Polícia



Operação Egypto 

Análise de documentos e escutas telefônicas: como está a investigação da PF contra suspeitos de fraude financeira

PF e MPF apuram suposto esquema que teria sido operado pela empresa inDeal. Inquérito deve ser concluído em duas semanas

03/06/2019 - 22h02min


Eduardo Matos
Eduardo Matos
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Leticia Mendes
Fernando Gomes / Agencia RBS
Na ofensiva, foram apreendidos 37 carros, a maioria deles de luxo

A primeira etapa da investigação sobre suposto funcionamento como instituição financeira clandestina por parte de uma empresa de Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, deve ser concluída nas próximas duas semanas. Para isso, Polícia Federal e Receita Federal, em ação com o Ministério Público Federal (MPF), cruzam a análise de documentos apreendidos na Operação Egypto e as informações disponíveis no sistema da inDeal, com escutas telefônicas e depoimentos. O objetivo é esmiuçar a real situação financeira da empresa, que teria captado em pouco mais de um ano cerca de R$ 1 bilhão.

No dia 21 de maio, cinco sócios, três esposas e mais dois colaboradores da empresa foram presos de forma preventiva. Eles formariam a estrutura central da inDeal. No entanto, há mais pessoas investigadas, parte delas por tentar obter informações sigilosas da apuração. 

Além dos 10 presos na operação, são apontados no inquérito dois diretores comerciais — que seriam responsáveis pelo contato com as franquias e treinamento de equipe. A Ferrari, avaliada em R$ 700 mil, apreendida durante a ofensiva, conforme as investigações, seria de um deles. Além dessa dupla, uma advogada e um bancário também são investigados. Mandados de busca e apreensão foram cumpridos na residência da mulher e na agência onde ele trabalha . A estimativa é de que até 15 possam ser indiciados neste primeiro inquérito. 

A empresa, com atuação no mercado de criptomoedas, é investigada por supostamente estar operando como uma espécie de banco clandestino. Pela lei, captar, intermediar e aplicar recursos de terceiros demanda autorização do Banco Central. O próprio sistema da inDeal, segundo a investigação, assemelha-se a de unidades bancárias. O investidor podia visualizar os valores aplicados, os rendimentos, além de fazer saques e possíveis transferências para outros clientes.

Neste momento, o objetivo da investigação é entender quanto do valor captado pela inDeal ainda estava em posse da empresa. Parte da quantia foi resgatada pelos investidores antes da operação. O dinheiro também teria sido usado para comprar bens de luxo, como casas, veículos e joias. A esposa de um dos sócios teria adquirido mais de R$ 500 mil em esmeraldas. Segundo a investigação, o pagamento teria saído das contas da empresa. Quanto ao papel das companheiras dos sócios, há escutas telefônicas em que uma delas dá ordens sobre a rotina da inDeal.

Ouvido na semana passada, um técnico contábil relatou que prestava serviços para a empresa. O profissional teria dito que pedia documentos aos sócios, como extratos, mas não eram entregues. Na prática, a contabilidade não seria útil para avaliar a situação financeira da inDeal.

— Nem o contador faz ideia do tamanho do passivo. É uma caixa de pandora — afirma um dos investigadores envolvidos na operação.

Até a data da operação, a inDeal tinha, pelo menos, 55 mil clientes cadastrados em seu banco de dados. Cerca de 80% deles teriam feito investimentos de até R$ 20 mil. No total, o valor captado é estimado em R$ 1 bilhão. Após os bloqueios judiciais, auditores estão analisando o sistema da empresa para entender quantos investidores ainda estavam ativos.

Até a operação ser deflagrada, estimava-se que seriam necessários R$ 300 milhões para que a empresa saldasse os valores dos investidores. Agora, os auditores buscam dentro do sistema da inDeal confirmar quantas pessoas tinham contas ativas e quais os valores que ainda estavam em posse da empresa. Os bloqueios bancários, que incluem contas em nome de sócios, esposas e da inDeal, são "bem inferiores" a esse valor, segundo uma das autoridades envolvidas na investigação.

