Polícia



Feminicídio

"O foco dele era a Luiza, não conseguia se concentrar em outra coisa", diz mãe de jovem de 22 anos assassinada pelo ex-namorado no Alto Petrópolis

Luiza Vitória Bica Gonçalves foi morta a facadas no dia 6 de maio, em Porto Alegre , na frente de casa

19/05/2020 - 08h25min


Jeniffer Gularte
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Arquivo pessoal / Arquivo pessoal

Luiza Vitória Bica Gonçalves preparava um bolo de laranja quando a campainha tocou no começo da noite do dia 6 de maio. Desligou o forno e foi atender. Do quarto, onde se recuperava de uma cirurgia, a mãe, a secretária Sheila Bica, 47 anos, ouvia a filha dançar e cantar na cozinha enquanto a jovem de 22 anos finalizava a receita com cobertura caramelizada. No portão da casa no Alto Petrópolis, em Porto Alegre, estava o ex-namorado Fabio Freitas de Medeiros, 35 anos, que tinha ido buscar seus últimos pertences. Luiza foi alcançando as sacolas e ao entregar a última foi surpreendida com golpes de faca.

— Ela lutou, tentou se defender mas se machucou toda. Eu estava deitada e ouvi os gritos. Olhei pela janela e só vi ele correndo. Fui ver, nem lembrava mais da cirurgia. Quando cheguei no muro, ela já estava deitada no asfalto, morta — recorda Sheila.

Medeiros fugiu em um HB20, capotou na Avenida Protásio Alves e foi preso em flagrante. Foi hospitalizado, chegou a passar por neurocirurgia e já recebeu alta. Agora está preso preventivamente na Penitenciária Estadual de Canoas. Responsável pelo caso, a titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), delegada Tatiana Bastos afirma que imagens em vídeo mostram a cena do crime. Luiza levou pelo menos 10 facadas no abdómen e sofreu uma grande lesão no pescoço. O inquérito já foi concluído e remetido ao Judiciário, com indiciamento de Medeiros pelo crime de feminicídio.

— Foi um crime premeditado, ele foi ao encontro dela com a faca. A prova testemunhal e as imagens dão conta da autoria do crime. Ele será ouvido só na fase judicial — afirma a delegada.

Instantes antes de Luiza ser atacada, Sheila perguntou se estava tudo bem e se não era preciso chamar alguém para ajudá-la – pois iria receber o ex. Ao mesmo tempo, deitada na cama, a mãe falava com Medeiros pelo WhatsApp e ele respondia sorrindo.

— Luiza disse que ele estava tranquilo, sóbrio. E que estava dizendo que ia seguir a vida dele — lembra a mãe.

Foram as últimas palavras que a Sheila ouviu da filha. A preocupação da mãe era porque um dia antes Luiza contou que Medeiros a ameaçou de morte caso começasse um relacionamento com outra pessoa. Sheila diz que a jovem tentou registrar ocorrência pela Delegacia Online e não conseguiu. Ligou para uma DP e foi informada que teria de ir presencialmente fazer a queixa. Acabou desistindo.

— Ela temia que se denunciasse, ele ficaria agressivo. Achou melhor esperar e ir levando a vida. Ela não estava se relacionando com ninguém e eu disse para ela não postar nada, não adicionar ninguém nas redes sociais e nem curtir nada. Tudo ele podia achar que era outra pessoa.


Dias antes do crime, flores e bombons

Luiza e Medeiros se relacionaram por quatro anos. Há um ano, viviam juntos na casa da mãe dela. Em janeiro de 2020, a jovem havia tomado a decisão de terminar o namoro. O motivo foi uma cena de ciúme de Medeiros por um familiar dela durante o Ano Novo, no Litoral.

— Foi um caos, ele fez um escândalo, estragou. E eu conversei com a Luiza e disse: deu, né, minha filha?

De volta a Porto Alegre, Luiza chegou a arrumar a mochila de Medeiros, mas ele apareceu em casa com o pé quebrado.

