Polícia



Violência sexual

RS teve mais de quatro crianças estupradas por dia em 2017

Secretaria de Segurança Pública registrou 3.063 crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual no ano passado. Destes, 1,6 mil tinham menos de 12 anos. Na maioria dos casos, responsável é próximo da família.

06/03/2018 - 07h13min


Diego Mandarino
Diego Mandarino
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O Rio Grande do Sul teve mais de quatro casos de estupro de crianças por dia registrados em 2017. Conforme dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP) obtidos via Lei de Acesso à Informação, foram relacionadas 3.063 crianças e adolescentes vítimas nas ocorrências policiais. Desse total, mais da metade, 1.653 (54%), tinham menos de 12 anos – o que equivale a uma média de 4,5 casos por dia.

Dos 3.063 registros, 407 ocorreram em Porto Alegre (13%). No mesmo período, entre grandes municípios do Interior, foram 77 em Caxias do Sul, 83 em Santa Maria, 73 em Pelotas e 44 em Rio Grande.

Conforme a diretora do Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca) da Polícia Civil, delegada Adriana Regina da Costa, na maior parte dos casos envolvendo crianças, os agressores são parentes ou pessoas próximas da família.  

– Muitas vezes, o estupro praticado pelo pai ou pelo padrasto tem o consentimento da mãe ou da madrasta. Isso também faz com que essa pessoa responda pelo delito. A conivência de uma das partes provoca indiciamento e prisão. Por isso, é importante que as pessoas denunciem – reforça Adriana.

Nova norma quer evitar repetições de relatos

A maioria dos casos nunca chega à polícia. Profissionais que trabalham com o tema afirmam que os registros correspondem a apenas 10% do total. E a denúncia costuma ocorrer muito tempo depois dos abusos – em média, pode demorar cerca de um ano. É a síndrome do segredo.

– A criança fica com receio de que não vá ser acreditada, gosta daquela pessoa, está sendo ameaçada. Várias circunstâncias podem determinar que esse segredo nunca seja revelado ou possa levar muito tempo – explica o desembargador do Tribunal de Justiça do Estado (TJ) José Antônio Daltoé Cezar.

Daltoé foi um dos especialistas que ajudaram a formular o texto da Lei Federal 13.431, que visa a dar maior proteção a vítimas de casos revelados. A norma foi publicada em 5 de abril de 2017 para entrar em vigor um ano depois, ou seja, no mês que vem.

Além de prever que órgãos de segurança e saúde e conselhos tutelares atuem de forma integrada, a lei busca garantir a diminuição da quantidade de vezes que a criança é ouvida, para reduzir o sofrimento em ter de falar sobre o abuso. A ideia é de que isso ocorra o mínimo possível – apenas uma vez na Justiça, depois da qual a tomada de novo depoimento terá de ser justificada. Atualmente, a vítima está sujeita a relatar o fato várias vezes, na escola, na rede de saúde e no Conselho Tutelar, por exemplo.

A legislação também estabelece que o depoimento da criança deve ser tomado com técnica própria (leia abaixo), que não a induza a responder de determinada forma, e antecipado dentro das etapas do processo judicial, que pode tramitar por vários anos.

– O ideal é que a criança vítima seja ouvida o mais próximo do fato. Porque a memória da criança não é igual à do adulto, que segue, digamos assim, um rito quase que cronológico. E também porque ela fica sujeita a interferências de outros membros da família – explica a promotora da Infância e da Juventude de Porto Alegre Denise Casanova Villela.

Depoimento especial divide profissionais da área

Defendido por juristas como medida cujo objetivo seria reduzir o sofrimento dos pequenos, o depoimento especial tem sua eficácia criticada por entidades ligadas a profissionais de psicologia e assistência social. Pela técnica, um facilitador, que pode ser psicólogo ou assistente social, fica em uma sala separada com a criança vítima. O depoimento é transmitido em vídeo para a sala de audiência, onde se encontram juiz, promotoria e a defesa do acusado. A conversa também é gravada. Hoje, a estrutura existe em 44 das 164 comarcas do Estado. Confira abaixo duas visões sobre o tema.

Diego Mandarino / Agência RBS
Fórum de Caxias do Sul, na Serra, conta com sala para técnica especial da tomada de relatos

CONTRA

- Conselhos federais de psicologia e assistência social chegaram a recomendar que os profissionais não participem da condução do depoimento, por se tratar de situação que inviabilizaria avaliação adequada.

- As entidades alegam que a criança deve falar sobre o abuso só quando e se desejar. 

O profissional (facilitador) não faz parecer técnico desse relato. Acreditamos que temos (psicólogos e assistentes sociais) mais capacidade e técnicas para ajudar essa criança e a Justiça, para além do depoimento, que é reducionista. É uma inquirição, e não uma escuta ou acolhida. A criança não deve ser inquirida.

ANA JUNQUEIRA

DIRETORA AASP BRASIL

- Profissionais dessas categorias dizem que a memória da criança é variável e, portanto, seu relato pode provocar erros judiciais graves, absolvendo culpados ou condenando inocentes. Outra crítica é em relação à gravação, que traria risco de exposição da criança caso o material seja extraviado.

- Conforme a diretora da Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos da Área Sociojurídica do Brasil, Ana Junqueira, o melhor caminho seria que juízes e delegados solicitassem laudos aos psicólogos que acompanham as crianças na rede pública.

A FAVOR

- Juízes que atuam em varas de Infância e Juventude defendem a tomada de depoimento da vítima para esclarecer os casos. A maioria das absolvições, alegam, se dá por falta de provas. Os magistrados destacam que a lei prevê que a criança não seja obrigada a falar, embora sejam feitas tentativas para que deponha. 

Por lei, temos de investigar o abuso. No depoimento especial, tenho tranquilidade para dizer que o erro judicial é muito menos recorrente porque permite muito mais confiança à criança. No ambiente tradicional, ela se sente atemorizada por todos aqueles personagens, os adultos, que são hostis.

FÁBIO VIEIRA HEERDT

JUIZ LÍDER DO NÚCLEO DE PAZ DO CEJUSC PORTO ALEGRE, DO TJ

- Conforme o juiz Fábio Vieira Heerdt, líder do Núcleo de Paz do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) da Capital, do Tribunal de Justiça (TJ), pesquisas apontam que somente 8% das crianças mentem nos processos. Desse percentual, três quartos o fazem por influência de um familiar que tenta colocar a vítima contra outro, pais separados, por exemplo.

- Heerdt também avalia que as gravações dos depoimentos são necessárias para conservá-los como provas. O magistrado acrescenta que os vídeos só são vistos por pessoas que trabalham no processo, que deve correr em segredo.


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