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Fã de música gaúcha, apaixonado por motos e recém-empregado: quem era o jovem assassinado no hospital

Gabriel Vilas Boas Minossi, 19 anos, foi executado por engano na casa de saúde, em São Leopoldo, na madrugada desta sexta-feira (9)

09/11/2018 - 20h59min


Hygino Vasconcellos
Hygino Vasconcellos
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Arquivo pessoal / Reprodução
Última foto feita por Marcelo com o filho Gabriel

No meio da madrugada desta sexta-feira (9), o celular começa a tocar incessantemente. Ainda sonolento, o empresário Marcelo Minossi tateia os móveis próximos até encontrar o aparelho. Era sua irmã, Márcia  Minossi, 45 anos, que estava acompanhando o filho dele, Gabriel Vilas Boas Minossi, 19 anos, internado no Hospital Centenário, em São Leopoldo

"Vem para o hospital que atiraram no Gabriel",  alertou Márcia, com a voz embargada, sem dar muitos detalhes.

— Eu comecei a tremer — lembra o pai.

Minossi colocou a primeira roupa que encontrou e saiu da casa da namorada, em Cachoeirinha, na Região Metropolitana. Em 20 minutos, chegou ao hospital. Já era quase 5h e ele ainda não sabia da morte do filho.

— Uma mulher que trabalha no hospital se aproximou e me perguntou: "tu que é o pai do jovem que morreu baleado?". E eu nem sabia de nada. Em seguida, um porteiro do hospital veio me abraçar — relata Minossi.

Apesar de ter recebido conforto, ele não teve coragem de ver o filho sem vida. Por volta do meio-dia, ainda esperava ser chamado para fazer a identificação do corpo no Instituto-Geral de Perícias (IGP).  

— Acho que aí vai cair a ficha — lamentou.

Chamado desde criança de Gordinho por amigos e familiares, ele estava internado desde 1º de novembro na casa de saúde. O jovem havia sofrido um acidente de trânsito. A motocicleta em que estava colidiu em um Nissan Versa, na BR-116, em São Leopoldo. 

No dia do acidente, voltava do serviço, em Campo Bom,  e ia para a casa de seu pai, em Cachoeirinha. O jovem era mecânico de uma multinacional de bebidas e tinha sido contratado há cerca de dois meses, após ficar um ano desempregado. Durante o tempo que ficou sem trabalhar, fazia bicos de cuidador de crianças em festa infantis.

Devido ao acidente, o jovem fraturou as duas pernas, passou por uma cirurgia e estava prestes a receber alta nessa quinta-feira (8). Só não deixou o hospital por ter sido constatada pressão alta e falta de ar. Para o pai, o quadro clínico era reflexo da apreensão do jovem de ficar no hospital.

— Era nervosismo do que acontecia na volta — acredita.

Durante a semana que permaneceu na casa de saúde, os pais do jovem se revezam para pernoitar no local. A mãe Indianara Villas Boas, 40 anos, veio de Santa Catarina para ajudar, onde mora há cerca de dois anos.

Na quinta-feira (8), o pai viu o filho com vida pela última vez. A visita no hospital durou 1h. A fotografia que ilustra essa reportagem, feita ainda no leito da casa de saúde, agora serve como uma lembrança para Minossi.

— Estava alegre, falante. Eu lembro de fazer cócegas nos pés dele e ele ficar reclamando — diz o pai, com os olhos cheios de lágrimas.

Minossi pediu para uma irmã dele pernoitar no hospital naquela que seria a última noite de Gabriel internado. O pai queria arrumar a casa. Antes de sair dali, soube que Gabriel dividia quarto com um criminoso,  Alex Junior Abreu Tubiana, 28 anos — o verdadeiro alvo dos atiradores desta sexta-feira. Soube ainda que uma mulher procurou Tubiana no hospital antes de trocar de quarto e que criminosos estariam rondando o local desde as 16h.

No momento que os assassinos entraram no quarto, Gabriel estava na primeira cama de quem acessa o cômodo: no leito 23. Após os tiros, a tia dele ainda correu na sua direção. Assustou-se ao ver o sobrinho com o peito todo ensanguentado.

— Ele deu o último suspiro no pé dela — conta o pai.

Facebook / Reprodução
Gabriel com o pai, Marcelo Minossi

Apaixonado por música gauchesca 

O jovem era um apaixonado pela música tradicionalista gaúcha e, desde os seis meses de idade, já frequentava com o pai a Sociedade Gaúcha da Lomba Grande, em Novo Hamburgo. Desde que retornou de Santa Catarina, há cerca de um ano, voltou a frequentar o grupo tradicionalista com a família.

Desde o começo da manhã desta sexta-feira, o pai começou a receber mensagens de integrantes de bandas tradicionalistas, lamentando a perda. Para homenagear o gosto pela cultura gaúcha, a família decidiu sepultar Gabriel com bombacha, chinelo campeiro e camiseta do grupo que ele fazia parte. O enterro deve ocorrer no Cemitério Municipal de Cachoeirinha.

— Ele era um guri ímpar. Tocava violão e cantava. Apreendeu tudo no coral da igreja — detalha o pai.

Quando criança, Gabriel foi criado entre a casa do mãe e do pai. Os dois não chegaram a casar. Eram amigos e tiveram um breve relacionamento. Três semanas depois, Marcelo descobriu que seria pai.

Apaixonado por motos, o jovem pretendia abrir uma oficina com o pai. Mas com o emprego recente, ainda não tinha planejado frequentar uma faculdade.

— Ele estava feliz de estar trabalhando. Recebeu o primeiro salário desse emprego e já queria comprar uma televisão. E eu disse: "calma lá" — lamenta. 


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