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Golpes crescem 35,8% durante período de distanciamento social no RS

Enquanto a maior parte dos crimes caiu, estelionato teve 2.910 casos contra 2.142 no mesmo período de 2019

01/06/2020 - 09h02min

Atualizada em: 01/06/2020 - 09h18min


Leticia Mendes
Jeniffer Gularte / Agencia RBS

Na contramão da maior parte dos crimes que vem apresentando redução durante o período de distanciamento social, os estelionatos tiveram crescimento no Rio Grande do Sul. O mês de abril — com 35,8% de aumento em comparação com o mesmo período do ano passado - teve o maior número de casos registrados desde que os dados da Secretaria da Segurança Pública do Estado começaram a ser divulgados, em 2002. Em média, ao longo do mês, 97 casos de estelionato foram comunicados à polícia por dia.

Foi nesse período que uma fotógrafa, de 25 anos, de Capão da Canoa, no Litoral Norte, recebeu uma mensagem em um grupo de WhatsApp no qual a promessa era de que teria acesso a um serviço de streaming de graça. Sem desconfiar, acessou o site, acreditando que era uma iniciativa da plataforma durante a pandemia do coronavírus.

— Preenchi (os dados solicitados) e, quando pediu para enviar para 10 pessoas no Whats, não mandei e já vi que era golpe — conta a jovem, que prefere não ser identificada.

O combate ao coronavírus se tornou justamente um dos temas explorados pelos golpistas nos últimos dois meses — o mês de março também teve acréscimo nos golpes no Estado. Algumas das modalidades de trapaças incluem o contato por telefone, onde os estelionatários fingem que estão realizando cadastro para recebimento de vacinas, doação de máscaras e de álcool gel, entre outros.

— É importante neste momento de isolamento ter ainda mais atenção, pois, com menor circulação de pessoas nas ruas, é esperado sim um aumento dos golpes praticados pela internet ou por telefone. Nossas recomendações são que se redobre a atenção para ligações ou e-mails solicitando dados, enviando links clicáveis, pessoas fazendo contato em nome de Secretarias de Saúde, oferecendo vacinas ou testes da Covid-19. Essa situação da quarentena e da Covid-19 podem ser usadas como enredo para prática de golpes à distancia — afirma a delegada Cristiane Ramos, da Delegacia de Proteção ao Idoso em Porto Alegre.

Os idosos acabam sendo vítimas em potencial deste tipo de delito, seja praticado pessoalmente ou por telefone. Ela alerta ainda que as pessoas devem buscar se informar com órgãos oficiais e pedir ajuda aos familiares, caso desconfiem de algo.

WhatsApp

Outra modalidade que se tornou bastante comum é a que a usa a internet para disseminar sites falsos e, assim, obter dados das vítimas, que serão usados em novos estelionatos. Para isso, envolve temas como o auxílio emergencial concedido pelo governo federal. Os criminosos passaram a criar link falsos para serem acessados pelas vítimas e também aplicativos fraudulentos. 

— Meu celular ficou lento. Então baixei um antivírus e ficou melhor — recorda a fotógrafa sobre o link do serviço de streaming.

Crimes presenciais têm queda

Segundo o delegado André Anicet, da Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), não há como apontar com precisão os fatores que impulsionaram o acréscimo nos casos, mas ele considera que o distanciamento social pode ter sido um dos motivos. Já que os crimes presenciais que visam obter vantagem financeira, de maneira geral, apresentaram redução nesse período. Os assaltos, por exemplo, tiveram 3,2 mil registros a menos do que no mesmo mês do ano passado — de 5.836 para 2.544 (queda de 56,4%).

Conforme o policial, os golpistas têm utilizado nova modalidade de golpe pelo WhatsApp. A trapaça é semelhante à clonagem. O criminoso habilita um outro número no aplicativo e subtrai uma foto da vítima das redes sociais. Ele usa essa imagem no perfil novo criado com este telefone. Depois disso, contata familiares ou amigos.

— Ele afirma que está precisando de ajuda, que seja feito algum depósito em dinheiro. Essa é uma nova modalidade que chegou para nós. Mas as contas de depósito são todas de fora do Rio Grande do Sul. Por isso, a competência da investigação, a atribuição, acaba sendo desses locais, onde foi obtida a vantagem — alerta Anicet.

