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"Não adianta ficar remendando aquele prédio", explica diretora do IGP sobre necrotério

Segundo Heloísa Helena Kuser, um terreno está sendo procurado para substituir atual prédio na Avenida Ipiranga, em Porto Alegre

31/05/2019 - 21h13min


Rodrigo Lopes
Rodrigo Lopes
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Isadora Neumann / Agencia RBS
Sede do DML fica na Avenida Ipiranga, na Capital

Na manhã desta sexta-feira, 31, a diretora do Instituto-Geral de Perícias (IGP), Heloísa Helena Kuser, e o diretor do Departamento Médico-Legal, Luciano Haas, receberam GaúchaZH na sede da Secretaria da Segurança Pública, para esclarecer as condições do necrotério da Capital.

As autoridades creditam a superlotação a entraves burocráticos e ao cuidado na precisão do trabalho de identificação dos corpos. O governo admite que o atual prédio do DML, construído nos anos 1970 e localizado na Avenida Ipiranga, não tem estrutura física adequada para o trabalho. Por isso, um terreno para a construção de nova sede está sendo procurado. 

A reportagem não foi autorizada pela Secretaria da Segurança Pública a ingressar no necrotério, sob argumento de segurança do repórter. A seguir os principais trechos da entrevista.

Por que a câmara fria está superlotada?
Heloísa Helena Kuser
— Temos um prédio construído na década de 1970. Atualmente, tem essa sobrecarga, porque existe todo um processo. Nosso papel é entregar para as famílias um corpo identificado. Cada um dos 76 cadáveres tem um porquê. Quando termina a necropsia, a família pega uma declaração de óbito e vai até o cartório. Muitas vezes, não retorna para a retirada do corpo. Muitas vezes, o corpo entra como desconhecido e precisamos dar a identidade da vítima. O exame de DNA consegue ver o grau de parentesco, consegue registrar que fulano é filho daquele pai, mas não diz que aquele indivíduo é José e não João. Não podemos entregar o José podendo ser o João. O DNA dá o grau de parentesco, mas não diz que é aquele indivíduo. Alguns casos estão nessa condição. Ele pode ter irmãos desaparecidos, a gente não pode entregar. Como resolve esse problema? Judicialmente. A família é orientada a ir na Defensoria Pública, o juiz vai ter o contexto, a situação da família. Nesses casos, ele manda uma ordem judicial para que seja entregue esse corpo.

O que diz a legislação sobre o tempo de permanência de um corpo sob custódia do Estado?Luciano Haas — Não tem legislação. A gente pode ficar com o corpo o tempo que quiser. O corpo passa a ser do Estado, e a gente faz todas as perícias que achar necessárias pelo tempo que precisar. A gente espera 15 dias para sepultar aqueles corpos cuja família não foi buscar. Esse tempo não existe também, há Estados que sepultam no dia seguinte por excesso de corpos, outros aguardam 30 dias. A gente decidiu por 15 dias. Se não houver procura, a gente mesmo faz sepultamento nos cemitérios de corpos que não são vítimas de violência. O DNA foi um grande avanço. Só há a questão que nem sempre consegue identificar quando é filho ou irmão. O exame diz com 99,9% que é um filho daquela pessoa ou irmão, mas a gente não sabe qual dos dois. Como existem situações envolvendo seguro, pensão, aposentadoria, a gente precisa ter essa certeza absoluta. 

Então, entrava na questão burocrática?
Heloísa  —
Em alguns casos, inclusive, há ordem judicial para guardarmos o corpo. Alguns a gente já tentou sepultar, mas o juiz ordenou que não. 

Luciano — Cada um desses 76 casos, a gente tem que ir resolvendo passo a passo. Às vezes, tranca. Esses casos em que familiares levam a declaração de óbito, a gente tem que ver em todos os cartórios se foi feita ou não a certidão de óbito. A gente não pode fazer o sepultamento sem ter essas respostas. 

Há corpos desde 2010 no necrotério?
Luciano —
Não, não sei de onde vem essa informação. São dois de 2015, os mais antigos. É por esse problema de declaração de óbito, que foi levada, e eles (familiares) não foram buscar o corpo. Isso geralmente ocorre porque querem continuar recebendo pensão, aposentadoria, não aparecem nos cartórios, porque esses órgãos vão informar as redes, que são responsáveis por suspender essas pensões.

Os dois termostatos do IML da Capital exibiam 13,7ºC e 18,6ºC. Por que está acima do razoável? Como é a manutenção?
Heloísa —
Imagina uma câmara que todo dia abre e fecha. Temos uma empresa de manutenção contratada, que a cada 15 dias faz a manutenção da câmara fria. Isso não havia antes. Isso (a temperatura elevada), se aconteceu, foi um pico. 

Se é uma exceção, em qual temperatura a câmara fria é mantida normalmente?
Luciano —
É para ser 0ºC. Alguns corpos congelam nas gavetas. 

Heloísa — À medida que aumenta a temperatura, o corpo se decompõe e libera calor. Quando libera, precisa de mais temperatura (refrigeração). É um processo biológico e físico acontecendo ali. E ainda o abre e fecha da câmara.

