Polícia



Mistério no Litoral Norte

Na esperança de achar filho desaparecido há 20 anos, mãe envia DNA para banco global

Bruno Leal da Silva, à época com nove anos, sumiu após sair de casa de bicicleta, em Imbé. Para a Polícia Civil, menino está morto

14/10/2019 - 07h59min


Adriana Irion
Adriana Irion
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A esperança que a família de Bruno Leal da Silva, desaparecido há 20 anos no balneário de Imara, em Imbé, no Litoral Norte, alimenta de encontrar o menino vivo ganhou novo capítulo há uma semana.

Em Porto Alegre, Devercina França Leal da Silva, mãe de Bruno, coletou DNA para ser incluído em banco de dados mundial. O objetivo: garantir que o material genético fique preservado e catalogado para que, algum dia, talvez possa ajudar na localização do próprio Bruno ou algum descendente dele.

Para Devercina, o passo é apenas mais um na jornada de 20 anos que percorreu em busca de notícias do menino, desaparecido em 10 de julho de 1999. É com convicção que a dona de casa afirma que Bruno está vivo, possivelmente, residindo em outro país. O menino sumiu com nove anos. Se estiver vivo, completou 30 anos em agosto.

— Enquanto Deus me der vida e força, vou lutar — garante.

A Polícia Civil de Imbé chegou a prender e indiciar um suspeito da morte do menino, o Ministério Público o denunciou, mas a Justiça não levou o caso adiante porque não havia prova da materialidade do crime, já que o corpo de Bruno nunca foi encontrado. Com o passar dos anos, depois de o caso sair do noticiário e não ter a solução esperada a fim de responsabilizar o suspeito, Devercina foi buscando alternativas para seguir na busca:

— Me senti muito vazia, sem apoio, sem ninguém para me ajudar. Comecei a achar outras formas de procurar. Na delegacia, diziam que precisava um fato novo.

Ela então voltou a estudar, fez curso de computação e autoescola. Dirigindo, passou a fazer buscas por conta própria no Litoral. Mas o computador se tornou o principal aliado:

— Comecei a me inscrever em sites de crianças desaparecidas. Vasculhar tudo. Olhar grupos, contar minha história. Onde tinha alguém procurando a mãe biológica, ia olhar as fotos. Foi assim que cheguei nesse grupo (que lançou uma corrente para distribuir kits de DNA para pessoas em busca de parentes) — conta.


Estados Unidos

Devercina se inscreveu na campanha de "teste de ancestralidade" coordenada por uma voluntária brasileira que mora na Inglaterra. Doze brasileiros foram selecionados para receber gratuitamente o chamado kit DNA para a coleta do material genético. A mãe de Bruno esteve em um laboratório na Capital, semana passada, para coletar saliva. O material foi enviado a uma das empresas que mantêm banco de dados de DNA mundial.

No caso dela, o material ficará armazenado em um laboratório nos EUA. Lá, será comparado aos demais já catalogados. Se algum parente for localizado, ela será avisada. Com o passar do tempo, Devercina, que tem um login e senha para acessar o sistema, pode fazer consultas periódicas a fim de verificar se há novidades.

O sucesso do sistema em encontrar pessoas desaparecidas ou parentes que não se conhecem, depende, segundo essa voluntária, de o máximo de cidadãos se catalogarem nesses bancos de dados, que são mantidos por empresas privadas. Apesar de algumas mudanças na rotina, Devercina e o marido Nazareno jamais desapegaram das lembranças do filho. Venderam a casa em que viviam quando ele sumiu, mas construíram nova moradia em rua próxima, onde vivem com o filho Breno, 17 anos.

A outra filha, Bárbara, que tinha seis anos quando Bruno sumiu, mora hoje em outra cidade. Os pertences de Bruno estão guardados.

— Penso nele todos os dias, rezo e peço para que Deus me deixe achar ele antes de eu morrer — desabafa Devercina, 45 anos.

