Polícia



Crime organizado

Com rotina de ataques a banco, Ibiraiaras foi surpreendida por brutalidade de quadrilha

No dia seguinte a ação criminosa que resultou na morte de um refém e seis bandidos, moradores da pequena cidade do norte do RS relatam os momentos de pânico vividos na véspera

04/12/2018 - 22h17min


Carlos Rollsing
Carlos Rollsing
de Ibiraiaras
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Camila Dominguees / Agencia RBS
Um dia após ataques, agências bancárias estiveram fechadas em Ibiraiaras, com faixas pretas em sinal de luto

Com a desagradável rotina de ser alvo de assaltantes de banco — são dois somente em 2018 —, a pacata comunidade de Ibiraiaras, município de pouco mais de 7 mil habitantes no norte do Rio Grande do Sul, desta vez percebeu algo diferente na ação: a brutalidade dos assaltantes que espalharam pânico na segunda-feira (3). O violento episódio terminou com sete mortos, sendo seis criminosos e um refém, o subgerente do Banco do Brasil Rodrigo Mocelin da Silva, 37 anos. Nesta terça-feira (4), os moradores procuravam compreender o que se passou na cidade na véspera.

Os homens chegaram em dois veículos vermelhos, um Onyx e um Voyage, em torno das 13h50min. Dividiram-se e ingressaram simultaneamente nas agências do Banrisul e do Banco do Brasil, vizinhas no diminuto centro de Ibiraiaras. Desembarcaram estourando vidros e vergando ferros de grades a golpes de marreta. Dispararam com fuzis dezenas de vezes para o alto. Esculacharam moradores e clientes das agências. 

— Foram agressivos. Muito mais do que das outras vezes. E fizeram humilhações. Chamaram de gringo sujo, gordo, jogaram uns no chão — conta o sorveteiro João Reis, que trabalha em frente aos bancos e chegou a sofrer um cutucão de fuzil nas costelas para que se refugiasse nos fundos do seu comércio sem perturbar o crime. 

Dentro do Banco do Brasil, os bandidos estapearam uma mulher e, sem demora, exigiram a presença do gerente. Neste momento, todas as vítimas já estavam jogadas ao chão, sentadas com a cabeça entre as pernas, em busca de alguma proteção. 

— O gerente logo se identificou. Jogaram gasolina nele e ameaçaram: se não abrisse o cofre, iriam colocar fogo nele. Foi muito cruel — conta o empresário Gilmar Mezzomo, que estava no interior do agência.   

Vigilantes relataram que o cofre conta com sistema de segurança que impede a abertura, exceto em situação pré-determinada. Os assaltantes, que ficaram por cerca de 20 minutos nas agências, teriam levado exclusivamente o dinheiro dos guichês.

Antes de ganhar a rua, exigiram que os homens ficassem sem camisa, possível medida para verificar eventuais armas. Um dia após o crime, a blusa escura de Silva continuava repousando sobre a mesa de trabalho número 3, usada pelo subgerente morto. Ao lado, seus carimbos bancários e anotações daquele que seria seu último dia.

Só conseguia pedir a Deus que acabasse logo e sem acontecer nada. Infelizmente, desta vez, aconteceu.

GILMAR MEZZOMO

empresário

O empresário Mezzomo foi um dos forçados a se despir parcialmente e, depois, ingressar no cordão humano para proteger o início da fuga. Os bandidos ainda tentaram atacar uma lotérica do outro lado da rua, mas esbarraram na blindagem recentemente instalada no local. Resolveram, então, partir: jogaram cinco homens como reféns nos porta-malas dos carros, que permaneceram abertos. Logo depois de acionar a ignição, em ato de zombaria e intimidação, deram seis tiros de fuzil para o alto.

Os habitantes da cidade, contudo, haviam percebido movimentações atípicas. 

— Ao meio-dia, estava conversando com outra pessoa e estranhamos que passou uma caminhonete grande da Brigada Militar na frente dos bancos. Um veículo desse porte não é normal por aqui. Era de fora — conta o sorveteiro Reis. 

Camila Domingues / Agencia RBS
Brigada Militar fez buscas pela mata na tentativa de localizar os dois foragidos, sem sucesso

O primeiro confronto

Os indícios de que a segurança pública detinha informações sobre possível ataque na região ganharam novos capítulos na sequência. Os bandidos iniciaram a fuga, mas, ao trafegarem apenas três quadras, cerca de 500 metros, depararam-se com uma caminhonete da Brigada atravessada na rua. À espera, dois policiais posicionaram-se em locais estratégicos de disparo e proteção. 

— Logo que enxergaram a polícia, começaram a gritar "tem refém, tem refém" — conta o mecânico Geyson Longaretti, que trabalhava poucos metros do primeiro fogo cruzado entre assaltantes e brigadianos.

Aconteceram incontáveis disparos, enquanto os cinco reféns eram mantidos nos porta-malas abertos. Os assaltantes ultrapassaram esse primeiro cerco — estranhamente em baixa velocidade — e seguiram para a localidade de São Pio X. Ali, os reféns foram abandonados. O gerente-geral do Banco do Brasil, que havia tido o corpo untado por gasolina instantes antes, saiu com o colega ferido nos braços. Silva acabou morrendo, atingido em circunstâncias ainda não esclarecidas. 

Ao ingressarem na mata, os criminosos já haviam sido visualizados por uma aeronave da operação. Ao todo, 75 policiais foram acionados e seis bandidos mortos a tiros. Dois fugiram. A Brigada desmobilizou o cerco na tarde desta terça-feira, sem conseguir encontrá-los. 

O nono suspeito, um homem que trafegava em um terceiro veículo (Sandero) para dar suporte na fuga, foi preso e com ele foram recuperados R$ 115 mil

Camila Dominguees / Agencia RBS
Vidro blindado impediu ataque a lotérica na mesma cidade

A pequena Ibiraiaras, apesar do choque, procura, agora, retomar a rotina. Nesta terça-feira, a lotérica que escapou do roubo, mesmo com as marcas das marretadas no vidro saltando aos olhos, estava de portas abertas. Reis vendia seus sorvetes do tipo italiano e Mezzomo aguardava os clientes nas lojas de móveis e eletrodomésticos. O roubo era o assunto uníssono. As agências bancárias estavam fechadas, sinalizadas com panos pretos de luto. 

A população, farta dos ataques, demonstrava satisfação com a reação policial, apesar da morte de um inocente.

— Só conseguia pedir a Deus que acabasse logo e sem acontecer nada. Infelizmente, desta vez, aconteceu — diz Mezzomo.



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