Polícia



Violência sem controle

Em julho, ritmo de assassinatos acelerou ainda mais em Porto Alegre

Se o primeiro semestre foi caótico na Capital, julho mostrou que a tendência é de piora. Foram mortas 63 pessoas na cidade, mais da metade de toda a Região Metropolitana

02/08/2016 - 09h43min

Atualizada em: 02/08/2016 - 12h15min


Diário Gaúcho
Diário Gaúcho
Carlos Macedo / Agencia RBS
Bar na Vila Santa Rosa, Bairro Rubem Berta, foi palco de três assassinatos na tarde de domingo

O barzinho na Rua Luiz Domingos Ramos, na Vila Santa Rosa, Bairro Rubem Berta, vendia cerveja gelada e, na televisão, passava o jogo do Inter na tarde de domingo. Era intervalo do jogo quando um grupo de amigos desceu ali para comprar algumas latinhas. Um deles, ao encontrar Márcio Penna Silveira, 37 anos, seu cunhado, convidou:

– Vamos com a gente. Assiste o jogo lá em casa.

Márcio, colorado convicto, respondeu de pronto:

– Nem pensar. Vocês estão todos de camisa do Grêmio. Não dá para ver jogo com gremista.

Ficou no bar e, cinco minutos depois, junto com duas outras vítimas, acabou alvo de atiradores que invadiram o local. Não imaginava estar no lugar errado e na hora errada, algo cada vez mais difícil de saber na Capital.

– Hoje em dia é isso, eles chegam, atiram e não querem nem saber quem está na frente. Se é inocente, morre também. Por isso eu nem me reúno mais com a turma em bar _ desabafa um morador da vila.

Só piora

Só no final de semana, foram dois ataques a bares do Bairro Rubem Berta com vítimas que nada tinham a ver com a criminalidade. Os últimos dias de julho mostraram que o cenário caótico da Capital no primeiro semestre só piora. Entre os pelo menos 114 assassinatos registrados em julho na Região Metropolitana, 63 foram em Porto Alegre. Significa que 55,2% dos crimes aconteceram na Capital.

ASSASSINATOS EM PORTO ALEGRE*:
1º semestre:
2015 – 303 mortes (37,5% do total da Região Metropolitana)
2016 – 407 mortes (48,8% do total da Região Metropolitana)
Julho:
2015 – 38 mortes (45,2% do total da Região Metropolitana)
2016 – 63 mortes (55,2% do total da Região Metropolitana)
(*) Números de homicídios e latrocínios

No mesmo bar em que Márcio foi vitimado, estava o taxista José Sebastião Gomes Alves, o Tião, 59 anos, que não teve tempo para escapar. Atingido a tiros, ainda foi socorrido por vizinhos, mas morreu pouco tempo depois de chegar ao Hospital Cristo Redentor.

O alvo dos criminosos, acreditam os investigadores da 3ª DHPP, era Elisael Cabral Gonçalves, o Maninho, 33 anos, suspeito de estar traficando naquele lugar e com diversos antecedentes criminais. O dono do bar salvou-se por detalhe ao conseguir se esconder atrás de uma geladeira.

A polícia acredita que o crime encerrou uma série de três ataques a tiros conexos iniciada no sábado entre a Vila Santa Rosa e o Parque dos Maias, deixando seis vítimas – quatro delas, sem qualquer relação com a criminalidade.

Divulgação / Polícia Civil
Elisael, Sebastião e Márcio foram vitimados no ataque da tarde de domingo

Na linha de tiro

O taxista conhecido como Tião entre os vizinhos da Vila Santa Rosa estava de folga nos últimos dias. Havia viajado para sua terra natal, Cachoeira do Sul, e voltou na manhã de domingo. Depois do almoço com um casal de amigos, foi ao bar que costumava frequentar para jogar cartas com os amigos e assistir ao jogo. Nada mais natural para quem morava sozinho a duas quadras dali.

– Para mim é algo ainda inexplicável. O Tião era uma pessoa que só fazia amigos, conhecia todo mundo. Sentou ali para ver o jogo do seu time e aconteceu uma desgraça dessas. Perdi um irmão – desabafa Ademir Lessa Hahn, 41 anos, proprietário do táxi em que Tião trabalhava há 18 anos.

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Já Márcio Silveira acabou naquele bar depois de ir a um culto religioso com a esposa pela manhã e uma visita rápida ao cunhado, que morava perto do bar.

A morte cortando cenas do cotidiano é mais frequente ainda no Rubem Berta, onde 52 pessoas foram assassinadas neste ano. Significa que 11% das mortes na Capital acontecem no bairro.

No sábado, por exemplo, o DJ Marcelo Prestes e o vendedor Eduardo Bittencourt é que foram mortos enquanto combinavam um churrasco em um bar do Parque dos Maias. Assim como o taxista e o auxiliar de transporte, eles estavam alheios à guerra do tráfico.

Suspeito

A polícia até o momento tem uma certeza: os ataques aos bares de sábado e domingo estão ligados, assim como a morte de um jovem de 20 anos na noite de sábado em sua casa, na Vila Santa Rosa. E já tem pelo menos um suspeito de participação em ao menos um dos crimes. Seria um traficante originário da Santa Rosa. Nas três cenas de crime, estão munições de 9mm e muitos tiros –pelo menos 30 em cada assassinato.

– Estamos apurando a possibilidade de que a morte do rapaz na noite de sábado tenha sido uma represália pelo crime da tarde, no bar do Parque dos Maias. No ataque de domingo ao outro bar, ainda não temos autoria, mas não está descartado, pelo modo de agir, que tenham sido os mesmos atiradores da tarde de sábado – explica o delegado Cassiano Cabral, que investiga os crimes pela 3ª DHPP.

Eduardo Torres / Diário Gaúcho
Amigos foram mortos em bar do Parque dos Maias na tarde de sábado

Segundo os investigadores, há um confronto entre traficantes da Vila Santa Rosa e rivais do Parque dos Maias pelo controle de pontos de tráfico menores na região, sem um comando forte. Mesmo que a sequência de mortes tenha assustado no final de semana, a suspeita é de que o conflito possa ter se acentuado em maio, quando um traficante conhecido como Coto foi executado na região. Ele comandaria uma parte dos pontos de tráfico no Parque dos Maias.

Mortes de adolescentes investigadas

Na noite de domingo, os adolescentes Carlos Daniel Gonçalves da Silva, 16 anos, e Patrick Gonçalves da Rosa, 13 anos, foram encontrados mortos a tiros em outro ponto do Rubem Berta, na Estrada Martim Félix Berta, próximo a um dos núcleos da Cohab. O caso é apurado pela 5ª DHPP e, de acordo com a delegada Luciana Smith, até o momento não há qualquer elemento que relacione o crime aos assassinatos anteriores no bairro.

Conforme os investigadores, os dois adolescentes, que não tinham antecedentes criminais e eram tio e sobrinho, teriam passado a tarde na Praça México, que é tradicional ponto de encontro de jovens do bairro aos domingo. O crime foi constatado por volta das 19h. Caídos em um terreno estavam Patrick, atingido por três tiros, e Carlos Daniel, que era morador da Restinga e visitava parentes na região, vitimado por um disparo.A polícia ainda investiga as circunstâncias do crime.

O MAPA DOS ASSASSINATOS:


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