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Investigação

Telentrega de drogas leva atuação de criminosos a faculdade, supermercados e shopping da Capital

Operação Conde, da Polícia Civil, combate tráfico de entorpecentes que é comandado de dentro do sistema prisional

28/11/2018 - 23h22min


Adriana Irion
Adriana Irion
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Uma esquema que funciona 24 horas por dia, com atividades executadas por gerentes que respondem diretamente ao chefe – um homem que passa dia e noite em seu "escritório", uma cela da galeria 1 do Pavilhão H da Cadeia Pública (Presídio Central) de Porto Alegre.

Segundo a polícia, assim é a organização da quadrilha que abastece usuários de drogas da zona sul da Capital por meio de um sistema de telentrega que chega a shoppings, supermercados e até faculdade. Alguns dos entregadores disfarçam as ações criminosas usando caixas térmicas com o logotipo de aplicativos de entrega de refeições.

Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Criminosos usavam caixas térmicas com o logotipo de aplicativos de refeições para fazer a entrega

Depois de monitorar por quatro meses o trabalho da "empresa", a Polícia Civil deflagrou nesta quarta-feira (28) a Operação Conde, na qual estão sendo cumpridos cinco mandados de busca e apreensão e seis de prisão preventiva. Os policiais calculam que cada moto do grupo faça a entrega 200 porções de drogas por dia, movimentando R$ 120 mil por mês e um total de cerca de R$ 1 milhão por ano.

A investigação do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) mostra que criminosos que podem se tornar alvo de ataques ou protagonizar confrontos com rivais circulam em áreas de grande movimentação de pessoas para atender aos pedidos dos clientes. As encomendas são feitas via WhatsApp – só entra na lista com acesso aos telefones dos entregadores pessoas que tenham sido indicadas por consumidores já conhecidos.

Nessa modalidade de negócio, conforme a polícia, o traficante afasta de sua região os riscos inerentes ao trânsito de pessoas junto ao ponto de venda de drogas – já que pode haver policiais à espreita – e joga para locais públicos e condomínios residenciais o perigo da guerra de facções. Em uma das entregas monitoradas pela investigação, o negócio foi feito dentro de um shopping na Avenida Wenceslau Escobar, no bairro Tristeza.

A cliente trabalha em uma loja de classe média alta do local. O entregador chegou a discutir com uma gerente do grupo criminoso o risco de ter que estacionar e entrar no centro de compras, mas acabou fazendo a entrega. Tudo foi gravado em imagens pelo Denarc.

— O uso da telentrega gera risco grande para o próprio usuário e para a comunidade. É um risco considerável, pois pode haver confronto ou um crime secundário que pode colocar todo mundo em perigo. O viés democrático da droga, potencializado pela telentrega, amplia a possibilidade dos confrontos — avalia o delegado Mário Souza, diretor de investigações do Denarc.

Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Homem foi flagrado durante entrega de droga na zona sul de Porto Alegre

A Operação Conde tem como alvo sete pessoas, entre elas Mayco Daniel Bergmann, 32 anos. Há exatos dois anos, os mesmos policiais da 1ª Delegacia de Investigações (1ª DIN) do Denarc prenderam Bergmann em um apartamento no bairro Vila Nova, durante a Operação Austral

À época, ele era um dos gerentes do esquema, recebia ordens vindas de dentro da cadeia e executava as ações de telentrega nas ruas. Hoje, é apontado como chefe do grupo, de dentro da prisão.

— A brecha que existir, eles (criminosos) vão encontrar. Entraram no presídio e lá conseguiram se organizar e até melhorar a atividade criminosa. Cabe a nós detectarmos essa atividade fora da cadeia e enfrentá-la — destacou Souza sobre o fato de Bergmann coordenar crimes de dentro da cadeia.

O detento é a pessoa que, por meio de celulares, daria as ordens, cobraria eficiência nas entregas e no cumprimento de horários e fiscalizaria a contabilidade do negócio. Em 2016, ele tinha um Civic recém adquirido com o lucro do tráfico. Nos últimos meses, foi esse o carro usado por policiais para seguir os passos do grupo. A Justiça autorizou o repasse do veículo para a polícia.

A atuação desta célula do grupo, que é ligado à facção V7, ocorre principalmente nos bairros Vila Nova, Hípica, Cavalhada, Teresópolis, Nonoai e Tristeza. A operação foi batizada de Conde por causa de um dos redutos dos criminosos: a Vila Monte Cristo (o nome é referência ao romance francês O Conde de Monte Cristo).

Entre os pontos de entrega, o Denarc registrou ações em um shopping da Zona Sul, junto ao estacionamento de um supermercado que fica na Avenida Juca Batista e em frente a uma faculdade no bairro Cavalhada, além de condomínios residenciais. 

O Grupo de Investigação (GDI) da RBS acompanhou pelo menos duas dessas ações. Durante a apuração, a polícia identificou quatro entregadores diferentes, que usavam motos próprias para realizar as entregas.

Os investigados vão responder pelos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico. Quanto aos compradores da droga, o delegado Guilherme Calderipe, que comandou a investigação, diz que aqueles que "forem identificados durante a apuração poderão ser chamados para esclarecer detalhes do funcionamento do esquema de tráfico".

A Uber - cuja logomarca aparece na moto usada por um dos entregadores - informou que "nenhum dos motociclistas identificados pela reportagem até o momento têm cadastro ativo para realizar entregar utilizando o UberEats. O caso, portanto, não tem qualquer relação com o aplicativo."

Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Seis mandados de prisão preventiva foram cumpridos nesta quarta-feira

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