– É tiro e tiro, nós só escutamos e nos escondemos – conta um morador de 50 anos.

As "boas-vindas" do crime

A entrada da Vila dos Sargentos, às margens do Guaíba, deixa claro que aquela área tem dono há bastante tempo. "Bem-vindos ao Morro da Serraria – Quem planta vento, colhe tempestade", e uma assinatura na pintura feita na imensa pedra que dá início ao terreno acidentado: Os Bala.

"Os Bala" assinam mensagem de "boas-vindas" na entrada da Vila dos Sargentos

O medo de novos tiroteios não é muito diferente naquela região, com um agravante: silêncio total. Quem sai de casa para o trabalho faz questão de abaixar a cabeça e evitar ser visto conversando com pessoas estranhas à comunidade. Essa atitude não é a à toa. Enquanto percorria a região, a equipe de reportagem foi expula da vila por dois jovens armados.

– O problema dessa gurizada é que eles pensam que são os donos do mundo. Mas a gente vai levando. Nós, vivendo a nossa vida, e eles, a deles – limita-se o homem de 65 anos que já vive há quase 50 anos ali.

Foi na rua que dá acesso à Vila dos Sargentos que a idosa Aida Terezinha de Souza, 65 anos, foi morta com uma bala perdida no fim da tarde do último domingo. Ela estava sentada diante de casa quando um carro preto com homens armados chegou ao local em velocidade. Segundo testemunhas, foram tiros a esmo. Desde então, os disparos de lado a lado neste confronto entre traficantes não pararam.

Na tarde de segunda, Leonardo César Batista da Silva, o Véio, 21 anos, foi morto a tiros quase em frente a uma escola na Avenida Juca Batista, próximo a um dos acessos ao Beco do Adelar. Segundo os investigadores da 4ª DHPP, ele não era morador dali.

Na quarta entre a manhã e a tarde, uma mulher e um homem foram alvos de balas perdidas no Beco do Adelar. À noite, outro homem foi espancado e baleado em uma das mãos e um dos pés na mesma região.

Escolas fechadas pelos tiroteios

EEEF Clotilde Cachapuz de Medeiros liberou os alunos mais cedo na quarta-feira devido ao medo na comunidade

No fim da manhã de quinta-feira, os telefones não paravam de tocar na secretaria da Escola Estadual de Ensino Fundamental Clotilde Cachapuz de Medeiros. Eram pais angustiados que, ao mesmo tempo em que relatavam o temor de tirar os filhos de casa e esperar que eles voltem, queriam saber se haveria aulas durante a tarde. À direção da escola no Bairro Espírito Santo, que fica entre as duas vilas em guerra e absorve estudantes dos dois lados, não restavam muitas alternativas.

– Na quarta, foi uma correria no meio da tarde com os pais buscando os filhos porque temiam tiroteios nas comunidades. Desde segunda-feira o número de alunos tem sido reduzido por esse problema. Nós seguimos com as aulas, mas sem novos conteúdos, porque precisamos compreender a situação de risco evidente – lamenta a vice-diretora, Vanusa de Oliveira Costa.

Na quarta, os alunos foram liberados às 16h. A medida se repetiu na quinta-feira. E essa não foi a única escola a sofrer as consequências do medo nas comunidades. Outras duas – Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor Anísio Teixeira e Escola Estadual de Ensino Fundamental Matias de Albuquerque – reduziram o turno da tarde nesta semana. Pior ainda aconteceu à Escola Estadual de Ensino Fundamental Custódio de Mello, que fica dentro da Vila dos Sargentos. Lá, as férias de inverno previstas para a semana que vem foram antecipadas e a escola fechou desde o começo desta semana. O mesmo aconteceu na Escola Estadual de Ensino Fundamental Professores Langendonck, onde um cartaz avisa que a violência forçou o fechamento antecipado.

– Se deixarem as coisas como estão, vamos virar um Rio de Janeiro. E aí depois não vai mais ter o que fazer – desabafa a funcionária de uma das escolas afetadas.

Na EEEF Professores Langendonck, férias de inverno foram antecipadas

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É que, na Vila dos Sargentos, a creche, inaugurada há poucos meses, também está funcionando com horário reduzido. O posto de saúde, que fica no centro da vila, fechou. A equipe atende no bairro vizinho enquanto o clima ali for tenso. O posto de saúde no Beco do Adelar também fechou na quarta-feira. Na manhã de quinta-feira, os agentes de saúde corriam apressados pela comunidade. Não havia perspectiva de atendimentos.

Mortes de adolescentes foram estopim da guerra

Para a polícia, o confronto teve seu estopim nas mortes de dois jovens que não tinham nenhuma relação com a criminalidade. O adolescente Peterson Passos da Silva, 14 anos, foi executado na Avenida Juca Batista no começo da noite do domingo, 26 de junho, por homens que se aproximaram dele na rua em um carro prata. Ele era morador do Beco do Adelar e, segundo a 4ª DHPP, provavelmente foi confundido com algum integrante da quadrilha que age na região. A suspeita é de que o ataque teria partido da Vila dos Sargentos.

Provavelmente assustado com os disparos, outro adolescente, Flávio Luciano Santos Mello, 16 anos, que estava do outro lado da avenida, teria corrido. Ele foi atingido por tiros nas costas. Ainda tentou se refugiar em uma igreja próxima, mas morreu diante da porta.

O crime, de acordo com o delegado Rodrigo Pohlmann, além da comoção na população, gerou um clima de revanche entre traficantes locais e seus rivais da Vila dos Sargentos. A vila, no Bairro Serraria, é considerada um dos redutos mais violentos da facção dos Bala na Cara na Capital. Já o tráfico no Beco do Adelar estaria recebendo reforços armados da quadrilha dos Alemão, do Bairro Restinga, que é rival histórica dos Bala na Cara.

Entre a tarde de quarta e a manhã de quinta-feira, o 1º BPM fez incursões entre os dois lugares em guerra. A 4ª DHPP atualmente trabalha para identificar os integrantes do conflito de lado a lado.

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