Polícia



Estelionato

Mulheres enganadas desmascaram falso agente federal que conquistava vítimas para aplicar golpes

Daniel Lopes da Silveira, 38 anos, foi preso em shopping da capital paulista e está detido no Presídio Central de Porto Alegre

04/08/2019 - 17h54min


Leticia Mendes
Félix Zucco / Agencia RBS
Natural de Novo Hamburgo, Daniel Lopes da Silveira é apontado por vítimas como autor de estelionato

 — A minha vida foi toda uma mentira.

A mensagem gravada em áudio por Daniel Lopes da Silveira, 38 anos, para uma mulher com quem manteve relacionamento é o resumo de uma trajetória de faces ocultas. Preso em 24 de julho, em um shopping paulista, o homem natural de Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, passava-se por agente da Polícia Federal. Mas os crimes pelos quais é investigado vão além disso. É apontado como autor de série de golpes para obter dinheiro de mulheres e seus familiares no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, no Paraná e em São Paulo.

Por um ano e meio, uma assistente social e moradora da Grande Porto Alegre acreditou que convivia com um policial federal. A maior parte desse tempo, moraram juntos. Por certo período, diariamente levava o companheiro até o Aeroporto Internacional Salgado Filho. Com a camiseta da PF, colete tático e arma (todos itens falsificados), ele desembarcava no início da manhã e só retornava no fim da tarde. Dan, como era chamado, contava detalhes da profissão e chegou a incentivar a mulher a prestar concurso para a PF.

As viagens eram constantes e justificadas pelo fato de integrar um grupo especializado da corporação. Ele voava com frequência para São Paulo e Brasília. Era a mulher quem comprava as passagens aéreas. Segundo o companheiro, o valor era reembolsado pela PF - a vítima nunca soube como, mas o homem pagava as despesas do cartão de crédito. Assim, passava uma ou duas semanas longe. Em uma das empreitadas mais longas, o falso agente passou 20 dias fora de casa. Contava à companheira que estava na Venezuela, em missão internacional.

Arquivo Pessoal / Arquivo Pessoal
Fotos que as mulheres afirmam ter recebido de Dan, uniformizado como policial federal

No RS, o casal fazia preparativos para o casamento. A mulher deixou a casa da mãe e alugou um apartamento para os dois. Adquiriram também um veículo juntos. Conforme a relação se intensificava, ela se isolava de familiares e amigos. Carismático no início da relação, com o passar do tempo, demonstraria ciúme constante e até comportamento explosivo. Rompeu relação com os parentes da mulher. Com Dan, a assistente social teve um bebê no início do ano. Mudaram-se para uma casa em fevereiro, onde haveria mais espaço para criar a menina.

Os planos foram interrompidos em julho, quando a mulher se deu conta que estava envolvida na trama de mentiras. Descobriu, ainda, que outras mulheres estavam ou estiveram em algum momento na mesma situação que a dela. Dan estaria mantendo relacionamentos em São Paulo, Santa Catarina e no Paraná. Para as outras também teria dito ser policial federal e, inclusive, dividiria apartamento com uma das vítimas. Fotografias postadas nas redes sociais teriam revelado a outra vida que o homem levaria em paralelo ao relacionamento mantido no RS.

Segundo as próprias vítimas, há mais mulheres lesadas. Estamos tentando identificá-las e localizá-las. A divulgação é importante para que as vítimas se sintam encorajadas.

JOÃO ROCHA

Delegado da PF

Foi também pela internet que as mulheres se uniram e passaram a desbaratar a vida do falso agente. Em contas conjuntas dos casais, no Instagram, ele teria deixado o rastro para que as vítimas se encontrassem. Com receio de que as fotos fossem visualizadas pelas mulheres, ou por seus familiares, o homem bloquearia as contas. A partir daí, as mulheres resolveram desbloquear os contatos. Trocavam mensagens e as histórias coincidiam. Dan acumulava série de relações na qual o desfecho teria sido o mesmo: o relacionamento acabava após obter dinheiro das mulheres, de seus parentes e amigos.

— Hoje estamos unidas e sabemos as histórias umas das outras. Comparamos os períodos e descobrimos que era tudo mentira o que ele contava — relata uma das vítimas, também do RS, que afirma ter sido lesada em cerca de R$ 40 mil.

Os valores, segundo a Polícia Federal, teriam variado de R$ 20 mil até R$ 100 mil. A assistente social alega ter sido lesada em cerca de R$ 50 mil.  

Salário suspenso seria justificativa para pedir dinheiro

Segundo a mulher, o companheiro afirmava estar usando o dinheiro para investir em novos negócios. Mas conforme a investigação da PF, com cada vítima o falso agente usava diferentes argumentos, como a negociação de um terreno, de veículos e até a obtenção de vistos ou liberação de mercadorias apreendidas no porto de Rio Grande, por valor inferior ao de leilão. Outra situação que teria sido contada repetidas vezes por ele é a de que teve o salário suspenso por punição administrativa.

Um dos casos chamou a atenção da investigação. Em fevereiro, o homem teria apresentado à companheira da Região Metropolitana um documento que determinaria sua transferência para a embaixada brasileira nos Estados Unidos. Dan teria alegado ter direito a levar dois funcionários para trabalhar como motorista e babá. Interessados nos empregos, um primo e um amigo da mulher chegaram a pagar R$ 1,3 mil ao falso agente para que encaminhasse a documentação necessária. Ele ainda teria sugerido à mulher vender um imóvel da família para adquirir outro no novo país, mas a assistente social se recusou a fazer a negociação antes de se estabelecer nos EUA.

