Polícia



Violência

"A gente trabalha com medo", diz funcionário de depósito que teve milhares de celulares roubados em Porto Alegre

Organização criminosa roubou quase 20 mil smartphones desde junho de 2017 na Capital e em Cachoeirinha, na Região Metropolitana

10/05/2019 - 21h01min


Cid Martins
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Leticia Mendes

Além do roubo de quase 20 mil celulares, nos últimos dois anos em Porto Alegre e Cachoeirinha, uma organização criminosa também deixou traumas entre os funcionários das empresas e seguranças rendidos durante os ataques. Na mira de armas, os trabalhadores foram obrigados inclusive a ajudar a carregar parte dos smartphones para agilizar a ação dos criminosos.

— Isso é horrível e, desde então, a gente trabalha com medo, sempre imaginando o pior quando ouve um barulho ou vê uma movimentação estranha, atípica. Não é fácil trabalhar depois de ter uma arma apontada para si, pior para quem foi levado como refém na fuga, mas temos de trabalhar, enfim — diz o funcionário de um dos depósitos atacados, que pediu para não ser identificado.

Nessas ações, os bandidos usaram inclusive de táticas empregadas em outros delitos, como ataques a bancos. Em junho, num segundo ataque ao depósito da Fedex, no bairro Sarandi, armados com fuzis, com rostos cobertos por máscaras e luvas cirúrgicas, criminosos derrubaram o portão com um caminhão. Na sequência, renderam dois vigilantes e um funcionário. 

Duas carretas e sete carros ingressaram no pátio. Outro caminhão foi usado para fechar a rua e as vítimas ficaram lado a lado, em cordão humano, como forma de proteger a quadrilha caso a polícia chegasse. Os ladrões roubaram 3,1 mil celulares, com valor estimado em R$ 1 milhão, além de três revólveres, uma espingarda e coletes balísticos dos vigilantes.

Para o delegado Alexandre Fleck, da Delegacia de Repressão ao Roubo e Furto de Cargas do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), ao longo dos nove ataques o grupo — que mantém o mesmo núcleo, mas alterna integrantes ao longo dos roubos — se especializou nesse tipo de ação. As táticas foram aprimoradas. A forma de ingressar nos prédios atacados é justamente o que mais tem mudado. No início, usavam mais caminhões e depois passaram a usar vans. Em três roubos foram usados veículos roubados para derrubar os portões dos depósitos.

Uma forma de agir empregada em novembro de 2017 voltou a ser utilizada no final do ano passado. Os criminosos mantiveram donos de transportadoras ou familiares em cárcere privado e exigiram que a entrada nos locais onde os celulares estavam fosse liberada. Foram três delitos cometidos desta forma.

Ao longo da investigação,  foi descoberto pela Polícia Civil que o funcionário de uma transportadora estava com um dos celulares roubados. Ele foi preso por receptação, durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão.  Segundo a polícia, ele acabou solto, mas segue sendo investigado por envolvimento no assalto. Outro membro da transportadora também é investigado. 

"Eles têm mais informações do que a gente mesmo"

Outro funcionário, com cargo de gerência em uma das empresas assaltadas, afirma que foi necessário alterar as ferramentas de segurança após o roubo. Ele relata que as vítimas que permaneceram na mira dos criminosos ficaram traumatizadas, especialmente porque o grupo demonstrou conhecer suas rotinas:

— Não conseguiam nem trabalhar direito por conta do trauma. Tivemos de mudar toda a rotina, principalmente a segurança. Adotamos quase uma rotina de banco. Eles (ladrões) têm mais informações do que a gente mesmo. Sabem quando vai chegar o produto, que horas e que já está no depósito.

O gerente afirma que os assaltantes procuram não necessariamente os celulares de maior valor, mas sim aqueles que têm maior circulação. O que, para ele, também evidencia que possuem conhecimento sobre o mercado:

— Eles sabem inclusive os modelos que estão no depósito, escolhem o de alto giro. O celular da moda. Nem sempre vão lá no mais caro. Vão no que é mais fácil de repassar.


Rigor na seleção de funcionários

O Sindicato dos Transportadores de Cargas (Setcergs) confirma que a carga de eletroeletrônico é a mais visada atualmente e reconhece a existência da possibilidade de funcionários de transportadoras envolvidos com quadrilhas. Uma prova disso é o fato de frequentemente há ladrões usando informações consistentes e atuando normalmente sob encomenda ou com prévio ajuste para a distribuição dos produtos roubados.

— São sugeridas em todos os encontros ou diretamente para transportadoras o rigor na seleção de funcionários, treinamento adequado e condutas específicas de segurança, inclusive condutas defensivas — afirma João Carlos Trindade, ex-comandante-Geral da Brigada Militar e da Comissão de Segurança do Setcergs.

Ele diz que apoia integralmente as ações de investigação e ressalta que tem recomendado a exigência de rigor na contratação de motoristas e funcionários. O Setcergs defende também mais comunicação entre o poder púbico e empresas para que as polícias possam saber e monitorar, por exemplo, algum caso de transporte ou armazenamento de cargas de alto valor.

— Seria uma medida preventiva e uma forma de alerta para tentar evitar algum possível roubo —  argumenta Trindade.

Contraponto

FedEx Express:
"A segurança e proteção de nossos colaboradores e da carga dos nossos clientes são nossas maiores prioridades e cooperamos com as autoridades nas investigações de atividades criminosas visando nossas operações. Contamos com diversos níveis de proteção e continuamos aprimorando nosso programa de segurança. Nós não divulgamos detalhes das nossas medidas de segurança."

Latam:
"A Latam Cargo Brasil informa que está colaborando com as autoridades policiais nas investigações."

Multisom:

A direção da Multisom afirmou que prestou apoio aos funcionários vítimas do ataque ocorrido em novembro do ano passado, que alterou regras de segurança e que está colaborando com as investigações.


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