A bicicleta que Bruno usava quando sumiu, depois de devolvida pela polícia, foi furtada do pátio da casa. As esperanças, agora com o teste de DNA, seguem, diz a mãe:

— Futuramente, se o Bruno fizer algum exame (que seja incluído no mesmo banco de DNA), a gente consegue achá-lo. Ou um filho ou um neto dele. É um exame global, fica armazenado.


"Me sinto muito frustrado", diz ex-delegado que investigou o caso Bruno

O ex-delegado da Polícia Civil Juarez Francisco Mendonça, 63 anos, que conduziu a investigação do sumiço de Bruno Leal da Silva, conta que não gosta de falar do caso mais importante de sua carreira. Mendonça era titular da delegacia de Imbé à época do desaparecimento e concluiu o inquérito com indiciamento de um suspeito que não foi a julgamento. Leia a entrevista que o ex-delegado concedeu a GaúchaZH:

O que o senhor pensa sobre o caso 20 anos depois?
Não gosto nem de falar. Não tenho boas recordações deste caso.

Por quê?
Porque ficou sem solução, mesmo eu achando que tinha solução.

O senhor acredita que Bruno está morto?
Sim.

O senhor chegou a indiciar um suspeito.
Sim. Como não teve corpo, a conclusão que chegaram é que não tem homicídio sem corpo.

Qual seu sentimento?
Me sinto muito frustrado. Foi a investigação mais importante da minha carreira e a mais frustrante para mim. Com toda a repercussão que teve e acabou em nada.

A família avalia que houve brechas na investigação. O senhor concorda? Faria algo diferente hoje?
Não faria nada diferente. Mas acho que talvez hoje, com a tecnologia que se tem, se pudesse ter melhor resultado na perícia do DNA (uma amostra de sangue achada no carro usado pelo suspeito foi testada, mas o resultado foi inconclusivo).


Mistério em oito momentos

  1. Em 10 de julho de 1999, Bruno Leal da Silva, nove anos, saiu de casa na praia de Imara de bicicleta para apagar luzes de casas que eram cuidadas por sua família. Depois, ia encontrar o pai em Atlântida Sul. O menino sumiu e a bicicleta foi achada à beira da estrada.
  2. Em 25 de julho de 1999, um suspeito foi preso por ter dado pistas falsas à polícia e ter omitido informações consideradas importantes para a investigação. Foi solto três dias depois.
  3. Em agosto de 1999, a Polícia Civil de Imbé apreendeu um Gol que havia sido usado pelo suspeito. Peritos encontraram mancha de sangue no porta-malas e marcas de tinta na lataria do carro. O teste de DNA a partir do sangue foi feito em Brasília e o resultado foi inconclusivo, ou seja, não pode afirmar nem descartar que o material fosse de Bruno. 
  4. Outro exame, feito no Estado com apoio de peritos de São Paulo, indicou que a tinta na lataria do carro tinha as mesmas propriedades óticas da tinta do pedal da bicicleta de Bruno.
  5. Em setembro de 1999, o principal suspeito e outras cinco pessoas foram presas, enquanto a polícia fazia escavações pela praia em busca do corpo do menino. O inquérito foi concluído com indiciamento do principal suspeito por porte ilegal de arma, mas o Ministério Público denunciou o homem também por homicídio culposo e ocultação de cadáver.
  6. A Justiça acatou a denúncia por porte ilegal de arma, alegando que para enquadrar o suspeito em homicídio precisaria existir, ao menos, prova testemunhal, já que o corpo nunca foi achado.
  7. O MP recorreu, mas, em outubro de 2000, o Tribunal de Justiça entendeu não haver fundamento para receber a denúncia contra o suspeito.
  8. Em 2001, um crânio foi encontrado em Atlântida Sul, mas teste de DNA descartou a possibilidade de ser do menino.

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