O músico que quase perdeu sua gaita

Músico e proprietário de um ônibus que freta para viagens, Carlos Ivã Borges Baptista de Lima, 22 anos, foi atingido diretamente pelas medidas de restrição para tentar conter a pandemia. No fim de março, pensando em como passar pelo período e conseguir quitar as contas, o morador de Viamão, tomou uma decisão difícil: se desfazer da sua gaita. Vítima de um grupo de estelionatários, ele viu a solução que havia encontrado se transformar em transtorno e prejuízo.

Para entregar o instrumento ao suposto comprador, o músico viajou da Grande Porto Alegre até Dom Pedrito, na Fronteira Oeste. Percorreu os quase 500 quilômetros de carro, junto do primo. Com a situação financeira complicada, os dois abasteceram o veículo e tinham no bolso somente uns trocados, mas contavam com o valor que receberiam da gaita para custear o retorno. A venda havia sido acertada por R$ 11 mil, pela internet. O golpista usou o perfil falso de uma empresa que realmente existe no município para dar mais credibilidade ao negócio.

Quando chegaram em Dom Pedrito, encontraram com um rapaz, que se identificava como sobrinho do comprador. Ele chegou até a indicar uma oficina como seu ponto de trabalho. Depois de verificar a gaita, fez contato com o outro estelionatário, que se passava por tio, dizendo que podia fazer a transferência do dinheiro. 

O músico recebeu por WhatsApp a imagem do comprovante da transação, mas, para se certificar, pediu que o sobrinho do comprador aguardasse uns minutos até o dinheiro entrar na conta. O jovem disse que não havia problema e ficou esperando. Pouco tempo depois o golpista, que se passava por cliente, telefonou para Lima e começou a pressioná-lo.

— Ele me ligou e perguntou se eu não ia liberar o sobrinho dele. Que ele já havia pago pela gaita. Em momento nenhum, desconfiei.

"Frio na barriga"

— Decidi ir até um posto na BR-290, onde ia abastecer e dali seguir embora. Quando cheguei lá, vi que o dinheiro não tinha entrado. Já me deu um frio na barriga. Enviei mensagem e ele disse que poderia ter estornado o valor, que ia verificar — recorda.

Começando a desconfiar da situação, os primos se convenciam de que não deveria ser golpe porque afinal o comprador seguia em contato com eles. Se fosse estelionatário, já teria desaparecido. Enquanto esperava, o músico decidiu fazer contato com uma gerente de banco. Enviou para ela o comprovante e bancária logo lhe alertou que aquilo deveria ser um golpe. Incrédulos, os primos decidiram voltar para Dom Pedrito. No trajeto, Lima teve mais um indicativo que era mesmo uma trapaça: o número tinha sido bloqueado pelo golpista.

— Ali tive certeza. Fui direto para a polícia. Se fosse o golpe do envelope vazio, essa já é velha. Mas da transferência todo mundo me dizia que era certo. Vi que não é bem assim — recorda.

Os primos acabaram dormindo em Dom Pedrito, dentro do carro, sem dinheiro para a volta. No mesmo dia, o jovem compartilhou a história nas redes sociais e fotos da gaita, alertando os outros sobre o que havia acontecido. Contaram com a ajuda de amigos e familiares, que depositaram dinheiro, para poderem retornar para casa.

— Voltamos apavorados, e devendo mais do que a gente já estava — conta.

Na segunda-feira, três dias após o golpe, recebeu um novo telefonema. Era uma boa notícia. A Polícia Civil tinha recuperado a gaita. Os policiais prenderam três suspeitos no momento em que se preparavam para enganar o dono de uma Ranger. Apreenderam com eles ainda uma motocicleta e o instrumento do músico. O líder do grupo, conforme a investigação, é um preso que fazia contato com as vítimas de dentro da cadeia. Lima precisou mais uma vez seguir até a Fronteira Oeste. Dessa vez, com a missão de trazer a gaita de volta para casa, em segurança.

— Quando decidi vender, como eu estava tocando menos, a ideia era comprar uma de menor valor. Até tudo se organizar. Mas agora eu não vendo mais ela, de jeito nenhum. Estou me virando como dá — diz.


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