Luciano — A manutenção já disse que temos de trocar (a estrutura elétrica). Estamos atrás de terreno para a construção de novo prédio. A câmara fria, quando dá esse problema, que fica essa temperatura 13ºC, 14ºC, é tratado como uma urgência. Tu falas, e, na hora, vai alguém da manutenção resolver. 

Quando foi a última limpeza da câmara fria pela?
Luciano —
Uma vez por mês a gente limpa. Além de limpar, a gente faz um novo censo. Porque esses corpos ficam na antecâmara, a gente precisa ter numeração para isso, precisa ser bem identificado. Para limpeza, a gente tem de tirar todos os corpos, tem de descongelar as gavetas, tem de ser feito uma vez por mês para que a gente tenha controle.

Há chorume no piso da câmara fria?
Luciano  —
Não é para ter, mas, quando está chegando a época da limpeza, é isso aí. É muito corpo, às vezes fica corpo em cima do outro. Não é uma situação ideal. O ideal era ficarem todos nas gavetas e a gente poder limpar a parte da frente. Não é o ideal. Ali, é o nosso ponto nevrálgico, por isso está todo mundo... O IGP está sempre envolvido com a câmara fria do DML, porque são diários os problemas não só com familiares, mas com relação a essa questão da superlotação e questões físicas.

Sobre a sala de necropsia, para onde vai as substâncias dos corpos, como sangue? Existe esgoto adequado para esse tipo de substância?
Luciano —
Não tem. 

Heloísa — Há duas semanas, fomos ver o caminho (do encanamento) junto ao Dmae para ver os fluídos, onde davam. Estavam indo para o caminho correto. Vai para caixa do esgoto.

Esgoto cloacal?
Heloísa —
Cloacal. 

O equipamento semelhante a um scanner não pode ser ligado por conta da estrutura elétrica do prédio?
Heloísa —
O scanner foi uma doação do Ministério da Justiça, em 2013, 2014. A Secretaria Nacional de Segurança Pública comprou esses equipamentos e repassou ao Estado. Não perguntou se o Estado tinha condições elétricas para receber tal equipamento. É um equipamento extremamente importante, vai passando o corpo, vai vendo onde estão os projetis. A gente teve o problema elétrico. Começou a funcionar, mas à medida que funcionava, ia estragando. Demandava muita energia elétrica e contribuía para o não funcionamento de outros equipamentos. Eletricistas foram lá, mas não conseguiram resolver, porque o problema é maior. Precisa de uma empresa de engenharia para ver a situação. Tem que fazer outro aterramento, outro disjuntor, fiação paralela para não comprometer os equipamentos do laboratório. Estamos com orçamentos de cinco empresas de engenharia elétrica para resolver esse problema.

Quanto tempo demora para a entrega de corpos para as famílias?
Heloísa —
Legalmente, teríamos seis horas para iniciar a necropsia. O corpo chega, é feita a necropsia, pode levar de uma hora a quatro, cinco horas, depende do caso. 

Quantas necropsias por dia?
Luciano —
Doze necropsias em média por dia. 

E o piso, pretendem trocar?
Heloísa —
A gente está orçando, vai ter de fazer uma pausa (nos trabalhos) por um período (para a troca). 

Por que o DML não irá para o novo prédio do IGP?
Heloísa —
Anterior a 2010, a proposta era trazer todo o IGP da Capital (Departamento de Criminalística, Departamento Médico Legal, Departamento de Identificação e Laboratórios) para esse único prédio. Mas como não houve condições financeiras, com os recursos que vieram à época (80% federal) foi feita uma remodelagem. O que estamos construindo é o centro regional de excelência em perícias criminais da Região Sul. A obra está 76% pronta. A previsão de entrega é até outubro. Nesse prédio, vão vir o Departamento de Criminalística e laboratórios. O DML precisa de estrutura peculiar, e o Departamento de Identificação tem atendimento ao público. Como a gente está trabalhando com provas, tem de ter muito controle dessa entrada e saída de pessoas. O DML tem área para exames de lesões corporais, todo apenado que entra e sai do presídio tem que ir lá, olha a movimentação de pessoas, a gente tem de ter cuidado com segurança orgânica. Como é proposta de excelência, naquele momento, a decisão foi por ocupar esses prédios. Mas a gente já está atrás de um terreno para o novo DML, porque a gente está vendo que não adianta ficar remendando aquele prédio. Esse novo DML deve ficar perto desse novo prédio do IGP. Já está em processo aberto com o governo, apontando alguns prédios.

Luciano — Década de 1970, tinha 903 mil pessoas em Porto Alegre. O censo 2010, quase 1,5 milhão. Sem falar que aumentaram as cidades da Região Metropolitana, também mandam para cá. São 10 cidades. Aumentou muito o número de atos de violência. Não só o tipo de morte, como por exemplo, tiros. Antigamente, tinha uma média de um por dia. Agora são três (homicídios por arma de fogo), que não são um tiro. Há 10, 20 tiros (no corpo). Essa necropsia leva cinco horas. 

 Para entender melhor a precariedade do local, confira o infográfico: 






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