— Me sensibilizei, o cara tava quebrado, tinha um futuro pela frente. Ele me chamava de mamãe. Não tinha reclamação dele, até o dia 5 de maio (quando ameaçou Luiza).

Assim, ele foi ficando, dormindo na sala, até o dia 26 de abril, quando deixou a casa de Luiza. Nas palavras da mãe, a situação virou um peso para a filha, que estava perdendo o cabelo e parecia triste, presa, nas palavras de Sheila. Seis dias antes de assassiná-la, Medeiros apareceu com flores, bombons e declarações. Pediu para voltar, mas Luiza se manteve firme. Não queria mais.

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Fotos de viagem foram apagadas das redes sociais a pedido do ex-namorado

Durante pouco mais de uma hora de conversa por telefone com GaúchaZH na manhã desta segunda-feira (18), Sheila repetiu pelo menos três vezes um apelo às famílias para observarem sinais e mudança de humor dos filhos. Luiza nunca contou à mãe sobre as agressões. Mas desde o crime, Sheila vem recebendo relatos de amigos que presenciaram cenas em que Medeiros era violento ou ouviam relatos de Luiza a esse respeito.

— As famílias precisam entender o que tá acontecendo com seus filhos, puxar para conversar, sem criticar porque aí eles não vai se abrir. E tentar descobrir se o parceiro tem antecedentes criminais. Eu não sabia. Os amigos também têm de cuidar, ficar atentos, orientar, se a pessoa vir desabafar. A minha filha era perfeita. O defeito dela foi ter encontrado o Fabio e ser amorosa e querida com ele até o fim.

Medeiros tem antecedentes por roubo e chegou a ser preso. A delegada Tatiana Bastos afirma que os amigos de Luiza tinham conhecimento do histórico de violência do homem:

— O dever de denuncia não é só da vítima, as pessoas que estão próximas devem colaborar. Quando a vítima não deseja, a pessoa deve tomar iniciativa. Ele já tinha tentado esganá-la e tentado suicídio. Estava com todo desenho que poderia chegar ao feminicídio. A polícia não tinha conhecimento para tentar evitar.

Antes de o ex-namorado dar sinais de agressividade, Luiza tinha planos de casar. O ciúme de Medeiros pela jovem começou a ficar mais visível no segundo semestre de 2019, quando ela precisou focar no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) para a graduação em Nutrição. Como eram muitas horas de estudo, ele não gostava. Também se incomodava com os trabalhos em grupo. Vaidosa, Luiza gostava de se arrumar e era questionada pelo namorado:

— Por que está tão bonita?

Aos poucos, a vaidade da jovem começou a perturbá-lo e ele passou a buscar formas de humilhá-la, procurando defeitos e dizendo que a jovem estava engordando:

— Aí ela viu que não era isso que ela queria para vida dela.

Formada em março no Centro Universitário Metodista IPA, Luiza estava se capacitando, por EAD, em Recursos Humanos.

Passada a pandemia de coronavírus, pretendia iniciar um projeto na área de gestão nutritiva em restaurantes da Capital.

Enquanto se relacionavam, Luiza levou o namorado à Igreja Metodista da Vila Jardim, que frequentava desde a infância e o convenceu a estudar Ciências Contábeis:

— Ele era bom em números, mas o foco dele, não era ele. Era o ciúmes. O foco dele era a Luiza. Ele não conseguia se concentrar em outra coisa, porque tinha de estar sempre em cima dela. Ele é uma pessoa que não suportou perder a vida que ele queria levar. Pensou que se ele não teria, ninguém mais teria — avalia Sheila.

Ainda na cama, recuperando-se da cirurgia, Sheila tem ocupado o tempo respondendo as inúmeras mensagens que tem recebido. Também conta com o apoio de colegas da igreja e a visita de amigos. Luiza foi assassinada quatro dias antes do Dia das Mães:

— Naquele dia, minha casa encheu. Ontem (domingo), também. Mas nada vai trazer minha filha de volta. Nós tínhamos muitos planos, que não vão se concretizar.


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