Polícia Federal / Divulgação
Armas de airsoft, algemas e coletes com identificação da PF estão entre materiais apreendidos na investigação

Quando soube que estava sendo enganada, a mulher ficou sabendo que o documento teria sido forjado pelo próprio companheiro. O arquivo estava salvo no computador de outra vítima. Ao menos 13 mulheres trocaram mensagens afirmando ter sido ludibriadas pelo mesmo homem. O caso mais antigo é de 2007. No entanto, somente a partir de 2011 ele teria passado a forjar a profissão de agente da PF. Uma das vítimas procurou a corporação em Porto Alegre e denunciou o caso, em julho. Até o momento, 10 vítimas (entre mulheres e familiares) foram identificadas formalmente. Algumas, por medo ou vergonha, mesmo sabendo dos demais casos, negaram-se a falar.

— Segundo as próprias vítimas, há mais mulheres lesadas. Estamos tentando identificá-las e localizá-las. A divulgação é importante para que as vítimas se sintam encorajadas. Tem algumas, mais antigas, que está mais difícil. Entendemos que a pessoa, por vezes, pode ter resistência em falar. Daqui a pouco, já está em outro relacionamento, então mesmo que ela seja citada como vítima não quer se expor — afirma o delegado da PF João Rocha, que comanda o inquérito do caso. 

No WhatsApp, vítimas criaram grupo

Como forma de apoiar uma à outra e trocar informações sobre o que aconteceu, as mulheres criaram um grupo de WhatsApp. Assim, foram descobrindo histórias parecidas e a forma semelhante de agir do falso agente. A reportagem conversou com três mulheres que alegam ter sido vítimas de Dan. Uma delas, em Santa Catarina, diz que além da perda financeira, o episódio deixou traumas psicológicos:

— É diferente de um assaltante que entra na tua casa. Um assaltante não conhece tua família (...). Desenvolvi ansiedade, labirintite. Tinha crise de desmaios do nada. Boa parte por conta da situação financeira. Ainda pago essa conta. Tive medo de conhecer outra pessoa. Como confiar de novo? 

Em depoimento, a confissão

Quando teve a prisão preventiva decretada, Daniel Lopes da Silveira estava em São Paulo. Lá, passou a ser monitorado por agentes federais. Em 24 de julho, com uma mala de roupas, em um shopping, foi preso pelos policiais. No dia seguinte, foi encaminhado de volta a Porto Alegre, onde foi ouvido. Em depoimento, segundo o delegado federal João Rocha, admitiu que havia enganado algumas mulheres. 

— Ele, inicialmente, negou. Depois disse que tinha enganado mesmo, mas que ia resolver tudo. Genericamente, concordou que enganou várias pessoas. Ele diz que começou e não viu o momento de parar. Mas mesmo depois de um tempo afastado, teve a capacidade de ligar para essas mulheres, pedir mais dinheiro, e dizer que ainda as amava. Até quando estava próximo de ser preso, tem depoimentos de mulheres que confirmam que ele estava ligando para pedir dinheiro. É um estelionatário — afirma o policial.

Materiais apreendidos com ele durante a prisão — um notebook e um celular — serão periciados para verificar se há provas dessas trocas de mensagens com as vítimas. As mulheres apresentaram durante os depoimentos prints de conversas e fotografias que ele teria enviado para elas. Conforme a PF, o preso será indiciado por falsificação de selo ou sinal público, ameaça e estelionato em concurso material (por haver mais de uma vítima).

— Algumas vítimas foram ameaçadas por ele quando começaram a cobrar os valores. Ele se valia dessa figura de policial para ameaçar — explica o delegado Rocha.

O homem foi mantido na carceragem até ser encaminhado ao Presídio Central, onde permanece em prisão preventiva. Em crimes de competência da Justiça Federal, o prazo para conclusão da apuração é de 15 dias para suspeito preso. Portanto, o inquérito deve ser remetido até o fim da próxima semana. A advogada Josiane Schambeck informou que ingressou com pedido de liberdade do cliente e que Silveira está colaborando com as investigações. 

A advogada enviou nota à reportagem.

"O pedido de liberdade do Daniel já foi protocolado, e o Ministério Público já foi intimado também para apresentar seu parecer sobre o pedido. Após isso, irá para apreciação e decisão do juiz responsável pelo processo. Por enquanto vamos aguardar tal decisão e, se for o caso, entramos com o pedido de habeas corpus para que ele responda pelas acusações em liberdade. Os fatos já estão sendo melhor esclarecidos e algumas acusações nem deveriam estar sendo discutidas na esfera criminal. Mas, por enquanto vamos aguardar a decisão do juiz referente ao pedido de liberdade e seguiremos trabalhando para este fim." 

Josiane Schambeck

Como denunciar

 Caso você tenha alguma informação, procure a Polícia Federal. O contato pode ser feito pelos telefones 51-3235-9013 ou 51-32359000 (horário comercial). Vítimas de outros golpes, que não tenham competência federal, podem procurar outros órgãos de segurança, como Polícia Civil (197).  


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