Polícia



Sistema prisional

O que está por trás dos incêndios em série nas prisões gaúchas

Em 24 dias, detentos atearam fogo a oito cadeias. Tentativa de conseguir detenção domiciliar é hipótese cogitada pelas autoridades

12/04/2018 - 07h59min


Renato Dornelles
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Humberto Trezzi
Humberto Trezzi
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Fernando Genro / Especial
Caso mais recente foi na manhã desta quarta-feira (11), no Presídio Estadual de Erechim

Os sucessivos incêndios em estabelecimentos penais em cidades do Estado teriam a mesma motivação: o inconformismo de presos do regime semiaberto do Interior com o fato de que a maior parte (70%) dos que estão nessa mesma condição na Região Metropolitana vive em casa, monitorada por tornozeleiras eletrônicas ou detida "virtualmente". E apenas 30% vivem em albergues. Os detentos de fora da Grande Porto Alegre estariam queimando os alojamentos com a expectativa de também receberem prisão domiciliar ou, ao menos, saídas temporárias.

A informação é de uma fonte próxima do sistema penitenciário do Estado e reconhecida por representantes do Ministério Público. Para o secretário da Segurança Pública, Cezar Schirmer, o motivo é outro: seria espécie de represália de presos por ações que estariam sendo adotadas pela pasta, visando a retomada do controle dos estabelecimentos penais — muitos deles comandados por facções.

Na manhã desta quarta-feira (11), as chamas atingiram o alojamento 2 do regime semiaberto do Presídio Estadual de Erechim, no norte do Estado. De acordo com a Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe), presos amontoaram colchões e incendiaram. Foi o décimo incêndio provocado em estabelecimento penal gaúcho neste ano — o oitavo no intervalo de 24 dias, sendo um com cinco detentos mortos.

Em Erechim, o Corpo de Bombeiros chegou em cerca de 10 minutos ao local e conseguiu controlar as chamas rapidamente, sem que ninguém ficasse ferido. Depois, 62 apenados foram alocados provisoriamente em um dos pátios do estabelecimento. 

"Articulação nos casos é plausível"

O promotor de Justiça Luciano Pretto, que atua no setor de fiscalização de presídios do MP na Região Metropolitana, disse não saber se há articulação para incendiar casas prisionais, mas considera "bem plausível" a hipótese de que presos estejam agindo com a intenção de também obterem prisão domiciliar.

— Tem toda a lógica, na medida em que, em Porto Alegre e Charqueadas, presos têm sido libertados por falta de vagas ou serviço nos institutos do regime semiaberto. Temos casas dominadas por facções, outras sem facções, mas elas sofrem de um problema em comum: pouquíssimo serviço para os apenados. As prefeituras e empresas relutam em ofertar vagas para presos. Diante disso, é natural que os juízes decidam mandá-los para casa. Aí outros presos no Interior podem querer o mesmo, dentro ou fora da lei — resume Pretto.

Um procurador de Justiça que atuou por muitos anos na fiscalização de presídios diz que as duas maiores facções da Região Metropolitana estão em franco processo de expansão para o sistema prisional do Interior. Uma delas, com alianças. A outra, tomando locais de distribuição de drogas e forçando "colaboração" dos criminosos locais. Mas as informações de que ele dispõe indicam que os incêndios não são comandados por facções e, sim, estratégia de criminosos das próprias cidades onde prisões foram queimadas.

_ São presídios pequenos os que foram queimados, ainda com pouca presença de facções, por serem em cidades não tão estratégicas para o crime. Tudo indica que é pressão de presos locais para irem para casa, direto _ pondera.

Também pedindo anonimato, um juiz com vasta experiência de atuação junto ao sistema prisional acredita que os casos de incêndio sejam isolados, "mas conectados pela mídia". Porém, admite que a intenção seja "forçar uma prisão domiciliar".

Força-tarefa no IGP

Nesta quarta-feira (11), servidores do Instituto-Geral de Perícias (IGP) anunciaram a criação de grupo de trabalho para agilizar os laudos referentes aos levantamentos realizados em presídios incendiados no Estado. Diretores, responsáveis por departamentos e peritos que atuaram nos recentes casos integram a força-tarefa. Segundo a diretora do Departamento de Perícias do Interior, Marília da Costa Ribas, com os processos mais rápidos, haverá possibilidade de auxiliar instituições como a Susepe nas investigações:

— Esse trabalho está realizando perícias nos locais onde ocorreram os incêndios para ter as informações possíveis sobre as causas dos incêndios. Também temos assessoria técnica de inteligência capaz de buscar relações entre os casos e repassar isso aos responsáveis pelas investigações — explica.

O secretário da Segurança Pública disse que o Estado está retomando o controle dos presídios gaúchos e que isso está motivando os incêndios registrados nos últimos dias nessas casas prisionais. O secretário negou que haja perda de controle das prisões e afirmou que o governo seguirá com as atuais políticas para o setor, que, segundo ele, descontentam presos e geram esse tipo de reação.

— Estamos retomando o controle desses presídios. Isso é um problema histórico do Estado que, ao longo do tempo, abdicou do seu dever de controlar a realidade do sistema prisional. Há um esforço nessa direção e isso, por óbvio, causa tentativa de represália ou de insatisfação nessa área. Mas não vamos arredar pé da nossa decisão. Vamos continuar na mesma linha. Ao contrário, estamos assumindo o controle e isso está gerando rebeldia —justificou Cezar Schirmer.

Lucia Maciel / Especial
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