Também está sendo analisado quanto efetivamente foi transformado em criptomoeda. A estimativa é de R$ 850 milhões aplicados na empresa, menos de 10% tenham sido investidos dessa forma. A maior parte dos valores teriam sido aplicados em investimentos convencionais.

A análise dos documentos deve ser uma das fases mais extensas da operação. Para isso, a equipe de investigação recebeu reforço de servidores. O número, no entanto, não é divulgado. Estão sendo avaliados materiais apreendidos na ação, como contratos, procurações, recibos, escrituras de imóveis, extratos, notas de bens de luxo.

Foram finalizadas na sexta-feira (31) as transcrições das últimas interceptações telefônicas. Há conversas entre os investigados, conforme apurou a reportagem, que chegam a mais de uma hora, sendo que pequenas partes é que acabam sendo sobre as negociações da inDeal. O amplo material precisa ser minuciosamente analisado. Os agentes estão cruzando os dados com denúncias recebidas após a operação ser deflagrada. Os elementos colhidos até o momento indicam que, após essa primeira etapa, novos inquéritos podem ser abertos para apurar a participação de outros envolvidos.

Depoimentos

Conduzidos à Delegacia de Combate a Crimes Financeiros (Delecor) da Polícia Federal (PF), em Porto Alegre, os sócios Régis Lippert Fernandes, Francisco Daniel Lima de Freitas, Ângelo Ventura da Silva, Marcos Antônio Fagundes e Tássia Fernanda da Paz, as esposas  Neida Bernadete da Silva (casada com Régis), Fernanda de Cássia Ribeiro (companheira de Francisco Daniel) e Karin Denise Homem (esposa de Ângelo) se negaram a falar sobre o caso. 

Já Paulo Henrique Godoi Fagundes, que seria responsável pela área de tecnologia da informação (TI) da empresa, e Flávio Gomes de Figueiredo, que atuaria na captação de clientes por meio de marketing de rede, prestaram depoimento. Os dois teriam assumido o vínculo com a inDeal e detalharam o funcionamento do negócio. No entanto, não confirmaram que sabiam que a empresa estaria atuando como instituição financeira clandestina.


Possível leilão de bens

Um dos principais argumentos que levaram à prisão preventiva foi o salto patrimonial dos investigados. Em cerca de um ano, o patrimônio dos sócios passou de cerca de R$ 400 mil para R$ 144 milhões, segundo a Receita Federal. Segundo a investigação, bens em nome dos sócios e de familiares teriam sido adquiridos a partir dos recursos captados.

Os bens apreendidos, que estão à disposição da Justiça, entre eles 37 veículos, incluindo modelos de luxo, poderão ser encaminhados para leilão, como forma de reaver parte dos valores. A guarda desses automóveis está com a PF, mas a gerência sobre o destino deles é da Justiça Federal. Além dos carros, imóveis foram sequestrados e valores em contas bloqueados.

— Tudo que foi adquirido depois do incremento patrimonial é produto do crime — explica uma das autoridades envolvidas na apuração do caso.

A orientação, tanto da PF quanto do MPF, para os investidores que não conseguiram resgatar os valores é buscar auxílio de um advogado para tentar conseguir a devolução por meio de ação judicial.


Os crimes investigados

— Organização criminosa.
— Operação de instituição financeira sem autorização legal
— Gestão fraudulenta
— Apropriação indébita financeira
— Lavagem de dinheiro

Busca pela liberdade

Conforme apurou a reportagem de GaúchaZH, já houve pelo menos seis pedidos de liberdade negados pela Justiça Federal. Alguns feitos diretamente ao juiz do caso e outros no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). 


O que dizem os investigados

A reportagem de GaúchaZH voltou a ligar para a advogada Veridiana Paiva, que defende a inDeal, mas ela não atendeu as ligações. 

Também foi feito contato com um advogado que poderá defender alguns dos investigados, mas ele disse que prefere não falar no momento, porque ainda não está oficialmente no caso. No entanto, se dispôs a conversar com GaúchaZH assim que ingressar na defesa.

Outro advogado, que também estaria atuando na defesa dos presos, não atendeu as ligações.  


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